Acórdão nº 5306/20.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDA PROENÇA FERNANDES
Data da Resolução03 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães*ACÓRDÃO I. Relatório.

M. F., residente na Rua …, n.º …, Póvoa de Lanhoso, intentou a presente acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, no Juízo de Família e Menores de Braga, J1, Comarca de Braga, contra F. P., residente na Rua …, n.º …, Vila Nova de Cerveira, alegando, em suma, que casou com o réu, sem convenção antenupcial, no dia 20/10/1966; após os primeiros anos de casamento, o réu começou a ser uma pessoa “fria”, insensível e ausente, não participando ou colaborando nas lides da casa e não dispensando atenção e carinho à autora; durante o casamento e vida em comum, o réu manteve vários relacionamentos extraconjugais com outras mulheres; o réu constantemente provoca, desafia e peguilha com a autora, muitas vezes até na frente dos filhos, gerando permanentemente conflitos no seio do agregado familiar; no final do ano de 1973, na ocasião, ainda residentes em França, quando o filho de ambos, C., ainda era bebé, o réu, no decurso de uma discussão entre o casal, chegou mesmo a desferir um murro na face da autora, obrigando-a a receber tratamento médico e medicamentoso; por várias vezes, o réu apodou a autora de “bruxa”, “vaca”, “puta” e outras expressões de idêntico jaez; na sequência das diversas crises matrimoniais que se foram sucedendo entre autora e ré, este acabou por sair da casa de morada de família em 20/12/2019 e desde então a autora e o réu não mais fizeram vida em comum, não mais havendo entre ambos comunhão de mesa, leito e habitação; a autora não mais pretende restabelecer vida em comum com o réu; desde a data referida de 20/12/2019, o réu vem constantemente incomodando, atemorizando e intimidando a autora com persistentes contactos telefónicos e rondando a casa onde a mesma habita.

Concluiu pedindo que seja decretado o divórcio entre a autora e o réu e dissolvido o casamento entre ambos.

Foi realizada a tentativa de conciliação a que alude o art.º 1779.º do CC, mas não foi possível a reconciliação dos cônjuges, nem a conversão do divórcio sem consentimento em divórcio por mútuo consentimento.

O réu contestou, impugnando a matéria alegada pela autora, invocando, em suma que a autora não tem capacidade para se autodeterminar e apresenta um quadro de “perturbação de espectro das psicoses” pautada por delírios de prejuízo, auto referenciais e místicos; a autora está a ser manipulada pela filha A. S., no sentido de se divorciar, para subsequentemente fazer a partilha e assim poder dar-lhe dinheiro; sente afecto pela autora e mantém a convicção de que o seu casamento reúne condições para se manter.

Concluiu, pugnando pela improcedência da presente acção.

Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e os temas de provas.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “5. Dispositivo Atento o exposto, julgo procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, decreto o divórcio sem consentimento entre M. F. e F. P., com a consequente dissolução do seu casamento.

Custas pelo R. (cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Registe e notifique.

Oportunamente, cumpra o disposto no art.º 78.º, n.ºs 1 e 2, ex vi dos art.ºs 69.º, n.º 1, e 70.º, n.º 1, do CRC.”.

*Inconformado com esta decisão, o réu, dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): “1ª O recorrente perfilha o entendimento, salvo melhor opinião, de que não se encontra preenchido o pressuposto de ruptura definitiva da vida em comum.

  1. O recorrente quando saiu de casa, fê-lo num contexto muito específico, e numa perspectiva temporária; 3ª A autora, do nada, começou a falar em divórcio, sem que tenha existido qualquer facto entre ambos que pudesse potenciar essa decisão; a situação agravou-se quando a autora participou que o réu a queria matar com veneno tendo sido aberto inquérito por violência doméstica; este processo foi arquivado dado que o MP se apercebeu que a autora não tinha um discurso lógico e ordenou lhe fosse realizada uma perícia psicológica e uma perícia psiquiátrica; não obstante o réu foi “residir” temporáriamente para V. N. da Cerveira na esperança de a autora aceitar tratar-se e acalmar.

  2. – Nos termos dessa perícia, e segundo o repectivo relatório, a Autora padece de patologia que se enquadra numa psicose delirante crónica indubitavelmente presente aquando dos factos constantes nos autos 12/20.8GBPVL, patologia essa diagnosticada pelo menos a 30 de Junho de 2020 e por isso existente à data da outorga de procuração para intentar a acção de divórcio.

  3. - Nos termos desse relatório de psiquiatria verifica-se gravidade da sua psicopatologia e total ausência de crítica por parte da autora/recorrida, o que reforça a necessidade de tratamento para diminuir a intensidade do seu sistema delirante; e devido ao facto de não apresentar crítica para a sua situação clínica recusar terapêutica e colocar-se a si e a terceiros em risco, apresentando critérios, ao abrigo da Lei de Saúde Mental, para eventual tratamento compulsivo.

  4. Face à sua situação clínica, a autora /recorrida não reúne condições psíquicas para perceber e conformar a sua vontade de forma esclarecida com uma decisão de divórcio.

  5. - Devem ser alterados os seguintes factos julgados não provados, passando a constar como provados: u) A partir de Agosto de 2019, a A., do nada, começou a dizer que queria o divórcio; dd) o réu sente afecto pela Autora (facto do foro sentimental, insusceptível de prova negativa por terceiros); kk) O réu gostava e gosta da Autora (facto do foro sentimental, insusceptível de prova negativa por terceiros); ee) não é vontade efectiva da Autora divorciar-se.

  6. - Devendo ainda ser ADITADO aos factos provados o seguinte facto: de acordo com o relatório de psiquiatria forense elaborado por ordem do Ministério Público da comarca de Braga (processo 12/20.8GBPVL), a autora/recorrida sofre de patologia que se enquadra numa psicose delirante crónica indubitavelmente presente aquando dos factos constantes nos autos 12/20.8GBPVL, patologia essa diagnosticada pelo menos a 30 de Junho de 2020 e por isso existente à data da outorga de procuração para intentar a acção de divórcio.

    Nos termos desse relatório de psiquiatria verifica-se gravidade da sua psicopatologia e total ausência de crítica por parte da autora/recorrida, o que reforça a necessidade de tratamento para diminuir a intensidade do seu sistema delirante; e devido ao facto de não apresentar crítica para a sua situação clínica recusar terapêutica e colocar-se a si e a terceiros em risco, apresentando critérios, ao abrigo da Lei de Saúde Mental, para eventual tratamento compulsivo.

    A autora /recorrida não reúne condições psíquicas para perceber e conformar a sua vontade de forma esclarecida com uma decisão de divórcio.

  7. - No entender do recorrente a Sra. Juíza do Tribunal recorrido, na decisão que proferiu, não acautelou devidamente o interesse das partes, pois não é pelo facto de a perícia não ter sido ordenada directamente nestes autos de divórcio, que a saúde mental da Autora ficou melhor. E o Tribunal teve conhecimento da “incapacidade da Autora”...

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