Acórdão nº 5935/17.9T8VNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães *1 – RELATÓRIO Na presente execução (1) sumária (Ag.Execução), que Caixa ..., S.A.

instaurou contra X, Sociedade Unipessoal, Lda e M. C.

, depois de terem sido penhorados vários imóveis onerados com penhoras anteriores registadas a favor da Fazenda Nacional, foi, por decisão de 22-04-2021 da Srª Agente de Execução, sustada a execução ao abrigo do artigo 686º do Código Civil e dos artigos 752º e 794º do C.P.C.

Notificado dessa decisão, veio em 5-05-2021 o exequente Caixa ..., S.A.

reclamar, o que fez nos termos e com os fundamentos seguintes: 1.

No âmbito dos presentes autos foram penhorados os imóveis onerados com três hipotecas registadas a favor da CAIXA ... para garantia dos financiamentos dados à execução (v.g. art. 752.º do CPC), a saber: - a fração autónoma designada pela letra “V” descrita na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º .../Póvoa de Varzim - “V” – cfr. certidão predial que ora se junta aos autos como doc. n.º 1; - o prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º ...

– cfr. certidão predial que ora se junta aos autos como doc. n.º 2.

Sucede que, 2.

Conforme consta das certidões prediais ora juntas, os imóveis em apreço acham-se onerados com penhoras anteriores registadas a favor da Fazenda Nacional.

  1. Assim, foram os presentes autos sustados quanto a esses imóveis onerados com hipoteca em benefício da CAIXA ....

  2. Não pode, no entanto, a CAIXA ... concordar com esta decisão da Agente de Execução.

    É que, 5.

    As penhoras registadas com anterioridade à penhora registada à ordem dos presentes autos remontam ao ano de 2014, ou seja, há mais de 7 (sete) anos.

  3. E, até à presente data, não foi, ainda (!), designada data para a diligência de venda no processo de execução fiscal à ordem do qual se acham registadas as penhoras anteriores, 7.

    Tendo a aqui Exequente obtido a informação que o competente Serviço de Finanças não tem intenção de efectuar a marcação da venda dos bens imóveis – cfr. e-mail que ora se junta aos autos como doc. n.º 3 (2).

    Consequentemente, 8.

    A CAIXA ... vê-se totalmente impedida de ver satisfeito o seu crédito, atenta a absoluta ineficiência do Serviço de Finanças que, gozando de penhora sobre os imóveis melhor identificados supra, 9.

    mantém os processos “adormecidos”, não promovendo os seus respectivos termos, designadamente porque impedida, atenta a lei da protecção da casa de mora de família – Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio.

  4. Sendo certo que, ao invés do que sucede no processo civil, ao credor reclamante em processo de execução fiscal não cabe qualquer mecanismo processual que lhe permita impulsionar os autos, promovendo, de alguma forma, a venda do bem onerado com garantias reais.

  5. É entendimento da CAIXA ..., porém, que independentemente da existência de penhoras com registo de anterioridade e, pelo facto de tais penhoras serem da Fazenda Nacional, poderão os presentes autos seguir os seus normais termos.

  6. Alicerça-se tal posição na combinação do presente regime procedimental fiscal com a interpretação que no âmbito do anterior regime era já efectuada.

    Senão vejamos: 13.

    O art. 300.º, n.º 1 do Código de Processo Tributário (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril foi considerado inconstitucional pelo Ac. n.° 451/95 de 3 de Agosto (declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral).

  7. Tal artigo, com a epigrafe “impenhorabilidade de bens em execução fiscal” preceituava que: “1 - Penhorados quaisquer bens pelas repartições de finanças, não poderão os mesmos bens ser apreendidos, penhorados ou requisitados por qualquer tribunal, salvo se, em processo especial de recuperação da empresa e de protecção dos credores, o administrador judicial requerer o levantamento da penhora e assegurar a sua substituição por uma das garantias previstas no nº 1 do artigo 282º, de forma que fiquem assegurados os interesses do exequente.

    2 - Salvo o disposto no artigo 264º, podem ser penhorados pelas repartições de finanças os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada.

    ” 15.

    Pese embora a declaração de inconstitucionalidade, não se referia no Acórdão vindo de aludir, porém, qual seria a tramitação a efectuar relativamente a tais situações.

  8. Nos termos do disposto no art.

    794.º do CPC obrigava a lei adjectiva – como ainda o obriga - a que fosse sustada a execução da penhora mais recente a fim de o exequente reclamar o seu crédito na execução da penhora mais antiga.

  9. No entanto, se a penhora mais antiga fosse a da execução fiscal, o exequente estava impossibilitado de reclamar o seu crédito, pois tal era-lhe vedado pelo CPT.

  10. Daí que se tenha entendido que a referida declaração de inconstitucionalidade obrigava a fazer letra morta da disposição do art.

    794.º do CPC sob pena de impedir o credor de ver satisfeito o seu crédito, opção adoptada pela generalidade dos tribunais.

  11. O novo CPPT, no seu art.

    218.º, manteve apenas a norma que constava do n.º 2 do antigo art.

    300.º, ou seja, que “podem ser penhorados pelo órgão da execução fiscal os bens apreendidos por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada”.

  12. Não existindo hoje o correspondente ao n.º 1 do art.

    300.º do anterior CPT, têm os tribunais aplicado o art.

    794.º do CPC, sem mais.

  13. No entanto, analisando o referido CPPT, verificamos que, em termos práticos (pese embora hoje não se preveja a impenhorabilidade dos bens que já estejam penhorados no âmbito das execuções fiscais), o direito patrimonial do credor exequente em execução não fiscal vê-se praticamente anulado.

  14. Na verdade, não obstante naquele código se preveja a citação de credores com garantia real, o certo é que, se a execução fiscal se mantiver parada durante anos, como sucede in casu, mantém o Estado a sua garantia (pelo menos até ao limite da validade do registo da penhora) sem que o credor possa, de algum modo, impulsionar o andamento daquela mesma execução.

  15. Deste modo, como forma de compatibilizar as situações que as duas leis adjectivas - CPC e CPTT - não previram, entendemos que deve continuar a fazer-se letra morta do art. 794.º do CPC quando estão em causa penhoras anteriores da Fazenda Nacional.

    Ademais, 24.

    A disposição normativa constante do art.

    794.º do CPC visa impedir a sobreposição de direitos sobre os mesmos bens, criando assim uma regra de prioridade temporal cujo objectivo é o de ordenar em um só processo (o da primeira penhora) a tramitação dos aptos tendentes à venda executiva e subsequente distribuição do produto dessa venda.

  16. Pretende o legislador, assim, impedir que o mesmo bem possa ser alienado duas ou mais vezes em dois ou mais processos distintos, ou que o direito de um primeiro exequente (o que mais cedo logrou obter penhora) possa ser postergado apenas porque outro credor posterior viu o seu processo correr em tribunal ou juízo de tramitação mais célere (ou por menor pendência ou por maior eficácia dos seus serviços) ou adstrito a solicitador de execução mais diligente.

  17. Tem o normativo em apreço igualmente a função de garantir ao primeiro credor penhorante a manutenção da garantia proveniente da penhora e a respectiva execução no seu processo, uma vez que essa qualidade de credor com penhora efectuada não lhe atribui qualquer especial protecção em sede de citação de credores, designadamente para os efeitos previstos no art.

    786.º do CPC.

  18. No entanto, a protecção conferida ao credor com primeira penhora é, nos termos da lei processual civil, controlável pelos credores com penhora subsequente e que ao processo primeiro tenham vindo reclamar créditos por força do disposto no aludido art.

    794.º.

  19. Com efeito, estando a instância suspensa por inércia do exequente em promover os seus termos, pode o credor reclamante requerer o prosseguimento da execução para satisfação do seu crédito.

  20. Existe, assim, uma tutela do credor reclamante por força do preceituado no art.

    794.º do CPC que lhe garante a execução do seu crédito em tempo útil, não ficando, por isso, totalmente refém da promoção do processo por parte do exequente.

  21. Aliás, jurisprudência há no sentido de que a sustação da execução nos termos do art.

    794.º do CPC só deverá ocorrer se a execução da primeira penhora estiver em movimento, não fazendo sentido que se admita a reclamação de um crédito numa execução parada por inércia do exequente (neste sentido, Ac RP, de 30.05.89, BMJ 398º-581; Ac RP, de 21.07.83, BMJ 329º-620; Ac STJ, de 12.12.72, BMJ 222º-360).

  22. A razão de ser deste entendimento jurisprudencial prende-se com a circunstância de a protecção do credor reclamante no domínio da legislação processual civil não ocorrer na execução fiscal.

  23. Resulta daqui que encontrando-se o credor reclamante na absoluta dependência da iniciativa do Serviço de Finanças territorialmente competente, nenhum ato processual poderá praticar que lhe permita tomar a direcção do processo, impulsionando-o.

  24. Por este motivo, não promovendo (ou não querendo promover) o serviço de finanças local o andamento dos autos de execução fiscal, o credor reclamante com execução própria instaurada e penhora registada posteriormente poderá ficar indefinidamente à espera de uma iniciativa processual que não consegue controlar e que poderá nunca vir a ocorrer.

  25. Tal situação é particularmente danosa para o credor reclamante que, tal como sucede no caso dos autos, goza de hipoteca sobre o bem penhorado, tendo por isso a legítima expectativa de vir a ser graduado em primeiro lugar pelo produto da venda do bem onerado.

  26. Não foi com certeza esta situação de impasse processual que o legislador visou alcançar.

  27. Se o legislador, na ânsia de dotar a administração fiscal de mecanismos legais céleres e eficazes expressamente previu a não sustação do processo de execução fiscal em caso de penhora de bem já apreendido (por penhora anterior) por qualquer outro tribunal (art.

    218.º, n.º 3 CPPT).

  28. Se...

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