Acórdão nº 1983/18.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A. J. e mulher M. L.

Recorrido: C. O.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Cível de Braga - Juiz 1.

  1. J. e mulher M. L. intentaram a presente acção comum contra C. O.

, pedindo a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 26.786,98 € a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 50.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora.

Alegaram, em síntese, que mediante escritura pública de compra e venda datada de 26.04.2012, outorgada no cartório notarial da ré, os autores adquiriram seis prédios rústicos e um prédio urbano, tendo em vista a produção de frutos vermelhos; previamente à celebração desta escritura, os outorgantes, por intermédio da vendedora M. J., recorreram à ajuda especializada da ré para que todos os procedimentos legais necessários à boa concretização do negócio fossem cumpridos, nomeadamente a comunicação aos preferentes da intenção de venda, para que estes pudessem exercer o seu direito de preferência, querendo; na carta que a ré redigiu e que foi enviada aos preferentes foram mencionados os seis prédios rústicos, mas não o prédio urbano, mais se acrescentando nessa carta que aqueles prédios apenas seriam vendidos na totalidade do seu conjunto; em resposta a esta missiva, D. E. comunicou à referida M. J. que pretendia exercer o seu direito de preferência em relação aos prédios confinantes com as suas propriedades, tendo aquela respondido, de novo por carta redigida pela ré, que tal pretensão não poderia ser atendida, por ser condição essencial do negócio a venda de todos os prédios em conjunto, conforme havia sido comunicado; já depois da celebração da escritura pública de compra e venda acima referida, com fundamento na circunstância de o negócio celebrado ser diferente do que lhes foi comunicado, por incluir um prédio urbano não mencionado na notificação que lhes foi endereçada, D. E. e M. B. intentaram uma acção de preferência contra os respectivos outorgantes, a qual veio a ser julgada procedente, por decisão já transitada em julgado; os autores apenas celebraram referido negócio porque confiaram que a ré tinha feito o seu trabalho com zelo, que, por isso, os preferentes tinham sido correctamente notificados para o exercício do seu direito de preferência e que o negócio era perfeitamente válido, como lhes foi assegurado pela ré, mas a verdade é que esse negócio estava irremediavelmente inquinado; em virtude deste comportamento da ré, os autores sofreram danos patrimoniais, consubstanciados na despesas com escritura e registos, num total de 10.233,98 €, e nas custas da referida acção de preferência, no valor de 16.553,00 €, bem como danos não patrimoniais, consubstanciados nas enormes perturbações e aborrecimentos que têm sofrido desde que se aperceberam da conduta lesiva da ré, a qual conduziu a um longo processo judicial.

*Regularmente citada, a ré apresentou contestação onde invocou, para além do mais, a prescrição do direito dos autores, tendo em conta o disposto no artigo 498.º do Código Civil (CC) e a circunstância da presente acção ter sido proposta depois de decorridos mais de três anos desde a data em que os autores tomaram conhecimento do teor da carta remetida aos proprietários dos prédios confinantes para o exercício do direito de preferência e em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda dos sete prédios (26.4.2012), bem como desde a data em que os autores foram citados para a acção de preferência (26.10.2012); acrescentou que, ao contrário do alegado pelos autores, não se pode entender que o início do prazo de prescrição de três anos apenas ocorreu com o trânsito em julgado da sentença/acórdão judicial de confirmação da existência de facto ilícito.

*Os autores replicaram, alegando que a acção de preferência sempre constituiria causa prejudicial da presente acção, caso esta tivesse sido intentada antes do trânsito em julgado da decisão daquela, pelo que carece de sentido e, por isso, deverá improceder a excepção de prescrição invocada pela ré.

*Admitida a intervenção principal da seguradora X Insurance Company, Ltd., também esta invocou a prescrição do direito dos autores, secundando os argumentos expendidos pela ré, mais aduzindo que a acção de preferência foi registada em 23.10.2012 e que na data em que foram citados para tal acção ou na data em que a mesma foi registada os autores passaram a ter conhecimento de todos os factos que constituem os pressupostos da responsabilidade civil que agora invocam.

*Admitida igualmente a intervenção principal das seguradoras C. Europa, S.A., actualmente denominada Y Europe, Limited – Sucursal em Portugal, e W Insurance Europe Limited Sucursal em España, também estas invocaram a prescrição do direito dos autores, aderindo à argumentação expendida pela ré.

*Os autores pronunciaram-se, reiterando o que já haviam alegado na réplica, mais afirmando que os factos praticados pela ré – a elaboração da carta enviada para os proprietários dos prédios confinantes e a celebração da escritura pública apesar de constatado o erro – não se tornaram efectivamente danosos na data da redacção da carta ou da celebração da escritura, nem na data da entrada da acção de preferência ou da citação dos aqui autores, mas sim quando a sentença que decidiu no sentido favorável aos preferentes transitou em julgado, acrescentando que o dano nunca se produziria se a sentença fosse no sentido da improcedência da acção de preferência.

Proferido o despacho saneador, com relação à excepção da prescrição invocada, foi proferida seguinte decisão: Pelo exposto, o Tribunal julga procedente a excepção de prescrição invocada pela ré C. O. e pelas intervenientes X Insurance Company, Ltd., Y Europe, Limited – Sucursal em Portugal e W Insurance Europe Limited Sucursal em España e, em consequência, absolve-as do pedido.

Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os Autores, sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraíram, em suma, as seguintes conclusões: 1 - Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido foi decidido o seguinte: “Pelo exposto, o Tribunal julga procedente a excepção de prescrição invocada pela ré C. O. e pelas intervenientes X Insurance Company, Ltd., Y Europe, Limited – Sucursal em Portugal e W Insurance Europe Limited Sucursal em España e, em consequência, absolve-as do pedido.

Custas pelos autores, nos termos do artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário concedido. Registe e notifique.” 2 - Com o devido respeito, que é muito, os Recorrentes não se podem conformar com a Douta sentença proferida.

3 - Ora vejamos, os Autores, ora Recorrentes, peticionaram em acção declarativa de condenação, contra C. O., a condenação desta a pagar-lhes a quantia de 26.786,98 € a título de indemnização por danos patrimoniais e a quantia de 50.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros de mora.

4 - Em primeiro lugar e, seguindo a estrutura esquemática da sentença proferida, cumpre descortinar a modalidade de responsabilidade aplicável ao caso em apreço, pois que inexiste qualquer vinculação do Tribunal à matéria de direito alegada pelas partes, bem como à qualificação jurídica levada a cabo por estas.

5 - Ora, a sentença recorrida decidiu que a eventual responsabilidade civil em que o notário incorra no exercício da sua actividade profissional deverá ser assumida como extracontratual, pelo que necessariamente concluiu que o prazo de prescrição aplicável é, efectivamente, o previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC, portanto o prazo de três anos.

6 - Sucede que, não poderemos concordar com tal posição, atenta a natureza das funções desempenhadas pelos notários.

7 - De facto, podemos aqui invocar a fé pública que o notário é detentor, ou seja, o Estado delega ao notário este poder, que se traduz no poder de autenticar os actos jurídicos em que intervém, no mesmo sentido, atribui força probatória aos documentos que corporiza.

8 - Ora, o notário exerce a sua função de modo autónomo e independente do Estado. Como sabemos é este quem suporta os custos da sua actividade. Esta característica de autonomia retira-lhe espectro de dependência funcional do Estado. Não nos podemos esquecer que o notário tem um objecto próprio e princípios jurídicos específicos que regulam esse objecto, não são as normas do Estado que o fazem.

9 - Os notários são, por isso, entidades de direito privado que exercem uma função pública, mas não deixam de ser considerados profissionais liberais puros.

10 - PEDRO GONÇALVES, em “Entidades Privadas com Poderes Públicos – O Exercício de Poderes Públicos de Autoridade por Entidades Privadas com Funções Administrativas”, Coimbra, Almedina, 2008, pag.586 - entende que o notário exerce uma “função pública autónoma, com características particulares”. Assim, o autor afirma que com o novo modelo de notariado o notário reúne em si a função pública e a profissão liberal.

11 - A grande questão que se levanta é saber que regime de responsabilidade se aplica ao notário e para tal temos que saber qual é a natureza jurídica da relação que se estabelece entre o notário e o seu cliente.

12 - Entre nós a relação entre o notário e o cliente caracteriza-se por aquele pedir ao notário para que lhe elabore um documento que produz certos efeitos jurídicos, em troca de uma contraprestação.

E começamos por afirmar que, no nosso entender, o contrato típico que aqui se realiza é o de prestação de serviços.

13 - Este tipo de contrato encontra-se consagrado nos artigos 1154º e seguintes do Código Civil e trata-se um contrato segundo o qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo e determinado resultado do seu trabalho. Caracteriza-se por uma das partes se obrigar a proporcionar a outro certo resultado, seja do seu trabalho intelectual ou manual, remunerado ou não.

14 - O notário tem que...

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