Acórdão nº 788/21.5T8VVD-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Outubro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução27 de Outubro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães*1 – RELATÓRIO Nos presentes autos (1) de acção declarativa de condenação em processo comum, que T. B.

move a B. R.

e R. S.

, notificado do despacho saneador, em 29 de Abril de 2022, requereu aquele, além de outros dois documentos, a junção para contraprova do alegado nos arts. 11.º a 13.º da contestação e se afigurarem essenciais para a descoberta da verdade: - Print de mensagens trocadas entre o arguido B. R. e a testemunha S. C. (companheira do ofendido), cfr. doc. n.º 1.

Notificados da junção dos novos documentos de prova, em 12 de Maio de 2022, os RR., quanto a este documento, impugnaram nos seguintes termos e fundamentos: Documento 1 -Relativamente ao documento sob n.º 1, estamos perante um print retirado de um dispositivo desconhecido, onde não consta nas mensagens trocadas o número de telemóvel que enviou e o que recebeu e assim respetivamente, com o B. R., não sabendo o número do disposto que estabelece a conversa, sendo matéria desconhecida para os aqui réus. Da mesma forma, impugna-se por estar perante prova nula, por se encontrarem protegidas pelos direitos constitucionais de reserva da intimidade da vida privada e da confidencialidade da mensagem pessoal. A carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (proclamada pelo Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão em Nice, em 07 de dezembro de 2000), dispõe no seu artigo 7º, sob a epígrafe «Respeito pela vida privada e familiar», que: “Todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações”.

A obrigatoriedade do respeito pela privacidade dos cidadãos contra ingerências na sua correspondência e comunicações tem sido recorrentemente enunciada quer pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (vd., entre outros, os acórdãos do TEDH: Margareta e Roger Andersson c. Suécia, Copland c. Reino Unido, Halford c. Reino Unido e, especialmente, Bӑrbulescu c. Roménia - Acessível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-177082), quer pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (vd., a título de exemplo, o acórdão TJUE nos processos apensos C- 293/12 e C-594/12 - ECLI:EU:C:2014:238, consultável em http://curia.europa.eu).

Resulta também da Constituição da República Portuguesa, que a qualquer cidadão nacional é reconhecido o direito à reserva da vida privada e à inviolabilidade do sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada, conforme decorre do disposto nos respetivos artigos 26º e 34º.

Por outro lado, o Tribunal Constitucional entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”.

Sendo que o documento 1, é uma conversa privada, o qual se desconhece os autores do mesmo, e corresponde a um print, a uma alteração do original, e uma violação da vida privada, prevista na constituição da República Portuguesa.

Portanto documento 1 é uma prova nula, que deverá ser desentranhada do respetivo processo.

Pronunciando-se quanto a esta concreta junção, em 21 de Junho de 2022, o Sr. Juiz a quo decidiu nos seguintes termos: O autor requer ainda a junção de cópia legível do documento n.º 1 em anexo à petição inicial.

Os réus impugnaram o mesmo, suscitando a nulidade da prova, por contender com matéria sujeita à reserva da vida privada dos mesmos, pedindo o seu desentranhamento em conformidade.

Apreciando, desde já deixaremos claro não assistir qualquer razão aos réus.

Com efeito, analisado o teor do documento, verifica-se que estamos perante uma troca de mensagens escritas na aplicação/ plataforma whatsapp.

Ora, as mensagens sms ou whatsapp, assim como os e-mails, enquanto documentos eletrónicos, integram-se no conceito de prova documental.

Estando em causa (segundo o autor) comunicações efectuadas entre o próprio autor e o primeiro réu, tais mensagens têm a mesma natureza que a correspondência, em nada se distinguindo de uma carta remetida por correio físico. E tendo sido já recebidas, se já foram abertas e porventura lidas e mantidas no computador (ou no telemóvel, acrescenta-se) a que se destinavam, não deverão ter mais protecção que as cartas em papel em que são recebidas, abertas ou porventura guardadas numa gaveta, numa pasta ou num arquivo.

Efectivamente, tanto os SMS como as mensagens whatsapp são considerados documentos eletrónicos – art. 2.º a) do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 02/08 – susceptíveis de serem apresentados como prova, e têm força probatória nos termos previstos no art. 3º daquele primeiro diploma, sendo que nas situações – como a dos autos – em que deles não conste uma assinatura digital certificada por uma entidade credenciada, são apreciados nos termos gerais de direito, isto é, de acordo com as regras gerais da prova documental – neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.04.2022, processo n.º 13609/21.0T8LSB-C.L1-8, in www.dgsi.pt.

Ora, no caso dos autos, o autor é interveniente direto e imediato das mensagens whatsapp enviadas, no âmbito dos quais aparenta ser negociada a aquisição de uma viatura automóvel e respectivo preço, mensagens essas às quais o autor acedeu de forma totalmente lícita. Tais mensagens whatsapp não foram enviadas como confidenciais – tendo em consideração o que deles resulta – e nem se referem à intimidade da vida privada dos réus ou de quaisquer outras pessoas (art. 77.º do CC), pelo que a sua apresentação, como meio de prova, não coloca em causa a reserva da intimidade da vida privada dos réus (nem os mesmos se dignam a alegar em que medida o seu teor contende com a reserva da sua vida privada, tanto mais que alegam concomitantemente desconhecer os autores da conversa e o seu teor, pese embora não tenham dúvidas em apelidar a conversa de privada).

Pelo exposto, vai indeferida a nulidade de prova arguida.

Notifique.

* Inconformados com esse despacho, os RR. interpuseram...

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