Acórdão nº 20542/19.3T8PRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE SANTOS
Data da Resolução21 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO X (SUCURSAL DA ... X), pessoa coletiva nº ………, com sede na Av. …, em Lisboa, veio propor ação declarativa com processo comum contra M. F.

e marido, J. F.

, contribuintes fiscais n.º ……… e ……… e titulares dos cartões de cidadão …… e ……., respetivamente, com última residência conhecida na Rua …, no Porto, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de € 19.664,319, correspondente à quantia em dívida a título de capital, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, até efetivo e integral pagamento.

Alega para o efeito, em suma, que (i) no exercício da sua atividade, celebrou com os réus contrato de concessão de crédito em conta corrente, no dia 14711/2008, a que foi atribuído o n.º .................100, contrato que prevê as consequências da falta de pagamento, condições de reembolso, seguros, etc., sendo que, estando em causa contrato de adesão, todas as cláusulas, custos e condições, foram explicadas aos réus, que as aceitaram de forma livre e esclarecida; (ii) no âmbito do referido contrato, denominado Valor ..., a autora financiou aos réus a concessão de crédito do valor de € 17.000,00, que haveria de ser reembolsada em prestações mensais, com o valor inicial de € 306,00/cada, sujeito a uma TAEG de 15,20%, a que acresceria uma sobretaxa de 4% em caso de mora, sem prejuízo da aplicação de penalização adicional; (iii) ademais, e em caso de incumprimento definitivo, assistia à autora o direito de resolver o contrato e aplicar ao valor em dívida em tal data, uma comissão por incumprimento definitivo de 8% sobre todo o saldo em dívida; (iv) o referido contrato de crédito em conta corrente, permitia a utilização até ao limite autorizado no financiamento inicial, permitindo, ainda, solicitar alteração do limite máximo inicial, com autorização posterior, se autorizada; (v) na verdade o contrato sofreu alteração quanto ao limite máximo, seguindo-se um financiamento de € 15.000,00 e um terceiro do valor de € 1.447,00; (vi) os réus beneficiaram dos três financiamentos , tendo efetuado pagamentos até 31/07/2018, data em que os pagamentos cessaram; (vii) perante tal facto, a autora encetou vários telefonemas e procedeu ao envio de várias cartas a interpelar os réus, que, por não terem estes dado resposta, levou à resolução do contrato por incumprimento definitivo; (viii) aquando da resolução, encontrava-se em dívida o valor de € 17.326,15, correspondente ao valor remanescente de € 16.107,65, anulação das comissões por atraso no pagamento do valor de € 112,32, comissão de incumprimento definitivo de € 1.279,63 e imposto do selo respetivo de € 51,19; (ix) sobre este valor em dívida, capitalizado, índice, juros de mora aplicáveis à taxa contratual de 15,20%, ascendendo estes, à data da propositura da presente ação, o valor de € 2.338,04, sem prejuízo dos vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Após citação da ré, veio esta dar conta do falecimento do réu marido em -/10/2019, vindo a ser instaurado incidente de habilitação de herdeiros que foi julgado procedente, julgando-se habilitada para prosseguir nos autos em representação do réu J. F. a ré M. F..

Veio, após, a ré apresentar contestação, no âmbito da qual arguiu a incompetência territorial do Juízo Cível do Porto, onde fora instaurada a ação, invocando ter domicílio em Monção, mais afirmando que, além da proposta de adesão, com uma prestação de € 360,00 e 90 prestações, nada mais assinou e a autora não prestou informação clara e inequívoca que permitisse à ré aceitar a contraproposta e de nada mais foi informada, com o que incorreu a autora na violação do dever de informação que lhe incumbia. Admitindo que a autora lhe financiou € 17.000,00, afirma que pagou € 46.649,42, o que é mais do que era devido, por não ser o contrato válido. Os outros contratos de financiamento não foram assinados pela ré, pelo que são nulos, o que não impediu que a ré, face à insistência da autora, tivesse efetuado os pagamentos supra indicados.

Por outro lado, afirma que nenhuma informação lhe foi prestada quanto ao seguro, que desconhecia e para o qual pagou a quantia de € 7.307,43.

Conclui peticionando seja declarada a nulidade do contrato invocada e a autora condenada nas custas processuais.

Em resposta à matéria de exceção, veio a autora pugnar, antes de mais pela improcedência da exceção de incompetência territorial, afirmando que a morada dos réus por si conhecida é no Porto, pelo que seria aquele o Tribunal competente.

Quanto à nulidade do contrato, afirma que foram os réus quem contactou a autora solicitando financiamento, tendo-lhes sido apresentado o contrato de crédito em conta corrente “Valor ...”, que lhes foi devidamente explicado, sendo a proposta, efetivamente, o contrato proforma em vigor, que está digitalmente assinado pelo legal representante da autora.

Acrescenta que a autora remeteu aos réus dois exemplares do contrato de crédito, um exemplar destinado aos réus outro à autora, para que preenchessem e assinassem, que foi o que estes fizeram, sendo dado o seguimento ao processo, com atribuição de número ao contrato e subsequente financiamento. A verdade é que o contrato celebrado permitia alterar o limite e foi o que sucedeu, com dois novos pedidos de financiamento que foram concedidos.

A taxa de juro, o valor da prestação, tudo estava previsto, e a autora cumpriu as obrigações para si decorrentes do contrato, disponibilizando os montantes financiados para o NIB dos réus ..........................65, sendo que, após 31/07/2018, os réus deixaram de cumprir.

Desconhecendo a autora se os réus conservaram, ou não, o seu exemplar do contrato, a verdade é que lhos disponibilizou, não padecendo o contrato da nulidade apontada, salientando que só muitos anos após a celebração é que vem a ré suscitar a nulidade, já depois de utilizar os montantes financiados, pelo que não pode deixar de revestir abuso de direito a arguição de tal nulidade nestas circunstâncias, com a consequente condenação da ré como litigante de má fé.

Por despacho com a referência 412612787, foi o Juízo Local Cível do Porto declarado territorialmente incompetente para tramitar os presentes autos, determinando-se a remessa dos autos a este Juízo Local de Competência Genérica de Monção.

Em resposta, veio a ré refutar que tenha agido com qualquer abuso de direito ou má fé, antes se limitando a defender os seus direitos.

Foi convocada audiência prévia, que as partes viram como dispensável face à inviabilidade de composição do litígio por acordo, tendo sido proferidos os despachos a que aludem os artigos 595º e 596º do CPC.

Realizou-se a audiência de julgamento, com respeito pelas formalidades legais que a respectiva acta documenta.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: - “Em face do exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência: a) Julgo improcedente a invocada nulidade do contrato de concessão de crédito em conta corrente n.º .................100; b) Julgo improcedente a invocada nulidade, por falta de forma, dos financiamentos a que se alude em 10 dos factos provados, por falta de forma; c) Condeno a ré M. F. a pagar à Autora X (SUCURSAL DA ... X), a quantia correspondente ao valor em dívida em 23/08/2018, tendo presente a imputação, nos termos previstos na cláusula 8.9 das Condições Gerais do contrato descrito em 2) a 6) dos factos provados, das quantias mensalmente pagas pela ré e marido a título de seguro, a que não demonstrou provada adesão, sem prejuízo dos juros calculados sobre o capital assim apurado e à taxa contratual, e respetivo imposto do selo, ambos até efetivo e integral pagamento.” Inconformada com a sentença dela veio recorrer a Ré formulando as seguintes conclusões: 1) A sentença recorrida deve ser revogada porquanto considerou válido um documento que formalmente é nulo porquanto, 2) Trata se apenas de uma proposta de crédito no valor de 20 000 euros mas que a A. alterou unilateralmente para 17 000 euros sem de tal ter dado conhecimento e sem explicar e negociar essas condiçōes, não tendo obtido um acordo contratual escrito nem quanto às condições de reembolso nem quanto ao seguro nem quanto a nada.

3) Nunca foi enviado à R qualquer contrato porque não existia nem existe, apenas existe uma proposta, proposta que foi alterada unilateralmente.

4) Ora, a celebração de um contrato exige um encontro convergente de vontades e, tratando-se de contrato sujeito a forma legal, só há vinculação válida se as declarações negociais convergentes dos contraentes, contemplando os elementos essenciais do contrato, obedecerem à forma legalmente imposta.

5) A solicitação, por via telefónica, de um financiamento (crédito ao consumo) de € 20.000,00, com determinada modalidade de reembolso, apresentada em formulário pré-preenchido, assinado apenas pelo aderente, com referência a determinadas condições gerais predispostas, não passa de proposta negocial, sem vinculação contratual, se a contraparte não a aceita.

6) Apresentando tal contraparte, por sua vez, contraproposta verbal, referente a diverso montante de financiamento (€ 17 000,00) e outro valor de reembolso mensal em prestações, que foi aceite pelo destinatário, sem redução a escrito, ocorre vinculação contratual em contrato de mútuo mercantil verbal no âmbito de relação de consumo.

7) Sendo este contrato nulo por vício de forma – inexistência de forma escrita e omissão de entrega de cópia do contrato assinado ao consumidor – , tal invalidade, devidamente invocada, obriga à restituição em singelo de tudo o que haja sido prestado (fica excluída a remuneração do capital, bem como juros moratórios se, ao tempo da instauração da ação, inexistindo mora, já haviam sido restituídos montantes que perfaziam valor global superior à quantia emprestada, como é o caso.

8) Ainda que se entendesse ter sido celebrado contrato escrito, sujeito apenas, em processo negocial, a alterações posteriores...

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