Acórdão nº 3546/21.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução03 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte I- RELATÓRIO X S.A., com sede em …, Ed. …, instaurou a presente ação especial de insolvência contra F. A.

, residente na Rua … Viana do Castelo, pedindo que este seja declarado insolvente.

Para tanto alega, em síntese, que por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 20/12/2015, foiconstituída a sociedade Y, S.A.,posteriormente, denominada X, S.A, para quem foram transferidos os ativos detidos por W – Banco ..., S.A.; Por contrato de empréstimo de 15/06/2010, a pedido da “K – Produtos Siderúrgicos, S.A.”, o W concedeu a essa sociedade um financiamento, no montante de € 115.000,00, pelo prazo de seis anos, a contar da data da outorga do contrato, destinado a apoio a tesouraria; Em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros e demais encargos resultantes do contrato celebrado, a dita sociedade entregou ao W uma livrança em branco, por si subscrita e avalizada pelo Requerido, ficando o W autorizado a preenchê-la pelo valor que lhe fosse devido, a fixar-lhe as datas de emissão e de vencimento, bem como a designar o local de pagamento; Acontece que aquela sociedade incumpriu o referido contrato, pelo que, o W procedeu ao preenchimento da referida livrança, no montante de € 104.022,82, e com data de vencimento em 03.10.2012; Apresentada a pagamento na data do seu vencimento, a livrança não foi paga nessa data, nem posteriormente; Em face desse não pagamento, foi proposta a ação executiva que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível – Juiz 2, sob o processo n.º 908/13.3TBVCT; O capital que permanece em dívida ascende a 17.592,57 euros, a que acrescem juros de mora à taxa de 8,981% ao ano, desde a data do incumprimento, 13.10.2015 até 12.11.2021, os quais ascendem a 9.746,86 euros, bem como a quantia de 389,87 euros, a título de outras despesas, sem prejuízo dos juros de mora vincendos e imposto de selo; Para além do processo de execução supra identificado, o qual foi extinto por ausência de bens penhoráveis, tem a Requerente conhecimento que correm as seguintes ações contra o Requerido: Processo 662/14.1TBVCT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Cível – Juiz 3, com a quantia exequenda de € 28.589,89; e Processo 3912/17.9T8VCT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Cível – Juiz 3, com a quantia exequenda de € 14.494,74; Tanto quanto de sabe, o requerido não tem quaisquer rendimentos ou proveitos que lhe permitam pagar as ditas quantias; O requerido não merece qualquer tipo de crédito bancário ou de outra natureza e nem dispõe de património de valor suficiente para o pagamento das elevadas quantias de que é devedor.

A 1ª Instância indeferiu liminarmente a petição inicial, com fundamento em ineptidão desta, por falta de causa de pedir, constando essa decisão do seguinte: O art.º 11° do CIRE, sob a epígrafe "princípio do inquisitório", estabelece que "no processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes".--- Todavia, o certo é que o princípio do inquisitório, quando confere ao juiz a faculdade de fundar a sua decisão em factos não alegados pelas partes, ou quando lhe permite proceder oficiosamente à realização e recolha de provas, não conduz a que o juiz tenha que se substituir às partes, no que se refere à alegação da factualidade essencial, integradora da causa de pedir, ou no que se refere à recolha de prova pela qual as partes não curaram de diligenciar - visando tal princípio obstar a que razões meramente formais impeçam a realização dos direitos materiais [vide acórdãos da Rel. Évora de 25.01.2007 e de 12.03.2009, disponíveis em www.dgsi.pt].--- Assim, conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda [in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, reimpressão, págs. 103 e 104], para além de na fase inicial declarativa dos processos de insolvência o princípio do inquisitório só operar quando o juiz seja chamado a decidir questão controvertida entre as partes, o que o referido art.º 11° apenas permite, designadamente na fase de apreciação do pedido (ora em causa) é que o juiz se sirva de outros factos para além daqueles que foram e teriam de ser alegados pelas partes. Aliás, para que se possa servir de outros factos, para além dos que tenham sido alegados pelas partes, necessário se torna que o juiz a eles possa vir a aceder em razão da sua intervenção no processo, estando completamente fora de causa que tenha que ser o juiz a averiguar toda e qualquer factualidade que porventura se mostre necessária ao deferimento do pedido de insolvência, assim se substituindo às partes.--- Ademais, nessa perspetiva, nada poderia garantir que, no decorrer do processo, o juiz viesse a ter acesso ou conhecimento dos factos necessários à procedência do pedido. A entender-se o contrário sempre se chegaria ao cúmulo de bastar ao requerente pedir, sem mais, a declaração de insolvência do devedor - o que, manifestamente, o legislador não podia querer.--- No que se refere ao ónus da prova, é certo que, nos termos do disposto no n.° 4 do art.º 30.° do CIRE, sendo deduzida oposição, cabe ao devedor a prova da sua solvência.

Todavia, o certo é que tal pressupõe que se não verifique – para além de quaisquer outras exceções dilatórias insupríveis de que se deva conhecer oficiosamente, nos termos da al. a) do n.° 1 do art.º 27.° do CIRE – ineptidão da petição inicial, ou seja, pressupõe que no requerimento inicial tenha sido alegada factualidade integradora da causa de pedir, que, a provar-se, conduza à declaração de insolvência.--- Assim, haveremos de concluir no sentido de que, competindo ao requerente alegar os factos integradores da impossibilidade de cumprimento pelo devedor das suas obrigações, sendo o devedor citado, impende sobre este o ónus de alegar e provar factos integradores da sua solvência [neste sentido veja-se o acórdão da Rel. Évora de 25.10.2007, disponível em www.dgsi.pt].--- Ora, nos termos do disposto no n.° 1 do art.º 3.° do CIRE, a situação de insolvência assenta na impossibilidade do devedor em cumprir as suas obrigações que se mostrem vencidas. Todavia, segundo o entendimento seguido pela doutrina e pela jurisprudência, conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda [in ob. cit. pág. 72], não tendo a insolvência que ser caracterizada pela impossibilidade de cumprimento de todas as obrigações assumidas e vencidas, "o que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor ou pelas próprias circunstância do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos".--- E, nessa perspetiva, optou o legislador por estabelecer determinadas factos índice, no n.° 1 do art.º 20.° do CIRE, enquanto factos presuntivos da insolvência, porquanto reveladores, pelas regras da experiência, da insusceptibilidade de cumprimento das obrigações vencidas.--- Importa assim verificar se a factualidade alegada no requerimento inicial é ou não suscetível de se enquadrar em qualquer desses factos-índice.--- Desta feita, conforme se alcança do requerimento inicial, e com interesse específico para a questão, a requerente limitou-se a alegar o seguinte:--- i) Por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal (BdP) de 20 de dezembro de 2015, e ao abrigo do disposto no artigo 145.º-S do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF) foi constituída a sociedade Y, S.A. – posteriormente denominada X, S.A., sociedade veículo de gestão de ativos dos direitos e obrigações correspondentes a ativos do W – Banco ..., S.A.;--- ii) Por contrato de empréstimo, outorgado em 15 de junho de 2010, a pedido da sociedade denominada de “K – Produtos Siderúrgicos, S.A.”, ao qual foi atribuído a operação n.º ……….43, foi concedido um financiamento no montante de € 115.000,00, pelo prazo de seis anos, a contar da data da outorga do contrato, destinado a apoio a tesouraria;--- iii) Em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros e demais encargos resultantes do contrato celebrado, a sociedade mutuária entregou ao banco cedente uma livrança em branco por si subscrita e devidamente avalizada pelo Requerido F. A., ficando o banco cedente autorizado a preenchê-la pelo valor que lhe fosse devido, a fixar-lhe as datas de emissão e de vencimento, bem como a designar o local de pagamento;--- iv) Face ao incumprimento do contrato em apreço, o banco cedente procedeu ao preenchimento da livrança pelo valor devido por força do incumprimento do contrato que lhe subjaz no montante de € 104.022,82, com data de vencimento em 03.10.2012;--- v) Apresentada a pagamento na data do seu vencimento a livrança não foi paga, nem nessa data, nem posteriormente;- vi) Em face do incumprimento contratual, foi proposta a ação executiva que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível – Juiz 2, sob o processo n.º 908/13.3TBVCT;--- vii) O crédito global da Requerente ascende à quantia de Euros 27.729,30 (vinte e sete mil, setecentos e vinte e nove euros e trinta cêntimos), sem prejuízo dos juros vincendos e imposto de selo devidos até integral e efetivo pagamento;--- viii) O Requerido é devedor de elevadas quantias;--- ix) Para além do processo de execução supra identificado, o qual foi extinto por ausência de bens penhoráveis, tem a Requerente ainda conhecimento que correm as seguintes ações contra o Requerido: Processo 662/14.1TBVCT, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Cível – Juiz 3, com a quantia exequenda de € 28.589,89...

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