Acórdão nº 3409/21.2T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Janeiro de 2022
Magistrado Responsável | JORGE TEIXEIRA |
Data da Resolução | 20 de Janeiro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO.
Recorrente: CAIXA ..., S.A..
Recorrido: X TRANSPORTES Unipessoal, LDA.
Tribunal Judicial da Comarca de Tribunal Judicial da Comarca de Braga Juízo Central Cível de Braga - Juiz 3.
CAIXA ..., S.A., pessoa colectiva nº ………, com sede na Avenida … Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ..., com o capital social de € 3.844.143.735,00 intentou NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 362º E SEGUINTES DO CPC, PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE ENTREGA JUDICIAL CONTRA X TRANSPORTES Unipessoal, LDA.
com NIF n.º ......... com sede na Rua ….
Peticionou que fosse ordenada a entrega judicial à requerente da viatura de matrícula PC e que o Tribunal se pronunciasse pela resolução definitiva do presente caso, julgando-se definitivamente pela entrega à requerente do referido bem.
Alegou para tanto que a requerida deixou de pagar as prestações devidas pela utilização do veículo em causa.
*A requerida veio deduzir oposição ao arresto decretado, alegando, que a obrigação de pagamento em causa deveria ter sido suspensa face ao regime excepcional criado do decurso da pandemia Covid e que está em causa uma alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram o seu contrato.
*A requerente respondeu às excepções suscitadas pela requerida referindo que não é possível aplicar o regime em causa uma vez que a requerida tinha dívidas à Segurança Social e nunca comunicou o motivo pelo qual deixou de pagar as prestações devidas nem se mostrou disponível para um acordo de pagamento.
*Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos: Decisão Nestes termos, o Tribunal julga improcedente a providência requerida e não declaro a inversão do contencioso.
Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a Requerente, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões: 1.A Requerente Caixa ..., S.A. intentou o presente procedimento cautelar contra a Requerida X Transportes Unipessoal, Lda. para a entrega judicial de uma viatura da marca Scania, modelo R410, com o n.º de chassis ..............14, com a matrícula PC, tendo por base um contrato de locação financeira mobiliária com o n.º .........86.
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A Requerida deixou de proceder ao pagamento das rendas mensais acordadas contratualmente, tendo sido a mesma interpelada, em 6 de agosto de 2020, para proceder ao pagamento dos vários débitos em atraso e, na ausência de resposta, por carta data de 21 de dezembro de 2020, procedeu-se à resolução do contrato de locação financeira.
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Não tendo sido feita a entrega voluntária do bem locado, a Requerente intentou o presente procedimento cautelar destinado à entrega judicial do mesmo, tendo invocado o fundado receio de vir a sofrer prejuízos graves e irreparáveis estando o bem locado fora do seu controle e fruição e tendo requerido a dispensada da audição da Requerida. Sociedade de 4.
O Tribunal a quo entendeu que a Requerida devia ser ouvida, a qual deduziu oposição à providência cautelar com fundamento que a falta de pagamento das rendas acordadas no contrato de locação financeira não configurava uma situação de incumprimento contratual face ao regime legal consagrado face à pandemia da Covid-19 e, por outro lado, que a Requerente devia ter modificado o contrato de locação financeira, ao invés de proceder à respectiva resolução.
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A 10 de setembro de 2021, realizou-se o julgamento, tendo sido a Requerida convidada para proceder à junção de prova documental de que, em 2020 e 2021, o seu único sócio e legal representante foi acometido de doença que o levou a uma intervenção cirúrgica, o que fez, tendo a Requerente entendido que a mesma não tinha qualquer relevância para os fins pretendidos nos presentes autos.
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Em face da matéria dada como provada, o Tribunal a quo entendeu que a Requerente não incumpriu o regime legal consagrado no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, uma vez que a Requerida não cumpriu uma das condições impostas pela referida legislação excepcional em vigor, mas que, face ao regime constante do artigo 437.º do Código Civil, verificam-se os pressupostos para uma modificação do contrato face a uma anormal alteração das circunstâncias, o que impede a consequência jurídica pretendida pela Requerente.
DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO 7.Nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, a Recorrente pode impugnar a matéria de facto dada como provada devendo, para o efeito, indicar os pontos de facto que considera incorretamente julgados, bem assim como os meios probatórios que impunham uma decisão diferente da matéria de facto.
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O Tribunal a quo deu como provado, no ponto 12, que “a partir de Janeiro de 2020, no decurso da pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, e apesar de todos os seus esforços e sacrifícios, a Requerida não conseguiu, com os seus rendimentos, satisfazer as prestações relativas a esse contrato.”, socorrendo-se do depoimento, com credibilidade, do legal representante da Requerida, A. N..
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A Recorrente aceita que foi a partir de janeiro de 2020 que a Requerida deixou de satisfazer as rendas mensais acordadas no âmbito do contrato de locação financeira, tendo sido junto extrato, em 28 de julho de 2021, demonstrativo que a Requerida entrou em situação de incumprimento em 10 de janeiro de 2020 relativamente à renda contratada n.º 3.
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É facto público e notório que a pandemia causada pelo coronavírus se instalou em Portugal em março de 2020, quando começaram a ser emitidos os vários diplomas legais que regularam as moratórias relativas a contratos de crédito face aos confinamentos gerais que se seguiram.
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Em janeiro de 2020 não havia, em Portugal, qualquer problema relacionado com a pandemia do coronavírus, estando a vida em sociedade a decorrer sem qualquer constrangimento, nomeadamente, a actividade económica das várias sociedades comerciais.
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Não se pode estabelecer uma relação entre a falta de pagamento das rendas pela Requerida a partir de janeiro de 2020 com uma pandemia que apenas despoletou em março de 2020 e que apenas causou constrangimentos económicos desde então.
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Não foi no decurso da pandemia causada pelo coronavírus que a Requerida deixou de satisfazer as rendas acordadas no âmbito do contrato de locação financeira celebrado com a ... Leasing e Factoring, S.A, dado que a Requerida deixou de proceder ao pagamento das rendas acordadas antes de deflagrar a pandemia causada pelo coronavírus.
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Deverá ser eliminada a referência à pandemia do coronavírus, passando o referido ponto 12 a ter a seguinte redação: “A partir de janeiro de 2020, e apesar dos seus esforços e sacrifícios, a Requerida não conseguiu, com os seus rendimentos, satisfazer as prestações relativas a esse contrato”.
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Nos pontos 13 a 16, o Tribunal a quo deu como provada a paralisação da actividade da Requerida, o decréscimo dos seus serviços, a ausência de quaisquer rendimentos e o suporte de várias despesas fixas, socorrendo-se apenas do depoimento do legal representante da Requerida A. N..
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O Tribunal a quo não pode dar como provado o decrescimento da procura de serviços da Requerida, a ausência de rendimentos provenientes do exercício da respetiva atividade ou o pagamento de despesas mensais fixas com o mero depoimento do respetivo legal representante.
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Estamos perante factos que são suscetíveis de prova documental, sendo certo que o documento idóneo para a prova dos referidos factos é a declaração IES, onde constam as obrigações declarativas de natureza contabilística, fiscal e estatística.
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Saber se uma sociedade comercial auferiu rendimentos, teve variada faturação ou pagamento de despesas mensais fixas é obtido através de suporte documental próprio, não se podendo o Tribunal bastar com o mero depoimento do respetivo legal representante.
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Nem todas as empresas deixaram de faturar por causa da pandemia originada pelo coronavírus, não se podendo retirar daí uma consequência lógica de perda de rendimentos com o mero depoimento do legal representante da Requerida.
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O Tribunal a quo nem sequer estabelece um período temporal da alegada perda de rendimentos e da alegada paragem no exercício da atividade económica da Requerida, tal como não estabelece a percentagem de perda de rendimentos obtida.
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O Tribunal a quo limita-se a, de uma forma genérica, admitir que a Requerida deixou de ter rendimentos, sem os contabilizar, devido a uma paragem no exercício da respetiva atividade económica, sem também contabilizar o respetivo período temporal.
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O Tribunal a quo não tinha em seu poder elementos probatórios suficientes para dar como provados os referidos factos constantes dos pontos 13 a 16, razão pela qual devem os mesmos deixar de constar do elenco dos factos provados, o que se requer.
DO DIREITO 23.Salvo o devido respeito, que é muito, e melhor entendimento, a Requerente Caixa ..., S.A. não pode deixar de discordar com o entendimento do M. Juiz do Tribunal a quo segundo o qual o direito da Requerente não se mostra suficientemente indiciado, entendendo que a Requerente devia ter sugerido à Requerida uma alteração ao contrato face aos seus recursos económicos e técnicos.
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O Tribunal a quo esteve bem, em nosso entendimento, quanto à solução jurídica dada ao caso em apreço quanto à aplicação do regime legal constante do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, o qual instituiu um regime da moratória legal o qual ficou dependente da verificação de várias circunstâncias.
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No caso em apreço, foi dado como provado, nos termos constantes da impugnação da matéria de facto, que a Requerida X entrou em situação de incumprimento relativamente ao contrato de locação financeira a partir de janeiro de 2020, não tendo procedido ao depósito de qualquer montante por conta das rendas acordadas no âmbito do contrato de locação financeira mencionado na petição inicial.
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A Requerida pediu informação sobre as medidas de apoio às empresas de...
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