Acórdão nº 64/19.3T8MTR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelALEXANDRA ROLIM MENDES
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relatório: S. A., titular do número de identificação fiscal ………, e P. J., titular do número de identificação fiscal ………, residentes em Rua … e Rua …, Montalegre, vêm intentar a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra COMUNIDADE LOCAL DOS BALDIOS DE X, representada pelo Conselho Diretivo, com sede em Rua …, pedindo a final que a Ré reconheça aos Autores a qualidade e atribuição de compartes daquela Localidade.

Regularmente citada, veio a Ré apresentar contestação.

Os Autores foram convidados pelo Tribunal a apresentar uma nova petição inicial, face às insuficiências apontadas, tendo apresentado em conformidade articulado aperfeiçoado em 24-10-2019.

Para tanto, em síntese, invocaram como causa de pedir o seguinte: i) os AA. têm terrenos na localidade da X, sendo o A. oriundo daquele local onde herdou de seu pai e adquiriu o quinhão hereditário dos seus irmãos; ii) terrenos estes que os AA. destinam a exploração agrícola; iii) existem fortes ligações sociais e de origem à comunidade local da X; iv) os antepassados do A. marido eram daquela localidade e tinham lá os seus bens e haveres que se transmitiram de geração em geração, cultivando os terrenos rústicos os seus produtos que colhiam para seu sustento, colocando o gado nos pastos e baldios de X; v) assim como o fazem agora os AA., convivendo com as pessoas daquela localidade, onde têm amigos, vão a festividades que ali ocorrem , ajudando na limpeza dos matos, regos de água, e onde têm uma exploração agrícola e pastoril em X; vi) os AA. são detentores da marca de exploração pecuária EA71U; vii) apesar do pedido dos AA., a Ré indeferiu o pedido de reconhecimento da qualidade de compartes do Baldio da X; viii) não restando, senão aos AA. recorrer a esta via judicial para que lhes seja reconhecida a qualidade de compartes também da localidade de X, freguesia de ....

A Ré, notificada da petição aperfeiçoada, veio apresentar contestação em 24-10-2019, com os fundamentos aí vertidos, pugnando pela improcedência da ação, não reconhecendo aos Autores a qualidade de compartes, por considerar não se verificarem os pressupostos para o efeito.

A demanda prosseguiu os seus trâmites, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

* *Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos: “

  1. Julgar a ação interposta pelos Autores parcialmente procedente e, em consequência, reconhecer ao Autor P. J. o direito à atribuição da qualidade de comparte da Comunidade Local dos Baldios da X, condenando-se a Ré a reconhecer essa qualidade; b) Absolver a Ré dos demais pedidos contra si deduzidos pelos Autores; c) Condenar as partes no pagamento das custas da ação, na proporção do respetivo decaimento.”.

    *Inconformado veio o R. recorrer formulando as seguintes conclusões:

  2. Na PI não foram alegados factos concretos, mas apenas generalidades que se consubstanciam em dois elementos alegados: que os AA. têm prédios na localidade, não se concretizando que prédios são, nem como foram adquiridos e que têm fortes ligações de origem a X, também não se concretizando que ligações são essas. o que não consta da PI, não pode vir a ser sujeito a prova nem valoração, o que aconteceu na sentença recorrida. Não têm que ser articulados factos instrumentais, mas têm que ser os essenciais. Tem de alegar os factos que servem de causa de pedir como dispõe o art. 562 nº 1 al d) e art. 5º nº 1 e 2 do CPC e o Juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto pelo art° 412° do C.P.C.. Estes normativos resultaram violados no caso.

  3. Assim, a final foram dados como provados factos que não constam da PI ou da PI corrigida (lembre-se que nesta segunda como dito acima, os pontos 17 a 47, foram dados como não escritos), e como tal extravasam o campo de que o Tribunal pode conhecer. Com efeito os seguintes pontos dos factos dados como provados não se encontram alegados, a saber os pontos 11, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22.

  4. Estes factos, não constam das alegações, logo não podem ser tomados em consideração na decisão, razão pela qual deverão estes pontos ser eliminados, pois que não sendo factos alegados, não estão sujeito a prova e logo, não podem ser considerados provados ou não provados, mas sim inexistentes ao processo.

  5. A localidade de X, é uma das 15 aldeias da freguesia de ..., mas única que administra por si e de forma autónoma o seu baldio, nunca se confundindo na história com as demais aldeias. E isto porque apresenta uma peculiaridade histórica que a torna única, a começar desde no facto de ter sido o sítio provável do Nascimento do Navegador seiscentista, J. R., descobridor da costa oeste da América daqui resultando uma imensidão de tradições e costumes muito próprio e únicos. E antes disso, já constituía um aforamento, outorgado por D. Dinis aos povoadores de X em 13 de dezembro de 1289 (http://www.jf-....pt/X.php?pg=160).

  6. E como resultou não provado, os AA. nunca participaram em qualquer atividade da aldeia.

    - Não vão à festa anual que se celebra a 8 de setembro em honra da Srª da Misericórdia, nem contribuíram nunca para a realização da mesma, - Nunca foram ou ajudaram ou de algum modo participaram na celebração anual que em maio se realiza em honra de N. S. de Fátima.

    - Nunca participaram na limpeza anual das levadas de água e sistema de rega - Nunca participaram na tradição da subida da vezeira em que os participantes em festa organizam uma caminhada e uma merenda - Tendo-se celebrado anualmente uma festa dedicada a ...ho, igualmente nunca participaram ou ali compareceram - Em tempos em que o moinho da aldeia era usado nunca participaram em arranjos ou sequer utilizavam para moagem - Fazendo-se regularmente a limpeza de caminhos em que a aldeia se junta cada um levando tratores ou máquinas de que disponha, nunca os AA. por ali foram vistos, a última das quais foi há 2 anos - Não vão nem nunca foram ali a qualquer ato religioso - Nunca participaram em qualquer reunião do baldio, ou discussão informal de qualquer assunto ou preocupação comunitária, - Nunca pastorearam os montes ou sequer por ali foram vistos, f) Nunca se consideraram compartes com tudo o que juridicamente isso implica, nem a aldeia de X os considerou como tal e que não têm qualquer tipo de direito de uso dos bens comunitários, sejam eles caminhos, cortes de mato, lenhas, extração de inertes, pastoreio, etc. Nunca exerceram por si ou por terceiros quaisquer destes atos, nem nunca fizeram saber que os detinham, ainda que os não usassem. Todos estes elementos resultam dos factos não provados.

  7. Esta explanação é relevante para a apreciação de outra questão de direito que se prende com o facto de analisar a norma aplicável ao caso, que é o art. 7º nº 2 e 5 da Lei dos baldios atual. Note-se que esta norma resultou da última revisão da Lei dos Baldios, e que vem permitir a aquisição da qualidade de compartes a outras pessoas que cumpram certos critérios, nomeadamente que ali detenham uma atividade agrícola.

  8. Claro que importa saber o que é uma atividade agrícola, não sendo suficiente para este critério ter ali propriedades nomeadamente lameiros ou toucas de mato. Implicam ter ali o centro de uma exploração, o que não é o caso (como veremos mais adiante). Nestas situações é permitido sob solicitação do interessado, a Assembleia de Compartes admitir este não comparte de origem a essa qualidade, mas este direito configura-se na lei como um direito potestativo, i. é, político, de decisão que cabe exclusivamente á Assembleia de Compartes. A sua sindicabilidade pelo Tribunal, é restrita ao controlo de ilegalidades, por exemplo, a apreciação de quóruns ou confirmar juridicamente alguns dos requisitos previsto no nº 5.

  9. O que o Tribunal não pode é subsituir-se à decisão soberana da Assembleia de Compartes nesta matéria. E nisto a Assembleia foi rotunda, no sentido de rejeitar tal pretensão por unanimidade. Ou seja, nem sequer no espírito de qualquer compartes se colocou qualquer forma de dúvida sobre a verificação de algum critério que pudesse deixar ao Tribunal alguma réstia de dúvida (nesse sentido João Gralheiro no seu comentário ao art. 7º da N. Lei dos Baldios).

  10. Dito de outro modo, o Tribunal violou o disposto no art. 7º n. 2 e 5 da lei dos Baldios, porquanto não pode substituir-se à decisão soberana, com base num critério de oportunidade que lhe é restrito a si Assembleia de Compartes, não se encontrando em causa, porque nem sequer alegado, a violação de qualquer norma jurídica.

  11. Aliás isto remete-nos para a própria história dos baldios e da sua utilidade e aproveitamento em favor dos povoadores de uma localidade ou povoação, como complemento do seu sustento, facto que não é apagado pelas novas utilizações dos baldios, pois que essas utilizações até podem ser novas, o que não põem é em causa saber-se o que é baldio e quem são os seus possuidores ou consortes. E, bem visto que ser compartes não é só um conjunto de direitos, é também um conjunto de deveres e julga-se que também aqui andou muito mal o Tribunal, pois que, conhecendo a finalidade dos AA. que é apenas poderem aproveitar as áreas de X para majorar subsídios agrícolas, se cingiu a ver a parte dos direitos, olvidando todos os deveres de participação, trabalho e...

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