Acórdão nº 4218/21.4T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1.

No processo de inventário em consequência de divórcio, instaurado para partilha do património comum do dissolvido casal constituído por M. M.

e L. B., o cabeça-de-casal apresentou relação de bens, donde consta, no passivo, a seguinte verba: «Verba n.º 3: Crédito de compensação do requerente sobre o património comum, correspondente a metade dos pagamentos efectuados pelo requerente, após a dissolução do casamento, para amortização dos mútuos bancários descritos sob as verbas n.º 4 e n.º 5, incluindo o pagamento dos seguros contratados, o qual ascende a mais de €30.300,00 (trinta mil e trezentos euros) [€60.600,09/2].».

A interessada M. M.

deduziu reclamação contra a relação de bens, onde «salienta que na relação das verbas constantes do passivo não é junto qualquer documento comprovativo dos valores em causa nem é feita qualquer referência a documentos por ventura já juntos aos autos» e termina requerendo que «o cabeça de casal proceda às demais supra referidas correções que se julga impor nesta nova relação de bens apresentada, devendo ainda proceder aquele à junção de documentos que demostrem os valores referidos nas verbas 1, 2 e 3 do Passivo».

Em resposta, o cabeça-de-casal referiu, quanto «à verba n.º 3 do passivo, a mesma só poderá ser definitivamente calculada no término do processo de inventário, porquanto, todos os meses o Requerente tem liquida[do] sozinho a totalidade das prestações devidas à Caixa ...

».

*1.2.

Em 06.10.2020 foi proferido despacho com o seguinte teor, na parte que releva para o objecto do recurso: «A verba nº 3 é considerada como um crédito do cabeça de casal que apenas poderá ser considerado desde que posterior a 06.01.2006 (art. 1789º, nº 1 do CCivil).

Ora, “como é sabido, no decurso da sociedade conjugal (...) os cônjuges tornam-se reciprocamente devedores entre si e tal situação verifica-se sempre que (...), tratando-se de dívida da responsabilidade solidária de ambos, um dos cônjuges satisfez voluntariamente maior quantia que o outro” – cfr. Lopes Cardoso in “Partilhas Judiciais”, vol. III, 4ª Ed, 1991, pág. 392.

Todavia, tal “disciplina não impõe que na partilha se dê pagamento ao cônjuge credor do que o outro cônjuge lhe está devendo” (loc. cit.) dado que tais créditos “não respeitam ao património comum mas ao património individual do cônjuge credor, constituindo, em contrapartida um elemento negativo do cônjuge devedor” (loc. cit.).

Nessa medida e ainda segundo Lopes Cardoso (loc. cit.) tais créditos “não deverão ser objecto de relacionação, isto mau grado deverem ser considerados no momento da partilha para serem satisfeitos na conformidade do disposto no art. 1698º, nº 3 do CCivil”, respondendo pelos mesmos, em primeira linha, a meação do cônjuge devedor no património comum e na, insuficiência desta, os bens próprios do devedor.

Obviamente que, nesta sede, considera-se que tal direito de crédito não será incluído na relação de bens (devendo ser excluída a verba nº 3), mas poderá ser considerado, desde que documentalmente comprovado, a final, no momento da partilha, com vista a ser deduzido à meação do respectivo devedor».

*1.3.

Inconformado, o cabeça-de-casal L. B. interpôs recurso de apelação daquele despacho, formulando as seguintes conclusões: «1- Os presentes autos de Inventário após divórcio iniciaram-se no ano de 2015 em cartório notarial, tendo sido nomeado cabeça-de-casal o ora Recorrente.

2- Nessa qualidade e em cumprimento dos deveres que impendem sobre o cabeça-de-casal, o Recorrente apresentou relação dos bens que constituem património comum, nela incluindo: a. quer os bens adquiridos na constância do matrimónio dissolvido (ativo); b. quer as dívidas contraídas na constância do matrimónio dissolvido e em proveito comum do ex-casal (passivo); c. quer, ainda, os créditos entre cônjuges consubstanciados nas dívidas que após a dissolução do casamento por decretamento de divórcio custeou única e exclusivamente, sendo que são da responsabilidade comum dos ex-cônjuges.

3- Em 20/02/2020, ao abrigo do disposto na Lei nº 117/2019, de 23 de setembro, a Interessada solicitou a remessa do processo de inventário para o Tribunal Judicial competente, no caso, para o Juízo de Família e Menores de Braga do Tribunal Judicial da Comarca de Braga. Ao que o Recorrente anuiu expressamente.

4- Subsequentemente originaram-se os presentes autos de processo de Inventário de Competência Facultativa e, por despacho proferido em 30/09/2021, o Tribunal a quo decidiu pela exclusão do direito de crédito relacionado pelo Recorrente na relação de bens, determinando a exclusão da verba nº 3 do passivo, acrescentando “(…) mas poderá ser considerado, desde que documentalmente comprovado, a final, no momento da partilha, com vista a ser deduzido à meação do respectivo devedor”.

5- Ora, incide a discordância do Recorrente sobre a decisão de exclusão da relação de bens do seu direito de crédito relacionado enquanto verba nº 3 do passivo. Constitui, pois, esta parte do segmento decisório plasmado no despacho recorrido o objeto do presente recurso.

6- Com a devida vénia, o Recorrente não se conforma com a decisão de exclusão da verba nº 3 do passivo da relação de bens, correspondente ao relacionamento do direito de crédito que o Recorrente reclama da Interessada/Recorrida.

Vejamos: 7- Na pendência do casamento o ex-casal adquiriu: a. Um prédio urbano composto de casa de dois pavimentos para habitação com quintal, com a área de 87m2 e descoberta de 200m2, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde, na matriz respetiva sob o nº …, relacionado na verba n.º 4 do ativo da relação de bens; b. Um prédio rústico denominado “Borda …”, com a área de 1375m2, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Vila Verde, relacionado da verba nº 5 do ativo da relação de bens; c. uma casa de cave e rés-do-chão com logradouro, sita no lugar de …, freguesia de …, concelho de Vila Verde, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº …/19971204, e inscrito na matriz respetiva sob o nº …, relacionada na verba n.º 6 do ativo da relação de bens 8- Para aquisição dos prédios descritos em a) e b) o ex-casal contraiu mútuo com a Caixa ..., SA (referência 0171.020816.485) cujo montante à data cujo montante, na altura da prolação da sentença da dissolução do casamento por divórcio e da consequente cessação das relações pessoais e patrimoniais entre os inventariados, ascendia a €64.000,00 (sessenta e quatro mil euros). O referido crédito encontra-se garantido por hipoteca voluntária sobre o imóvel descrito em c).

9- Para aquisição do imóvel descrito em c) o ex-casal contraiu mútuo com a Caixa ..., SA (referência 0171.020817.285) cujo montante à data da prolação da sentença da dissolução do casamento por divórcio e da consequente cessação das relações pessoais e patrimoniais entre os inventariados, ascendia a €25.000,00 (vinte e cinco mil euros). O referido crédito encontra-se garantido por hipoteca voluntária sobre o imóvel em questão.

10- A responsabilidade pelo pagamento dos referidos contratos de mútuos bancários cabia a ambos os cônjuges, tratando-se de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges (artigo 1691º, nº 1, alínea a) do Código Civil (CC)). Todavia, é apenas o Recorrente quem, antes ainda da data do divórcio, pelo menos desde o ano de 2002, data em que ocorreu a separação de facto, e até ao presente, tem vindo a suportar as prestações dos empréstimos, os seguros, os impostos (IM) com bens próprios.

11- E ainda que não se conceda o reconhecimento da data da separação de facto, sem prejuízo do ónus da prova que recai sobre o Recorrente, sempre resultará pacífico que nos termos do artigo 1789º, nº 1 do CC os efeitos da sentença de dissolução do casamento por divórcio, proferida em 28/01/2009 retroagem à data da propositura da ação de divórcio, isto é, a 06/01/2006.

12- Assim sendo, o Recorrente detém um crédito sobre a Recorrida, correspondente àquilo que pagou a mais do que devia, nos termos do artigo 1697º, nº 1 do CC. Sendo que, deve atender-se ao artigo 1730º do CC que estabelece a regra da metade, isto é, os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo, de resto, nula qualquer estipulação que afaste a referida regra.

13- Face ao quadro legal aplicável, o Recorrente incluiu na relação de bens, no passivo, sob a verba nº 3, o seu crédito sobre a Recorrida correspondente a metade do valor global dos pagamentos efetuados, após a dissolução do casamento, para amortização dos mútuos bancários, seguros e impostos.

14- Nos termos do artigo 1688º do CC, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento, isto é, pelo divórcio. O divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as exceções consagradas na lei (artigo 1788º do CC). Decretado o divórcio por decisão transitada em julgada, abrem-se, então, as portas para proceder à partilha dos bens que faziam parte do acervo do casal. É esta a finalidade do inventário após divórcio.

15- Assim, no processo de inventário após...

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