Acórdão nº 1826/19.7T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório J. F. intentou, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M. A., pedindo a condenação do Réu:

  1. No reconhecimento de que o Autor é o legítimo proprietário e possuidor da fração “C” do prédio identificado em 1 da P.I.; b) Na restituição do acesso original à fração do Autor e restantes bens, como sejam os contadores e poço; c) Recolocação do muro na parte aberta, do número de porta, da caixa de correio e do portão de acesso ao logradouro de acesso à garagem à sua forma original – processo n.º 308/66 da Câmara Municipal de …; d) No pagamento de uma indemnização por violação dos direitos do autor, em montante nunca inferior a € 10.000,00; e) Pagamento de todas as despesas com o presente processo judicial, que se determinará em sede de conta final; f) No pagamento da sanção acessória pelo incumprimento, desde a data de citação até integral cumprimento, no montante diário de € 50,00.

    g) No pagamento de juros incidentes sobre todos os valores, desde citação até integral e efetivo cumprimento de sentença de condenação a ser decretada.

    Para tanto alegou, em resumo, que é proprietário da fração autónoma que identifica, que integra um prédio constituído em propriedade horizontal, sendo o réu proprietário de uma outra fração desse mesmo prédio; que verificou que existem diversas irregularidades nos acessos à sua identificada fração, embora admita que a adquiriu com os acessos que apresenta presentemente; que as referidas irregularidades no acesso servem apenas o réu, o qual se apoderou do logradouro de acesso à sua garagem, tendo procedido a alterações de forma abusiva e ilegal, com isso, provocando danos ao autor.

    *Citado, o réu apresentou contestação-reconvenção (fls. 35 a 44), pugnando pela verificação da exceção de ilegitimidade ativa e passiva e improcedência da ação. A título reconvencional pediu a condenação do autor/reconvindo a reconhecer o logradouro da fração D, do réu/reconvinte, como área privativa da referida fração, e a retirar o contador de água que serve a fração C, do autor, do logradouro da fração D, do réu/reconvinte.

    Subsidiariamente, pediu a condenação do autor/reconvindo a remover o contador para local onde se torne menos oneroso para o réu/reconvinte, ou seja, junto ao muro exterior.

    Para tanto alegou, em síntese, que as frações que hoje são do autor e do réu pertenceram à mesma pessoa, altura em que o acesso a ambas as frações se fazia pelo acesso à garagem do réu, tendo sido o anterior proprietário quem vedou o acesso existente à fração C, agora do autor, criando um novo acesso, sendo que, desde então, 2014, o acesso à fração do autor deixou de se fazer pelo logradouro da fração do réu e passou a fazer-se pelo novo acesso criado, sendo a situação existente da autoria do anterior proprietário, que com essas condições a vendeu ao autor.

    Mais alegou que o contador de água da fração C, do autor/reconvindo, se encontra dentro do seu (Réu) logradouro.

    *O autor replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção (fls. 53 a 57).

    *Admitida a intervenção das mulheres do autor e do réu, foi considerada sanada a invocada ilegitimidade das partes.

    *Procedeu-se à audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, em que se afirmou a validade e regularidade da instância, tendo sido identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e admitidos os meios de prova (fls. 72 e 73).

    *Procedeu-se a audiência de julgamento (fls. 84 a 86).

    *Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual: 1) Julgando a ação parcialmente procedente, decidiu:

  2. Condenar os réus a reconhecerem que os Autores são legítimos proprietários e possuidores da fração “C” do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial.

    b) Absolver os réus dos demais pedidos contra si formulados.

    2) Julgando procedente a reconvenção, decidiu:

  3. Condenar os autores/reconvindos a reconhecerem o logradouro da fração “D”, propriedade dos réus, como área privativa da referida fração.

    b) Condenar os autores/reconvindos a retirarem o contador de água que serve a fração “C”, do logradouro da fração “D”, dos reconvintes.

    *Inconformados, os Autores interpuseram recurso da sentença e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem): «

    1. A meritíssima Juiz a quo decidiu, e muito bem, que a fração “C” do prédio urbano, sito em inscrito na matriz sob o art. ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...-C da freguesia de …; B) Decidiu que “o autor adquiriu o prédio com os acessos presentes”; C) Tendo olvidado que o existente não se encontra legalmente corrigido e registado, D) As alterações que a Meritíssima Juiz a quo verificou, não foram objeto de correção junto quer da entidade administrativa, quer da entidade pública Conservatória de Registo Predial.

    2. Nem nunca o poderá ser.

    3. Já que, a Sentença colide de forma direta e contundente com o inscrito na Constituição da República Portuguesa, mormente no que dispõe quanto ao Direito individual de propriedade.

    4. Embora o Direito individual de Propriedade, não seja absoluto, a sua previsão Constitucional é garantística.

    5. A todo o cidadão, nos termos do Constitucionalmente previsto no artigo 62º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte…; I) Retirando-se daí, numa primeira abordagem “uma relação privada de uma pessoa ou entidade com determinados bens, de que resulta para os demais consociados, num segundo momento ou dimensão, um dever de abstenção ou de não perturbação, uma obrigação universal de respeito” – J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa anotada, Vol. I, Coimbra, 2007, p.801.

    6. Ora, foi isto mesmo que a Douta Sentença olvidou, mormente ao não sancionar devidamente o facto de se encontrar instalada uma calha de portão de correr, que ocupa cerca de cinquenta centímetros do rasgo, que agora entende o Tribunal destinado à entrada do prédio do Autor.

    7. Mantendo-se aquele instrumento, a “suposta” entrada do autor – porque mais à frente iremos demonstrar porque não pode manter-se no estado em que se encontra – não é da sua livre utilização.

    8. Existe, jurisprudencialmente uma perspetiva de que o Direito privado pode ser comprimido em determinadas circunstâncias; M) Porém, tal compressão, tem que ter fundamento e justificação em princípios e valores, que também eles têm dignidade constitucional, que tais limitações ou restrições se afigurem necessárias à prossecução dos outros valores salvaguardados.

    9. O que manifestamente nem sequer é o caso presente.

    10. Pois pretende-se manter um objeto inútil em local propriedade de outrem sem qualquer justificação/fundamento, já que na sentença se impossibilita a recolocação de portão de correr para aquele lado da propriedade.

    11. Pelo que, sem qualquer tipo de dúvida se invoca nesta parte a total ilegalidade da sentença aqui recorrida, pois não obriga a que o consociado se abstenha de perturbar e respeitar o direito de propriedade do Autor.

    12. Da Douta Sentença, resulta claramente uma violação do Direito Constitucional do autor, na medida em que, invocando o facto de ter adquirido assim o prédio – com violações graves de projeto, como seja a criação de uma entrada violadora do projeto que se encontra junto da entidade administrativa Câmara Municipal e da Escritura da Propriedade Horizontal, na qual todas as frações têm entrada pelo n.º 1 – pretende coartar o seu Direito de Recusa em manter as ilegalidades existentes.

    13. Com o “forte” argumento de que já adquiriu a propriedade no estado presente.

    14. O que salvo o devido respeito – reitera-se – não tem a mínima correspondência com a realidade.

    15. O que ali se encontra é totalmente ilegal e o Autor não pretende viver na ilegalidade.

    16. O que se exige, é a restituição de toda a legalidade e não a convolação da ilegalidade.

    17. Não entendemos que possa ser resolvido de forma tão simplista mas tão violenta ao Direito de propriedade do Autor.

    18. Até mesmo pelo que supra ficou referenciado, relativamente à possibilidade de compressão do Direito de propriedade, que com a presente sentença obrigaria ao cometimento de ilegalidades, como é o determinado retirar do contador de água, do local em que o mesmo se encontra, para um outro local.

    19. Violação legal infligida pelo próprio Tribunal e não compressão de Direitos.

    20. Razão pela qual se invoca a inconstitucionalidade da sentença ora recorrida.

    21. Ainda que assim não fosse, o que por mera hipótese académica se coloca, sempre se invocará a ilegalidade da sentença ora recorrida.

      A

    22. Já que se considera manifesta a violação do legalmente previsto no artigo 1419º do código civil, que no seu n.º 1 refere: “…o título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado por escritura pública ou documento particular autenticado, havendo acordo de todos os condóminos. (Sublinhado nosso).

      BB) Ou seja, se, como é o caso presente, o Autor não concorda com as alterações concretizadas no prédio em propriedade horizontal, porque as mesmas produzem malefícios à sua propriedade, conforme resulta invocado e demonstrado com Relatório Pericial de Engenharia, CC) A lei impossibilita a concretização de alteração da propriedade horizontal se não houver acordo de todos.

      DD) Documento que consagra a génese de todo o prédio e estipula as permilagens de utilização.

      EE) Além de que, o argumento de que vigora a caderneta predial - que nem sequer diz o que a meritíssima juiz a quo retira na sua fundamentação, pois que, não fala em existência de qualquer logradouro privado - vingaria sobre o efeito do registo em sede de Conservatória de Registo Predial.

      FF) Manifestamente mais uma ilegalidade cometida pela Douta Sentença, já que no nosso ordenamento jurídico, prevalece o Registo sobre qualquer outro documento – artigo 5º do Código de Registo Predial.

      GG)...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT