Acórdão nº 4718/18.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Fevereiro de 2022

Data03 Fevereiro 2022

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO [1] O autor D. C.

intentou, em 24-08-2018, no Tribunal de Guimarães, acção declarativa, de condenação, com processo comum, contra as rés: 1) X – COMPANHIA DE SEGUROS, SA, e 2) M. F.

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Peticionou a condenação de ambas, solidariamente: “a) A pagar ao Autor a quantia de €39.609,60 (…), correspondente à indemnização e compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, já apurados; b) A quantia de €3.300,00 (…), a título de perda de remunerações durante o período em que se encontrou incapacitado para o trabalho; c) A quantia de €783,91 (…), a título de despesas médicas e medicamentosas e despesas com deslocações para realização dos tratamentos de fisioterapia e consultas médicas; d) A quantia de €200,00 (…) a título de despesas com a roupa que trazia vestida; e) A quantia de € 776.33 (…), que o Autor despendeu com a reparação do motociclo; f) Em indemnização, a liquidar em execução de sentença, por todas as despesas com consultas, tratamentos, intervenções cirúrgicas, a realizar no futuro nas sequelas que advieram ao Autor em resultado do acidente; e g) No pagamento dos respetivos juros moratórios, à taxa legal, desde a citação da Ré até integral liquidação.“ Na petição, alegou, como fundamentos, em síntese, que, no dia 07-10-2017, foi vítima de um acidente, quando, na Rua ...

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, Guimarães, conduzia o seu motociclo JP, e que consistiu no embate com o automóvel ligeiro OI imputável, concorrentemente, ao facto de ter sido surpreendido, ao efectuar uma curva à sua direita, pela presença de outro carro de matrícula NX (seguro na 1ª ré) aí estacionado e a ocupar a sua hemi-faixa, e pelo aparecimento de quatro cães soltos (pertencentes à 2ª ré) a atravessar a faixa de rodagem, vindos da casa nº 519, que se colocaram à sua frente, o que o obrigou a desviar-se e a colidir com aquele referido veículo que provinha em sentido contrário ao seu, do que lhe resultaram danos na sua pessoa e património que pretende sejam indemnizados.

Na contestação respectiva, a 1ª ré sustentou que a causa e a culpa do acidente se deveram, única e exclusivamente, ao próprio autor, jamais ao condutor do veículo por si seguro.

Por sua vez, a 2.ª Ré enveredou por tese similar, sustentando que os cães estavam no canil, não saíram para a via pública e não causaram qualquer perturbação.

O Centro Distrital de Braga da Segurança Social, citado nos termos do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, pediu o reembolso do subsídio de doença pago ao autor, no montante de €1.351,89 – o que apenas foi alvo de impugnação pela 1ª ré, por alegado desconhecimento.

Foram saneados tabelarmente os autos, fixado o valor da causa, dispensada a audiência prévia, resumidos o objecto do litígio e os temas de prova e, após apreciação dos requerimentos indicativos dos respectivos meios, ordenada a realização de perícia médico-legal, cujo relatório, entretanto, foi junto (fls. 99 a 103).

Realizou-se a audiência de julgamento (em quatro sessões), nos termos e com as formalidades narradas nas actas respectivas, no seu decurso tendo sido juntos mais documentos e ouvidos o autor e as testemunhas arroladas.

Por sentença de 15-07-2021, decidiu-se (fls. 143 a 149): “Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente [procedente], por provada, e, em consequência, condeno a 2.ª Ré M. F., no pagamento ao Autor D. C. da quantia total de 2.383€ (dois mil trezentos e oitenta e três euros), acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Julgo o pedido formulado pelo Interveniente INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL, I.P. parcialmente procedente e, em consequência, condeno a 2.ª Ré M. F. no pagamento da quantia de 337,97 € (trezentos e trinta e três euros e noventa e sete cêntimos) a título de reembolso de prestações pagas ao Autor, acrescida de juros de mora legais desde a notificação até efetivo e integral pagamento.

Absolvo a 1.ª Ré do peticionado.

Custas pelo Autor e 2.ª Ré, fixando-se em 25% a responsabilidade da Ré e 75% do Autor.” Apelou o autor D. C. pugnando por que seja alterada tal decisão no sentido de julgar a 2ª ré única e exclusiva responsável e de a condenar no pagamento dos montantes que considera ajustados. Das suas alegações extraiu como conclusões o seguinte texto: “I) Vem o presente recurso interposto da douta sentença prolatada nos autos que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a segunda ré M. F. no pagamento ao autor da quantia total de € 2.383,00 acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.

II) O autor entende terem sido incorrectamente julgados os pontos 5 e 6 da matéria de facto provada, bem como deve ser considerada provada, em parte, a factualidade dada como não provada no segundo item dos factos não provados.

III) Ora, foi dado como assente, em 5 dos factos provados, o seguinte: “A condutora do veículo OI, que vinha em sentido contrário ao do autor, ao ver os cães sair do portão e o motociclo, imobilizou a sua viatura”.

Sucede, contudo, que nem as declarações do autor, nem o depoimento da testemunha M. D. permitiam ao tribunal extrair tal facto.

Na verdade, quando questionada pela Ilustre Mandatária da segunda ré se havia parado a viatura quando avistou a saída dos cães, foi perentória a responder: “Não, não, não parei: eu continuei, porque eles não foram mesmo para a frente… para bater, pronto, na carrinha.

Eles continuaram na beira da casa, a correr para a frente”. E quando perguntada, então em que momento faz essa travagem? Ela responde: “Quando os cães atravessavam a rua e ao mesmo tempo o senhor da mota está a ultrapassar a carrinha”.

IV) Assim, ao invés do vertido em 5 da factualidade assente, a condutora do veículo OI só imobilizou a sua viatura quando os cães atravessaram a rua dirigindo-se ao motociclo e não quando os viu a sair do portão.

Aliás, esta versão é confirmada pelo autor quando diz (00:03:22): “Ela, ao ver aquilo, aquele aparato, os cães saírem por lá fora e vir em direcção a mim, ela imediatamente estacou o carro, aquase que estacou o carro e estacou”.

V) Deste modo, no ponto 5 dos factos provados deverá passar a constar: “A condutora do veículo OI, que vinha em sentido contrário ao do autor, imobilizou a sua viatura quando os cães atravessaram a rua dirigindo-se ao motociclo.

” VI) No ponto 6 dos factos provados ficou assente o seguinte: “Apesar de os ter visto a circular na berma, o autor continuou a marcha, tendo sido abordado pelos cães, que, no momento em que passava pelo NX, correram no sentido do motociclo”.

VII) Ora, desconhece-se em que meios de prova, designadamente, testemunhos e/ou declarações a Meritíssima Juíza se baseou para considerar provado que o autor viu os cães a circular na berma.

Na verdade, o autor começa por dizer “mal estou a ultrapassar a carrinha sou confrontado com dois cães à minha frente” (00:01:29); A seguir diz “vieram em direcção a mim” (00:02:50); e acrescentou “os cães saíram por lá fora e vieram em direcção a mim” (00:03:22); “os cães vêm assim de frente a mim… os cães vieram assim em direcção a mim” (00:06:28); e, por fim, diz ainda: “os cães se viessem na beirinha eu não caía por causa dos cães” (00:26:34).

Portanto, em nenhum momento das suas declarações o autor afirmou ter visto os cães na berma, bem pelo contrário, declarou que se eles tivessem seguido pela berma, e não se tivessem atravessado à sua frente na estrada, não teriam provocado a sua queda.

VIII) Por seu turno, a testemunha M. D. em nenhum momento diz que o autor viu os cães na berma. Diz, outrossim, que ela reparou nessa circulação, primeiro por alguns curtos metros junto à berma e depois “atravessaram-se à frente dele (do senhor da mota)” (00:02:51); “dirigiram-se à frente um bocado e atravessaram a estrada” (00:06:28); à pergunta: “Mas os cães foram ter com ele?” respondeu: “Sim, sim… passaram mesmo à frente dele” e à pergunta: “Atravessaram a rua?” respondeu: “Mesmo à frente dele, exactamente” (00:06:59); Mais à frente à pergunta: “Em que momento é que a senhora faz essa travagem?” respondeu: “Quando os cães atravessaram a rua e ao mesmo tempo o senhor da mota está a ultrapassar a carrinha (00:16:53); de seguida é questionada “porque é que o Sr.

D. C.

se atrapalha aqui?” e reponde “Porque os cães atravessaram mesmo à frente do senhor da mota” (00:24:48) e acrescentou: “eles foram, passaram ao meu lado, onde tem o portão… para a frente e logo à frente eles atravessaram a rua para o lado esquerdo” (00:25:01); dizendo ainda: “e ao mesmo tempo que os cães estão a passar a rua o senhor da mota está mesmo a ultrapassar a carrinha ali, também” (00:25:11); concluindo: “O senhor atrapalhou-se com os cães que passaram no momento” (00:28:19).

IX) Ora, dúvidas não existem que em nenhum momento do seu depoimento a testemunha afirma ter o autor avistado os cães a circular na berma. Ao invés, o que diz e reafirma, por diversas vezes, e de modo diferente, é que os canídeos atravessaram a estrada à frente do autor, no momento em que este ultrapassava a carrinha ali estacionada. Para tanto utilizou as expressões “passaram à frente dele”; “atravessaram à frente dele”; “atrapalhou-se com os cães que passaram no momento”, pelo que inexistem dúvidas não ter sido feita prova que o autor viu os cães a circular na berma, tendo continuado a sua marcha. Ao contrário, foi produzida prova em audiência que o autor, no momento em que passava pelo NX, foi abordado pelos cães que correram no sentido do motociclo.

X) Deste modo, no ponto 6 dos factos provados deverá ficar a constar: “O autor, no momento em que passava pelo NX, foi abordado pelos cães que correram no sentido do motociclo”.

XI) Por outro lado, foi dado como não provado o seguinte facto: “O autor foi surpreendido pelo aparecimento de quatro canídeos, que correram de forma brusca e inopinada e apareceram soltos e inopinadamente no meio da estrada”.

XII) Ora, o autor entende ter feito prova de parte da factualidade vertida...

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