Acórdão nº 177/21.1YRGMR de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acção de Anulação de Decisão Arbitral nº. 177/21.1YRGMR Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1. X - FUTEBOL, SAD, com sede no Estádio …, Rua …, Lisboa, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 8º, nºs 4 e 5, 48º, 60º e 61º da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto (doravante designada LTAD), artºs 40º, n.º 1 e 47º, n.º 1 do Regulamento de Processo da Arbitragem Voluntária do TAD (doravante designado Regulamento) e artº. 18º, n.º 9 da Lei da Arbitragem Voluntária (doravante designada LAV), intentar a presente acção de anulação de decisão arbitral, contra Y - FUTEBOL, SAD, com sede no Estádio …, Braga, pedindo que o despacho proferido em 7/10/2021 pelo Tribunal Arbitral do Desporto, no processo arbitral n.º 19/2020, e notificado em 8/10/2021, seja anulado com todas as consequências legais.

Alega, em síntese, que no TAD corre termos um processo arbitral voluntário instaurado em 29/04/2020, pela aqui requerente contra a ora requerida, em que se discute a alegada titularidade de direitos económicos da requerida sobre um jogador de futebol profissional.

No âmbito desse processo (com n.º 19/2020), o Tribunal Arbitral constituiu-se no dia 14/07/2020, com a aceitação do encargo pelo terceiro Árbitro, que preside, tendo no dia 3/12/2020 sido realizada uma primeira sessão da audiência prévia prevista no artº. 29º do Regulamento, a qual foi interrompida com vista à sua continuação e finalização numa segunda data (doc. de fls. 38 a 41).

A segunda sessão da audiência prévia realizou-se no dia 24/09/2021, na qual o Tribunal Arbitral solicitou às partes uma prorrogação do prazo para proferir acórdão, concretamente “uma prorrogação de três meses, com suspensão na fase instrutória”. A mandatária da requerida (demandante no processo arbitral) concordou com tal prorrogação, pedindo, no entanto, ao Tribunal Arbitral que esclarecesse o que entendia por fase instrutória, tende este explicado que tal fase iniciava-se naquele momento, ou seja, desde o término daquela sessão da audiência prévia até à apresentação das alegações pelas partes, clarificando que, no fundo, a proposta era de prorrogação do prazo por “três meses para prolação do acórdão, após a apresentação das alegações” (cfr. acta da audiência prévia de fls. 42 a 47).

Perante tal proposta do Tribunal Arbitral, o mandatário da requerente (demandada no processo arbitral), por sua vez, referiu necessitar de um prazo de 48 horas para manifestar a sua posição quanto à prorrogação, por acordo, do prazo para a prolação do acórdão e questionou o Tribunal Arbitral sobre os precisos termos dessa prorrogação, tendo aquele esclarecido que se tratava de uma suspensão que vigoraria até à apresentação das alegações pelas partes, após as quais disporia de três meses para proferir decisão (doc. de fls. 42 a 47).

No final dessa audiência de 24/09/2021 (6ª feira), o mandatário da requerente (demandada) referiu que “se pronunciaria na terça-feira, ou seja, dia 28 de Setembro de 2021, sobre a questão da prorrogação”, isto é, dentro de 48 horas úteis (doc. de fls. 42 a 47), o que obteve o assentimento do Tribunal Arbitral, sem qualquer oposição por parte dos mandatários da requerida (demandante).

Em 28/09/2021, a requerente (demandada no processo arbitral) apresentou requerimento no qual alegou que havia, entretanto, procedido à contagem do prazo para a conclusão do processo arbitral, tendo “constatado que o mesmo terminou no passado dia 26/09/2021”, invocando, por isso, com fundamento no artº. 43º, n.º 3 da LAV, aplicável “ex vi” do artº. 47º do Regulamento, a extinção do poder jurisdicional do Tribunal Arbitral, não mais se podendo colocar a questão da possibilidade de suspensão e prorrogação do prazo, sendo certo que “sempre se oporia a tal possibilidade”, pelas razões sumariamente invocadas pelos seus mandatários na sessão de 24/09/2021 e, entretanto, por si confirmadas e reforçadas (doc. de fls. 50 a 51).

Notificada para se pronunciar sobre este requerimento, a requerida (demandante no processo arbitral), em 1/10/2021, confirmou que o prazo para a conclusão do processo arbitral havia terminado em 26/09/2021, e não tendo o Tribunal Arbitral solicitado ao Sr. Presidente do TAD uma prorrogação de tal prazo, antes do término deste (o que poderia ter feito, independentemente do acordo das partes, ao abrigo do artº. 37º, n.º 7 do Regulamento), encontrava-se extinto o poder jurisdicional do Tribunal Arbitral, devendo o processo arbitral ser extinto (doc. de fls. 52 a 54).

Em 2/10/2021, o colégio arbitral suscitou a intervenção no processo do Sr. Presidente do TAD, requerendo a prorrogação do prazo da arbitragem por um período de seis meses, a contar de 27/09/2021, “ou seja, do dia (porque uma segunda-feira) do terminus formal do prazo de 1 (um) ano, previsto no artigo 37º, n.º 7, primeira parte do Regulamento” (doc. de fls. 55 a 59).

Nesse requerimento, o colégio arbitral dirigiu um conjunto de falsas e graves acusações aos mandatários da requerente, na tentativa de se eximir da responsabilidade de ter causado, por erro ou negligência, a manifesta extinção do seu poder jurisdicional, tendo omitido qualquer referência à pronúncia da requerida que havia sido expressamente concordante com a posição manifestada pela requerente acerca do fim do prazo da arbitragem e do respectivo impacto sobre os poderes do Tribunal Arbitral e o próprio processo.

Por despacho proferido em 7/10/2021, o Sr. Presidente do TAD deferiu o pedido do colégio arbitral, prorrogando o prazo para a conclusão do processo por seis meses, com efeitos contados a partir de 27/09/2021 (cfr. certidão de fls. 16 a 19).

Refere, pois, a requerente que a presente acção de anulação incide sobre o despacho proferido pelo Sr. Presidente do TAD em 7/10/2021, o qual, admitindo a prorrogação do prazo da arbitragem mesmo depois deste ter atingido o seu termo, decidiu pela manutenção da competência do TAD (à revelia do disposto na norma imperativa contida no artº. 43º, n.º 3 da LAV e apesar da requerente, requerida e Tribunal Arbitral concordarem que o prazo da arbitragem terminou em 26/09/2021) que, à data do pedido dos Árbitros, se encontrava já automática e irreversivelmente extinta.

O colégio arbitral só poderia ter pedido tal prorrogação antes do fim do prazo a prorrogar, sob pena do término automático do processo arbitral e da extinção imediata da competência dos Árbitros, nos termos do artº. 43º, n.º 3, da LAV. Deste modo, o Tribunal Arbitral só poderia ter impedido a caducidade do processo arbitral se tivesse obtido, dentro do prazo da arbitragem, a respectiva prorrogação – o que aquele não logrou alcançar - não podendo um prazo caducado ser prorrogado.

Termina, entendendo que o aludido despacho pode e deve ser imediatamente impugnado ao abrigo do disposto no artº. 18º, n.º 9 da LAV (no prazo previsto no artº. 48º da LTAD), desde logo para evitar o prosseguimento de um processo arbitral extinto ope legis e, portanto, a prática de actos processuais inúteis, com os custos inerentes para ambas as partes, sem prejuízo da possibilidade de anulação da sentença arbitral que venha a ser ilegalmente proferida, nomeadamente nos termos do disposto no artº. 46º, n.º 3, al. a), subalínea vii) da LAV, sendo que, por força do disposto no artº. 44º, n.º 2, al. b) da LAV (aplicável “ex vi” dos artºs 61º da LTAD e 47º, n.º 1 do Regulamento), o Tribunal Arbitral tinha a obrigação de, em face da posição univocamente assumida pelas partes em relação ao término do prazo da arbitragem e seus efeitos, ordenar o encerramento do processo arbitral por perda de jurisdição.

  1. Regularmente citada, a requerida não apresentou contestação.

    *3. O Tribunal é competente para conhecer da causa em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

    As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, encontrando-se a requerente devidamente representada em juízo.

    O processo é o próprio e não existem outras excepções, nulidades ou questões prévias que ora cumpra conhecer.

    *4. Atenta a não oposição por parte da requerida e constando dos autos todos os elementos documentais necessários à apreciação do pedido, não se afigura a este Tribunal necessária a produção da prova testemunhal indicada pela requerente.

    Assim, nada obsta a que se conheça do objecto da presente acção.

    *5. Nos termos do disposto no artº. 46º, nº. 2, al. e) da LAV, os presentes autos seguem nesta fase a tramitação do recurso de apelação, com as necessárias adaptações.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    *II. FUNDAMENTAÇÃO O objecto da presente acção circunscreve-se à questão de saber se existe fundamento para anular a decisão arbitral.

    Nessa medida, atento o alegado pela requerente, cabe apurar se o processo arbitral terminou e a competência dos Árbitros se extinguiu automaticamente.

    *1.

    De facto: Com relevância para a apreciação e decisão da questão suscitada na presente acção, importa ter em consideração a dinâmica processual supra referida, em sede de relatório, e ainda a seguinte factualidade que resulta do acordo das partes e dos documentos constantes dos presentes autos: 1. A segunda sessão da audiência prévia foi objecto de gravação, sendo que em nenhum momento dessa sessão, o Tribunal Arbitral mencionou em que data terminava o prazo cuja suspensão e prorrogação solicitava às partes, para além de que nenhum dos mandatários das partes manifestou saber exactamente quando é que esse prazo findaria (cfr. acta de fls. 42 a 47 e transcrição parcial da gravação da sessão de 24/09/2021 de fls. 48 a 49).

  2. Em 2/10/2021, o colégio arbitral requereu ao Presidente do TAD a prorrogação do prazo da arbitragem por um período de seis meses, a contar de 27/09/2021, com os seguintes fundamentos [transcrição]: 1. O colégio arbitral do processo em apreço foi constituído no dia 14 de julho de 2020 (cfr. a declaração de aceitação do Presidente do colégio arbitral constante dos autos).

  3. Deste simples dado factual resulta, desde logo, o seguinte: o...

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