Acórdão nº 825/21.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguinte: I- Relatório A. C., residente em .., Rue …, França, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra O. C., residente na Rua … Vila Nova de Famalicão, pedindo que se: a- declare a existência de uma servidão de passagem que consiste no acesso pedonal e de veículos, motorizados ou não, sobre a área com extensão aproximadamente de 12,00 m2 de terreno, e que possibilita o acesso do prédio da Autora à via pública – quer porque o seu prédio se encontra encravado em função do comportamento da Ré, quer porque, e sem prescindir, tal direito de servidão de passagem se constituiu por via da usucapião; b- condene a Ré a reconhecer a existência da aludida servidão de passagem; c- condene a Ré a entregar uma cópia da chave da fechadura do portão de entrada que faculta o acesso à área identificada em a); d- condene a Ré a retirar/destruir imediatamente o muro que construiu e obstruiu a área identificada em a), repondo-a no exato estado em que a área estava anteriormente; e- condene a Ré a abster-se de quaisquer atos que impeçam ou diminuam a utilização dessa área, e de, por qualquer meio, extravasar e impedir o uso e fruição da passagem referida em a); f- ordene o registo da servidão predial de passagem melhor identificada em a); g- condene a Ré no pagamento à Autora de uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, pelos motivos supra alegados, a liquidar em execução de sentença, mas de montante nunca inferior a 10.000,00 euros.

Para tanto alega, em síntese, ser dona e legítima possuidora do prédio urbano composto por casa de habitação e quintal, sito no Lugar ..., freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz urbana sob o art. ..º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, o qual confronta a sul com a Ré; Há aproximadamente dois anos a Autora encontra-se impossibilitada de entrar no seu prédio dado que, sem o seu consentimento, a Ré trocou o canhão da fechadura do portão de entrada nesse prédio; Esse portão encontra-se inserido na área frontal do prédio da Autora e possibilita o acesso do mesmo à via pública; Essa área frontal tem cerca de 12,00 m2 e é através dela que a Autora, há mais de 30 anos, à vista de todos, sem oposição de quem quer que seja, sem violência e de boa fé acede ao seu prédio, na convicção de que se trata de um direito seu, que se encontra constituído sobre essa área de terreno e que lhe confere o direito de servidão de passagem pela mesma; Acresce que a Ré construiu recentemente um muro, apropriando-se da totalidade do espaço correspondente à entrada do prédio da Autora, impossibilitando a passagem desta para o seu prédio; Anteriormente à construção do muro, o acesso ao prédio fazia-se através do dito portão, que ficava dentro dessa zona de 12,00 m2, e que era utilizado por toda a gente e que comportava a passagem de todo o tipo de veículos, motorizados ou não; A discussão da titularidade da referida área de terreno de 12,00 m2 foi objeto da ação, que correu termos no Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 3, com o n.º 6088/17.8T8GMR, em que foi decidido, por sentença transitada em julgado, que essa área de terreno não é propriedade exclusiva da Autora, nem da Ré, e que sobre a mesma recai um direito de servidão de passagem; A área em referência é a única que dá acesso do prédio da Autora à via pública, razão pela qual jamais pode ser obstruída; O comportamento da Ré impede a Autora de aceder ao seu prédio, causando-lhe danos patrimoniais e não patrimoniais, que discrimina; A Autora já diligenciou junto da Ré no sentido de solucionar o presente impasse de maneira consensual, mas sem sucesso.

A Ré contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocou a exceção dilatória do caso julgado, alegando que no âmbito da ação que correu termos no Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 3, com o n.º 6088/17.8T8GMR, a Autora arrogou-se proprietária da parcela de terreno de 12,00 m2, pedido esse que foi julgado improcedente, por decisão transitada em julgado; Acresce que a Ré foi absolvida de todos os pedidos deduzidos pela Autora nessa ação, incluindo do pedido aí formulado na alínea b), em que esta pedia a condenação da aí e aqui Ré a “abster-se da prática de quaisquer atos que impeçam ou diminuam a utilização da parte da Autora dessas mesmas extensões de terreno”; Conclui que a Autora “não pode agora formular o mesmo pedido – ou por outras palavras, obter nova decisão judicial que contrarie a primeira decisão”; Impugnou parte dos factos alegados pela Autora na petição inicial.

Conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente e seja absolvida dos pedidos.

Por despacho proferido em 28/05/2021 concedeu-se à Autora o prazo de dez dias para se pronunciar, querendo, quanto à exceção dilatória do caso julgado invocada pela Ré.

Na sequência desse despacho, a Autora respondeu à exceção em causa, concluindo pela respetiva improcedência, alegando que, no âmbito daquela primeira ação, discutia-se o “reconhecimento do direito de propriedade da Autora sobre o prédio ali melhor identificado e sobre uma parcela de terreno de aproximadamente 12,00 m2 que daquele faz parte”, quando, na presente ação, se invoca “a existência do direito de uma servidão de passagem”, não se discutindo, pois, “o direito de propriedade da Autora” sobre a dita parcela de terreno.

Notificou-se a Autora para juntar aos autos certidão da sentença proferida no âmbito dos autos n.º 6088/17.8T8GMR, do Juiz 3, do Juízo Central Cível de Guimarães, com nota do respetivo trânsito em julgado (cfr. despacho de 09/06/2021), o que aquela fez, por requerimento entrado em juízo em 17/06/2021, em que juntou aos autos certidão da sentença e do acórdão confirmatório daquela, proferido em 28/03/2019, com nota do respetivo trânsito em julgado em 10/05/2019.

Realizou-se audiência prévia, em que, frustrada a conciliação das partes, concedeu-se a palavra às partes a fim de se pronunciarem, querendo, quanto à exceção dilatória do caso julgado, tendo estas mantido as posições que já tinham assumido nos seus articulados a propósito da mencionada exceção.

Discutiram-se os aspetos jurídicos da causa e, após as partes terem alterado os seus requerimentos probatórios, a 1ª Instância ordenou que os autos lhe fossem conclusos.

Em 09/07/1021 proferiu-se despacho saneador, em que se conheceu da exceção dilatória do caso julgado invocada pela Ré, na vertente de autoridade do caso julgado, julgando-a procedente e absolvendo a Ré da instância, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, julgo procedente a invocada exceção de autoridade de caso julgado, por efeito preclusivo da decisão proferida na ação n.º 6088/17.8T8GMR e, em consequência, absolvo a Ré da instância.

Custas a cargo da Autora”.

Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: 1.

A Autora/Recorrente propôs a presente ação arrogando ser dona e legítima possuidora do prédio urbano melhor identificado no artigo 1.º da Petição Inicial, peticionando o reconhecimento de uma servidão a favor deste prédio.

  1. Porém, conforme decorre do requerimento junto aos autos, em 24/09/2021, esta não é titular do direito de propriedade sobre o referido prédio.

  2. Como se alcança da análise conjugada da caderneta predial e descrição predial juntas aos autos, com a petição inicial, e resulta, inclusive, já demonstrado na ação n.º 6088/17.8T8GMR, o referido prédio integra o acervo hereditário da herança aberta por óbito de J. M., falecido marido da Autora/Recorrente.

  3. Sendo manifesto que o prédio em questão não foi ainda partilhado, ação deveria ter sido proposta por todos os herdeiros, em representação da herança.

  4. Pelo que, independentemente do que abaixo se dirá sobre o mérito da decisão recorrida, não pode deixar de ser afirmada a exceção da ilegitimidade da Autora/Recorrente e, consequentemente, absolvida a Ré/Recorrida da instância.

  5. Do que resulta ficar prejudicada a apreciação do mérito do recurso.

    SEM PREJUÍZO, 7.

    Por sentença datada de 9 de julho de 2021, o Tribunal a quo julgou procedente a exceção de autoridade do caso julgado invocada, por via do efeito preclusivo da decisão proferida na ação n.º 6088/17.8T8GMR, absolvendo a Ré/Recorrida da instância.

  6. Acontece, porém, que essa decisão é resultado de um clamoroso erro de interpretação e aplicação do direito do Tribunal a quo.

  7. Desde logo, porque o objeto da presente ação em nada contende ou contraria a decisão transitada, não tendo ficado precludida a possibilidade de a Autora/Recorrente, na presente ação, fazer valer, invocar e pedir o reconhecimento de um direito diverso, in casu, o direito de servidão de passagem.

  8. E, depois, porque, no caso dos presentes autos, não se tem por verificada a exceção da autoridade do caso julgado invocada pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão.

  9. Embora a servidão de passagem que a Autora/Recorrente ora pretende ver reconhecida incida sobre a parcela de 12 m2 a que se refere a sentença da ação n.º 6088/17.8T8GMR, nessa ação, em momento algum, resultou demonstrado que a referida parcela era parte integrante do prédio da Ré/Recorrida ou foi afirmado que esta detinha sobre a mesma um direito de propriedade plena.

  10. Aliás, da matéria de facto não provada, designadamente dos factos constantes do ponto II.16.

    , resulta antes que não foi feita qualquer prova de que a Ré/Recorrida atua sobre a referida parcela de 12 m2 com a convicção de exercer um direito próprio.

  11. Mal andou, por isso, o Tribunal a quo ao afirmar que, na ação 6088/17.8T8GMR, foi reconhecido o direito de propriedade plena sobre a parcela à Ré/Recorrida.

  12. De todo o modo, sempre se dirá que, mesmo que tivesse resultado demonstrada a propriedade da Ré/Recorrida, ainda assim o objeto da presente ação em nada contenderia ou contrariaria a decisão transitada em julgado, isto porque a...

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