Acórdão nº 6156/20.9T8GMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte: I- RELATÓRIO R. S., residente na Rua …, freguesia de …, Póvoa de Lanhoso, instaurou a presente ação especial de insolvência contra X, Unipessoal, Lda.”, com sede na Rua … Guimarães, pedindo que esta fosse declarada insolvente.

Citada, a requerida não deduziu oposição.

Por sentença proferida em 15/02/2021, entretanto transitada em julgado, foi declarada a insolvência da requerida.

Em 28/04/2011, o administrador da insolvência apresentou o relatório a que alude o art. 155º do CIRE, em que veio requerer que seja aberto o incidente de qualificação de insolvência.

Por despacho de 28/05/2021, determinou-se, além do mais, o encerramento definitivo do estabelecimento onde a insolvente prestava a sua atividade, com efeitos à data em que o mesmo foi realizado pelo administrador da insolvência e, bem assim, a abertura do incidente de qualificação.

Por decisão proferida em 06/07/2021, declarou-se encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa insolvente.

Por despacho proferido no presente incidente de qualificação da insolvência ordenou-se a notificação do administrador da insolvência para apresentar parecer.

Em 08/07/2021, o administrador da insolvência juntou aos autos parecer em que conclui que a insolvência da sociedade devedora/insolvente deve ser qualificada como culposa com fundamento na: - al. a), do n.º 3 do art. 186º do CIRE, alegando, em síntese, que o ISS, IP reclamou créditos, no valor total de 896.483,93 euros (cuja fonte discrimina), relativos a contribuições em dívida dos meses de janeiro de 2016 e abril de 2016 a janeiro de 2021; a Fazenda Nacional reclamou créditos no valor global de 740.468,00 euros, por impostos em dívida (que discrimina); ao não se apresentar à insolvência dentro do prazo legalmente previsto, mantendo o incumprimento perante o Instituto da Segurança Social e a Fazenda Nacional, a insolvente veio não só agravar ainda mais a sua situação financeira, pelo acumular da dívida junto destes credores, mas também dificultar a possibilidade de outros credores poderem ver os seus créditos ressarcidos, atendendo à natureza que o créditos desses credores têm; - na al. f) do n.º 2 do art. 186º do CIRE, alegando, em síntese, que pela consulta da informação contabilística contida nas IES para os exercícios de 2016 a 2019, a sociedade tem vindo a apresentar, de forma consistente, resultados líquidos negativos, que conduziram a que se encontre numa situação de insolvência técnica já antes do exercício de 2016; os resultados líquidos negativos são consequência exclusiva de um desajuste brutal entre os gastos com pessoal e o volume de negócios; pelo menos entre 29 de maio de 2015 e 31 de dezembro de 2020, a sociedade insolvente trabalha em exclusivo para o cliente “Y - Componentes de Calçado, Lda.”, sendo esta empresa quem emprestava máquinas e quem comprava as matérias primas para que fossem prestados os serviços pela sociedade insolvente, que apenas existia com um único objetivo: o de fornecer mão de obra à “Y”; a sociedade insolvente não refletia nos seus preços os custos inerentes aos serviços que prestava, acabando por ser ela a suportá-los e, consequentemente, por não ter capacidade financeira para honrar os seus compromissos, em especial, junto da Segurança Social e da Fazenda Nacional; a forma de organização seguida pela sociedade insolvente teve como único objetivo suportar custos em benefício da sociedade “Y”, mantendo uma atividade mais do que deficitária, que a conduziu à insolvência; o benefício que a sociedade insolvente concedeu à “Y” ascendeu a pelo menos 900.000,00 euros, que corresponde ao valor do capital próprio negativo no final do exercício de 2019.

Requer que pela qualificação da insolvência da sociedade insolvente como culposa seja afetado o gerente desta, J. P..

O Ministério Público emanou parecer em que manifesta a sua concordância com o parecer emitido pelo administrador da insolvência.

A sociedade devedora e o requerido J. P. deduziram oposição à qualificação da insolvência como culposa, confirmando a existência de valores em dívida à Autoridade Tributária e à Segurança Social, sustentando, porém, que até ao encerramento forçado das instalações em que laborava a sociedade insolvente, fruto do incêndio que destruiu totalmente essas instalações, esta não tinha quaisquer dívidas a quem quer que fosse; a manutenção da laboração da empresa, ainda que com dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social é resultado da aceitação e até incentivo dessas entidades, que negociaram várias possibilidades e planos de pagamento, quer com a sociedade insolvente, quer com o seu gerente, levando-o a crer que seria possível ultrapassar as dificuldades, manter a atividade e, a médio prazo, estabilizar a empresa; Confirmam que a sociedade insolvente foi uma empresa prestadora de serviços, nunca teve equipamentos e/ou instalações próprias, mas tinha os seus funcionários e exercia a sua atividade em instalações alheias, propriedade de entidades a quem prestava os seus serviços e de quem recebia as matérias primas, impugnando a restante facticidade alegada pelo administrador da insolvência; Mais alegam que, a sociedade insolvente exerce a sua atividade numa área caracterizada pela sazonalidade e que, nos períodos de falta de procura dos produtos que fabrica, não pode simplesmente despedir os seus funcionários.

Concluem, pedindo que a insolvência seja declarada como fortuita.

Dispensou-se a realização de tentativa de conciliação, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor do presente incidente, o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram objeto de reclamação, e designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada audiência final, proferiu-se sentença declarando a insolvência da sociedade devedora como dolosa e afetado por essa declaração o gerente desta, J. P., constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Nestes termos, decide este Tribunal: A) qualificar como culposa a insolvência X, Unipessoal, Lda.

  1. Declarar J. P.

inibido para o exercício do comércio durante 3 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo titular de órgão de sociedade civil ou comercial, associação, fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; C) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência, bem como determinar que sejam restituídos à massa quaisquer bens ou direitos recebidos em pagamento desses créditos; D) Condenar J. P.

a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património.

*Custas a cargo da massa insolvente – art.º 304.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa”.

Inconformado com o assim decidido, o requerido J. P. interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: 40 - Foi dado como provado que: 1. A gerência da sociedade insolvente está atribuída a J. P. (NIF .........) para o âmbito temporal de apreciação no incidente de qualificação da insolvência.

  1. O “Instituto de Segurança Social, I.P.” reclamou créditos, no valor total de Euros 896.483,93, relativo às contribuições dos meses de janeiro de 2016 e abril de 2016 a janeiro de 2021 (Euros 797.090,37), respetivos juros de mora (Euros 100.821,65) e custas processuais (Euros 8.571,91).

  2. A “Fazenda Nacional” reclamou crédito nos termos do artigo 128º do CIRE, no valor total de Euros 740.468,06 5. A soma do capital das contribuições para a segurança social, das retenções na fonte de IRS e o IVA ascende a mais de 1 milhão de Euros.

  3. A sociedade insolvente, mantendo o incumprimento perante o “Instituto de Segurança Social, I.P.” e a “Fazenda Nacional”, agravou mais a sua situação financeira – pelo acumular da dívida junto destes credores – mas também dificultar a possibilidade de outros credores poderem ver os seus créditos ressarcidos, atendendo à natureza que o crédito deste credor tem.

  4. Os resultados líquidos negativos são consequência exclusiva de um desajuste entre os gastos com pessoal e o volume de negócios.

  5. A sociedade insolvente era apenas prestadora de serviços e nunca teve equipamentos nem instalações próprias; 16.

    Mantinha os seus funcionários, mas havia meses que não tinha encomendas para todos; 22.

    A sociedade insolvente não refletia nos seus preços os custos inerentes aos serviços que prestava, acabando por ser ela a suportá-los e, consequentemente, não ter capacidade financeira para honrar os seus compromissos, em especial, junto da Segurança Social e da Fazenda Nacional.

  6. O benefício que a sociedade insolvente concedeu à sociedade “Y – Componentes para Calçado, Lda.” pode ser quantificado em pelo menos Euros 900.000,00 que corresponde ao valor do capital próprio negativo no final do exercício de 2019.

    41- A matéria dada como provada ou é contrária à prova produzida, ou, quando não o é, serve de fundamentação a decisão contrária ao teor dessa prova, o que resulta desde logo da parca fundamentação e, mesmo, contraditória fundamentação da sentença.

    42- Nenhuma testemunha ou documento referiu ou continha um facto sequer que permitisse ao tribunal dar como provado a matéria que deu e consequentemente concluir pelo preenchimento da alínea g) do n.º 2 do art. 186º do CIRE e mesmo o preenchimento do n.º 3 do art. 186º do CIRE nomeadamente a violação do dever da insolvente se ter apresentado à insolvência não se pode aceitar, se o tribunal tivesse levado em conta e tivesse valorado todas as negociações entre a empresa e a Segurança Social e a AT iniciadas em 2018.

    43 – O tribunal alicerça toda a sua convicção no relatório do senhor A.I. e no depoimento do mesmo, baseado no referido relatório.

    44 – Mas o tribunal refere na douta sentença que Todos os elementos apresentados e sujeitos a contraditório e fundamento das declarações foram recolhidos pelo senhor A.I através do e.Factura do IES e das reclamações de crédito, uma vez...

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