Acórdão nº 2657/17.4T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelROSÁLIA CUNHA
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: RELATÓRIO C. F.

intentou a presente ação sob a forma de processo comum contra JUNTA DE FREGUESIA DE X pedindo: a) que se declare e reconheça o direito de propriedade da A. a parte das águas do Fontanário da ... Y, encaminhadas da Fonte F.; b) se declare e reconheça o direito da A. a essa água para rega e lima (irrigação) dos prédios: urbano sito na Rua da ... nº ... e rústico denominado de Leira B. no Lugar da ..., ambos sitos na Freguesia de X; c) se condene a Ré a reconhecer e a respeitar os direitos da A. sobre as águas referidas abstendo-se da prática de quaisquer atos que lesem esses direitos ou de qualquer modo impeçam o seu pleno exercício; d) se condene a Ré a realizar as obras tidas por necessárias para restabelecer o fornecimento de água ao terreno da A. e o fontanário volte a funcionar em pleno; e) se condene ainda a Ré ao pagamento de uma indemnização de €8.000 a título de danos patrimoniais e €2.000 a título de danos não patrimoniais, no montante global de €10.000.

Como fundamento dos seus pedidos alega, em síntese, que tem direito de propriedade sobre parte das águas do Fontanário da ... Y, encaminhadas da Fonte F., para rega e lima do prédio urbano sito na Rua da ... n.º ... e do prédio rústico denominado de Leira B., sitos na Freguesia de X, direito esse concedido pela Junta de Freguesia ao seu pai, no âmbito de um negócio de troca. Mais alega que a Junta de Freguesia, em maio de 2015, realizou umas obras de melhoramento das ruas e, nessa altura, cortou o encaminhamento das águas.

Alega, assim, que cabe à ré a realização de obras para restabelecimento do fornecimento de água ao terreno da autora e que com a conduta da ré sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, pelos quais pretende ser ressarcida.

*Regularmente citada, a ré apresentou contestação, na qual deduziu a exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria.

Alegou ainda, em síntese, que a declaração em que a autora sustenta a permuta da água não consta de qualquer livro de atas da ré. No entanto, admitindo que essa declaração existe, da mesma não resulta qualquer obrigação por parte da Junta de Freguesia de manutenção ou conservação das ligações para encaminhamento das águas visto que a ré não é proprietária das referidas águas, e as mesmas estão em prédios privados.

As obras de melhoramento das ruas realizadas na Freguesia, em maio de 2015, não foram efetuadas pela ré, mas sim pelo Município de ..., na sequência das cheias que ocorreram em 2013.

De todo o modo, as águas provenientes da Fonte F. deixaram de ser encaminhadas para o Fontanário da ... Y há mais de 20 anos por falta de manutenção e interesse quer do Clube de Futebol quer da autora e seus antecessores, que eram os seus utilizadores.

Acresce que quem beneficiava das sobras da água do Fontanário era um prédio pertencente ao falecido J. F. que foi adjudicado ao irmão da autora P. M. e não os prédios de que a autora é proprietária e comproprietária.

Impugna os danos alegados e pugna pela improcedência da ação e absolvição do pedido.

*A autora apresentou resposta na qual se pronunciou pela improcedência da exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria e requereu a intervenção principal provocada da Câmara Municipal de ..., como associada da ré, face à alegação de que foi esta entidade quem efetuou as obras das quais resultou o corte do encaminhamento das águas para os prédios da autora.

*Foi admitida a requerida intervenção principal provocada da Câmara Municipal de ... a qual, citada, apresentou contestação alegando, em síntese, que efetuou obras de reconstrução da Rua do … e da Rua da ... as quais se tornaram necessárias devido aos estragos causados pelas intempéries ocorridas em 2013. Porém, essas obras não implicaram qualquer intervenção, direta ou indireta, no fontanário. Por isso, entende que não tem nenhuma responsabilidade na situação que a autora invoca.

Impugnou a factualidade alegada e invocou a exceção de prescrição, uma vez que as obras ocorreram em 2014 e o prazo de três anos terminou em setembro de 2017, tendo a presente ação apenas dado entrada em juízo em novembro de 2017.

*A autora apresentou resposta, pugnando pela improcedência da exceção de prescrição, alegando que tal prazo só pode ocorrer após a data do auto de receção definitiva da obra em causa, que desconhece quando ocorreu, sendo certo que a autora apresentou várias reclamações ao longo deste lapso temporal.

*A exceção de incompetência do tribunal em razão da matéria foi julgada improcedente.

*A autora foi convidada a concretizar os alegados danos patrimoniais, tendo apresentado requerimento a concretizar os danos, factualidade que foi impugnada pela ré Junta de Freguesia.

*Realizou-se a audiência prévia e a autora foi novamente convidada a prestar esclarecimentos, o que a mesma acatou, esclarecendo que o prédio servido pelas águas sobrantes da Fonte F. é o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo … e descrito na CRP sob o n.º ….

Alegou ainda matéria factual quanto aos danos sofridos e ao modo de encaminhamento das águas, a qual foi impugnada pela ré Junta de Freguesia de X.

*Apresentou petição inicial corrigida, em 21.10.2019, na qual incluiu todas as alterações e esclarecimentos atrás referidos e reformulou o pedido, em termos de o mesmo se referir apenas ao prédio urbano sito na Rua da ..., nº ....

*Foi fixado à causa o valor de € 30 000,01, foi proferido despacho saneador tabelar, foi definido o objeto do processo e foram enunciados os temas de prova.

*Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor decisório: “Pelo expendido e em conformidade com as supra referidas disposições legais, julga-se totalmente improcedente a ação, por não provada e absolvem-se as rés Junta de Freguesia de X e Câmara Municipal de ..., dos pedidos contra si deduzidos pela autora C. F..

”*A autora não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “I. A douta sentença ora em recurso, enferma de erro na apreciação da prova produzida em audiência de julgamento e prova documental, nomeadamente aos factos dados como não provados das alíneas a), b), e), i), j).

  1. Com efeito, os meios probatórios constantes do processo e da gravação dos depoimentos das testemunhas, impunham ao julgador decisão diversa da recorrida.

  2. O M.mo Juiz “a quo” deu como não provado os factos a), b), e), i) J), quando na nossa modesta opinião impunha resposta diferente, ou seja, ser considerado como Provado.

  3. Todas as testemunhas arroladas pela Autora, assim como algumas testemunhas arroladas pela Ré Junta de Freguesia de X referiram que têm conhecimento da permuta realizada entre o pai da autora e a Ré Junta de Freguesia de X, permuta essa que consiste na troca de uma parcela de terreno, pelas águas sobrantes do Fontanário da ....

  4. Estas testemunhas afirmaram que viam a água desse fontanário a cair no prédio da Autora, viram os tubos e como era encanada a água até ao prédio da Autora, viram o tanque dentro da propriedade da Autora e construído pelo pai da Autora.

  5. Conforme o Tribunal “a quo”, deu como provado que, em 1980 foi emitido uma declaração, onde consta que no Fontanário da ... Y iria se feita uma terceira saída que passaria a pertencer a J. F., em troca de um terreno para abertura de caminho. Que em sequência dessa declaração e da permuta, foram construídas as ligações necessárias, foi implantado a nascente do prédio da Autora e do prédio do Sr. J. F., pai da Autora, o fontanário, e que estes passaram a servir-se de tais águas desde 1980.

  6. Pelo que salvo melhor opinião, duvidas não restam ao Tribunal que, o pai da Autora adquiriu o direito sobre as águas desde 1980 e passou desde então a servir-se dela.

  7. Porém, o Tribunal “a quo” entendeu que apesar de se ter feita prova que desde 1980, o pai da Autora e a Autora servem-se das águas, os mesmos não adquiriram posse sobre ela.

  8. Argumentando a sua decisão, que não foi produzida prova suficiente que a Autora desde 1980, por si só e por antepossuidores esteja na posse das águas sobrantes do fontanário e daí retira vantagens, sem limitação de tempo ou de uso, com intenção de exercer um direito próprio.

  9. A prova testemunhal e documental não permitia, como não permite, que o M.mo. Juiz “a quo” dê como não provados os factos supra elencados.

  10. Pois, a testemunhas arroladas frisaram a existência da permuta, e que ninguém se opus a ela, frisaram que viram os tubos, viam a água a cair dentro da propriedade da Autora, viam a Autora e os seus antepossuidores a regar com essa água o seu cultivo, viram a construção de um tanque para armazenamento dessa água, tanque esse construído pelo pai da Autora dentro da sua propriedade.

  11. Existe a declaração onde consta a respetiva permuta, essa declaração foi reconhecida, por uma testemunha e as assinaturas nela aposta foi reconhecida por outra testemunha.

  12. Existe a declaração do irmão da Autora, que reconhece que a água pertence ao prédio urbano, ou seja, ao prédio da autora. Existe uma testemunha irmã da Autora, que também reconhece que a água é da Autora. E existe uma outra testemunha, irmão da Autora, que afirma que apesar de já ter regado com essa água, desde a realização das partilhas a água não lhepertence. Pelo que todos os herdeiros do pai da Autora afirmam que a água não lhes pertence e pertence à Autora.

  13. Salvo melhor opinião, foi feita prova suficiente que a Autora cultivou pelo menos até 2012, variedades espécies de cultivo.

  14. Na decisão da matéria de facto, o M.mo. Juiz “a quo” recorrido simplesmente ignorou os depoimentos das testemunhas arroladas, quando elas afirmaram que tinham conhecimento da permuta, que viram os tubos, que viram a água a cair na propriedade da autora, que viram o tanque construído pelo pai da Autora, inclusive com água dentro, que viam a Autora e os seus antepossuidores a regar com essas águas...

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