Acórdão nº 4111/19.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório J. F. e C. P.

, residentes no Lugar ..., em ..., instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A. F. e C. R.

, residentes na Rua …, na freguesia de ..., J. N. e S. C.

, residentes na Rua …, na freguesia de ..., A. O. e A. N.

, residentes na Rua …, na freguesia de ..., e M. F. e J. R.

, residentes na Rua ..., na freguesia de ..., pedindo: a) a condenação de todos os réus a reconhecerem o direito de propriedade dos autores sobre os prédios referidos no art. 1º da p.i., e sobre a água referida, e, bem assim, o direito de servidão de aqueduto melhor descrito na petição, constituído, pelo menos, por usucapião e onerando os prédios de todos os réus, nos termos descritos; b) a condenação dos primeiros réus a reporem a situação anterior às obras de construção da vinha que realizaram no local, por forma a assegurar o completo e irrestrito trânsito da água pelo seu prédio, repondo a mina e a canalização no estado anterior, esta em toda a extensão que for necessária até ao prédio dos autores, isto é, também pelos prédios dos demais réus.

Para tanto alegam, em síntese, que são donos e possuidores de uma água de nascente, que nasce na parte norte do terreno dos 1º réus, e que depois de duas caixas de visita, segue por um tubo pelos terrenos dos 2º, 3º e 4º réus até ao prédio dos autores, onde é recolhida num tanque e aí aproveitada para fins habitacionais e agrícolas. Esta servidão de rego e aqueduto existe há mais de 100 anos, desde o tempo dos avós do autor, e este consentiu que o pai do 1º réu passasse a utilizar ½ da água, recolhida na segunda caixa de visita, até um tanque existente na propriedade dos 1º réus.

Acrescentaram que o 1º réu há cerca de 10 anos pediu autorização aos autores para fazer obras na mina, para construção de uma vinha, obrigando-se a repor a circulação de água, mas tal não aconteceu, jamais ficando a sair qualquer quantidade de água a partir da mina existente.

Após reuniões constataram que existia água abundante na mina, mas que não prosseguia por o réu ter tapado a zona da base da mina com um murete que ficou a impedir em definitivo o acesso da água ao tubo, sendo necessárias obras de reposição num montante de € 31.760,00, acrescidos de IVA à taxa legal, que o 1º réu se recusou a suportar.

Os autores requereram, além do mais, a inspecção ao local.

*Os 1º réus contestaram dizendo que, quando muito, aceitam que os autores beneficiam de uma servidão de metade da água admitindo que o avô do 1º réu permitiu tal utilização, contudo tal servidão extinguiu-se há mais de 40 anos por não uso, pois desde 1960 – altura em que se construiu a estrada a norte – que tal nascente secou. Assim era quando em 1986 os autores adquiriram a propriedade ...

pelo que nunca tiveram qualquer interesse de inspecção, limpeza ou reposição. Aquando da construção das casas dos 2º a 4º réus foram destruídas as condutas que eventualmente atravessassem as suas propriedades. Impugnam a responsabilidade de tais factos às alegadas obras realizadas que se resumiram à colocação de uma argola e tampa na segunda caixa.

*Os 2º réus contestaram impugnando nos mesmos termos dos 1º réus. Referiram que, como não beneficiavam de qualquer água, construíram um poço. Acrescentaram que, em 2002, quando começaram a construção da habitação no seu prédio, os tubos antigos já não existiam, estando podres e degradados pelo que autorizaram o autor a colocar novos tubos que ainda lá estão sem qualquer ligação.

*Os 3º e 4º réus não apresentaram contestação.

*Os autores apresentaram resposta negando a extinção da servidão de aqueduto por não uso.

*Foi proferido despacho saneador, fixado o valor da acção, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os requerimentos probatórios sendo que, nesta sede, foi proferido, além do mais, o seguinte despacho: “A inspeção ao local será determinada se for necessária para a descoberta da verdade.”*Procedeu-se a perícia cujo relatório foi junto,*Na audiência de julgamento pelos autores foi requerido que se procedessem às diligências de prospecção recomendadas pelo perito, o que veio a ser indeferido.

Desta decisão foi interposto recurso em separado - Apenso A – tendo esta Relação julgado o mesmo improcedente por Acórdão de 23/09/2021. Foi interposto recurso para o S.T.J. que, por Acórdão de 09/12/2021, negou a revista.

*Finda a audiência de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória, na parte que interessa, reproduzimos: ““Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência: - condeno os 1º Réus A. F. e C. R. a reconhecerem o direito de propriedade dos Autores J. F. e C. P. sobre ½ da água que nasce no limite norte do prédio daqueles referido supra em 2) dos factos provados e que segue, no sentido norte-sul, até uma caixa onde é dividida.

- condeno os Réus a reconhecerem que o prédio dos Autores identificado supra em 1) dos factos provados beneficia de servidão de aqueduto que onera, sucessivamente os prédios dos Réus, descritos supra nos factos 2) a 5), relativamente à água que deriva da mina existente no prédio dos 1º Réus para o prédio dos Autores.

Absolvo os Réus do restante peticionado.

Custas pelas partes, na proporção do decaimento, fixando em 95% a responsabilidade dos Autores e 5% dos Réus contestantes (artigo 527.º, n.º1 do C.P.C.). (…)”.

*Não se conformando com esta sentença vieram os autores dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: 1ª Os autores requereram a inspeção do local, por muito relevante numa ação como esta relativa a direitos reais, tendo o requerimento merecido despacho segundo o qual a inspeção seria determinada posteriormente se se entendesse necessária para a descoberta da verdade, mas, não obstante, o tribunal não voltou a pronunciar-se, designadamente em sede de julgamento ou em sentença sobre essa questão, o que implica nulidade por omissão de pronúncia, que importa reverter, decidindo e efetuando a inspeção requerida (art. 615º nº1 al. d) CPC), com a consequência de, conhecida essa nulidade, ocorrer nulidade per sequens da sentença recorrida.

  1. O tribunal determinou a submissão a arbitramento, com formulação de vários quesitos, que entendeu necessário deverem ser respondidos, que exigiam vistoria da água, da mina e de encanamentos, tendo o perito declinado responder sem a realização prévia de trabalhos de campo que sugeriu, pelo que o tribunal teria sempre pelo menos na sentença de se pronunciar sobre a necessidade desses trabalhos, com vista a completar a prova, em vez do que, apreciando apenas aspetos formais, decidiu que as diligencias que o perito julgava necessárias só podiam ter lugar por acordo das partes – decisão, alias, sem qualquer suporte legal, tão pouco invocado – o que só seria compreensível se o tribunal já estivesse esclarecido sobre a matéria mesmo sem essas diligencias, o que, porém, a sentença acabou por infirmar, pois é inteiramente omissa quanto a qualquer dessas matérias, o que integra também nulidade por omissão de pronuncia nos termos do art.615º nº1 al. d) CPC.

    Sem prescindir 3ª Os autores moveram a presente ação reivindicando a propriedade de uma água que nasce no terreno dos primeiros réus e é depois transportada, primeiro através de uma mina, depois por canos subterrâneos, até um tanque situado em prédios dos autores, ou seja, invocaram também uma servidão de aqueduto para transporte da água, alegando que os primeiros réus construíram no seu prédio uma vinha, tendo dessa construção resultado danos na mina e encanamentos, que provocaram que a água deixasse de correr nessa mina e encanamentos, pedindo, a final, a condenação dos primeiros réus a reporem a situação anterior, por forma a serem restituídos à água que lhes pertence.

  2. No requerimento probatório incorporado na petição inicial, os autores pediram a realização de prova por arbitramento com o objetivo de “comprovar o estado atual do sistema (…) as causas da inexistência da água (…) bem com o para definir as medidas – e o seu custo – que em concreto se tornam necessárias para que a água dos autores volte a aceder aos seus prédios”, tendo o despacho saneador, sem se pronunciar sobre esse pedido dos autores, determinado a realização de uma perícia para a qual formulou quesitos (“qual o estado atual da mina e encanamentos; qual a causa da (in)existência da água no prédio dos autores; quais as obras realizadas no prédio dos réus que pudessem ter impedido a passagem da água e, na afirmativa, quais as medidas necessárias – e o seu custo – para que a água dos autores volte a aceder aos seus prédios”).

  3. Efetuada a visita do perito ao local, este, no seu relatório, pronunciando-se aos quesitos formulados pelo tribunal, sustentou que: a) quanto ao “estado atual da mina e encanamentos”: “não foi possível aceder ao interior da mina por ausência de condições de segurança no poço de inspeção (2) e porque a mesma não é acessível a partir da caixa de visita (3)” b) quanto à “possível causa de inexistência de água no prédio dos autores”, depois de referir em abstrato as causas possíveis, não pôde concluir por falta de acesso ao poço e mina, declarando que, a seu ver, necessário se tornava “que em primeiro lugar se faça uma inspeção neste troço de servidão, por uma equipa de prospeção habilitada a executar este tipo de trabalhos, com indicação dos avanços em termos de comprimento alcançado e registo vídeo em continuo” c) quanto às “obras realizadas no prédio dos réus que pudessem ter impedido a passagem da água e, na afirmativa, quais as medidas necessárias e o seu custo, para que a água dos autores volte a aceder aos seus prédios”, o perito disse não poder responder senão depois de conhecer o resultado da solicitada prospeção.

  4. O tribunal não se pronunciou, e, por isso, (cfr. a ata de audiência de julgamento de 14 de Maio de 2021), no início do...

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