Acórdão nº 2975/20.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Fevereiro de 2022

Data24 Fevereiro 2022

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO Município ... instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Construções X, Lda., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 5.595,92, acrescida de juros calculados à taxa legal sobre a importância de € 4.772,67, contados desde a data de entrada em julgado da acção e até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que a Ré, no decurso de umas obras por si realizadas de construção de um loteamento, acabou por provocar danos num muro, que integra o património do Autor.

*A Ré contestou, por excepção, invocando a prescrição do direito invocado pelo Autor, e por impugnação, negando ter provocado os alegados danos, pugnando pela consequente absolvição do pedido.

*Foi proferido o despacho saneador em que se afirmou a competência do Tribunal, a regularidade da instância e a validade do processado. Fixou-se o valor da causa em €5.595,92 e admitiu-se os meios de prova.

*Realizou-se a audiência de julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu: «Pelo exposto, julgo procedente a exceção de prescrição invocada, absolvendo a R. Construções X, Lda., dos pedidos contra si formulados pelo A. Município ....

Custas pelo A.»*Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: «1ª) A factualidade geradora de responsabilidade civil da Ré e da respectiva obrigação de indemnizar preenche os elementos de um tipo legal de crime, mais precisamente do crime de infracção de regras de construção (artigo 277º do CP), pelo que sempre seria de proceder ao alongamento do prazo de prescrição nos termos do disposto no artigo 498. ° n.º 3 do Código Civil.

  1. ) Os termos em que se encontra estruturada a acção, aferidos pelo respectivo pedido e causa de pedir, não deixam dúvidas sobre o acento tónico da questão e o objecto da pretensão, no sentido da sua incidência na reconstrução e reposição das condições de segurança do muro, provocadas pela ameaça de derrocada, relativamente às quais a inclinação, que apenas se foi acentuando com o tempo, surge sem autonomia.

  2. ) A entender-se diferentemente – situando-se o início da prescrição na data do facto ilícito e conhecimento dos primeiros danos (2008) -, o direito de indemnização pelo dano consubstanciado na imprevisível derrocada e consequente deterioração do muro estaria já extinto antes de o evento danoso ocorrer, sanção que nada justificaria por nenhuma inércia do credor haver a censurar, como é fundamento do instituto da prescrição.

  3. ) O início do prazo de prescrição deu-se quando, entre os dias 05/11/2015 e 24/11/2015, o A. realizou as obras (ponto 31 dos factos provados).

  4. ) Sendo os factos qualificáveis como crime, o prazo prescricional aplicável deverá ser o de 5 anos, pelo que não estava ultrapassado em 29/06/2020, data da entrada da presente acção (ponto 41 dos factos provados).

  5. ) Se assim se não entender e o prazo prescricional for o mais curto (3 anos), então terá de se verificar se ocorreu algum facto com efeito interruptivo do prazo sob pena do mesmo já estar ultrapassado.

  6. ) Em 08/06/2016 (ponto 38 dos factos provados) a aqui Ré foi notificada da contestação que o aqui A. apresentou naquele outro processo em que foram referidas as obras realizadas, o respectivo custo e que o mesmo era imputável àquela, pelo que a notificação judicial em causa exprimiu directamente a intenção de exercer o direito, pelo que provocou a interrupção do prazo prescricional (artigo 323º nº 1 do CC).

  7. ) A sentença proferida naquele processo foi notificada às partes, via SITAF, em 12/12/2019 (ponto 40 dos factos provados) e, por isso, transitou em julgado em 08/01/2020 (artigo 29º nº 1 do CPTA).

  8. ) Portanto, o prazo de prescrição iniciou-se entre os dias 05/11/2015 e 24/11/2015 (ponto 31 dos factos provados) e interrompeu-se em 08/06/2016 (ponto 38 dos factos provados).

  9. ) A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (08/06/2016), mas isto sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 327º do CC (artigo 326º nº 1 do CC).

  10. ) A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva (artigo 326º nº 2 do CC).

  11. ) Se a interrupção resultar de notificação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327º nº 1 do CC), ou seja, a parir de 08/01/2020.

  12. ) Assim, considerando-se o prazo prescricional de 3 anos ou o de 5 anos, não se verifica a prescrição do direito de indemnização.

  13. ) Nem sequer há necessidade de se chamar à colação a suspensão deste prazo, que se verificou entre 09/03/2020 e 03/06/2020, por efeito da aplicação do disposto no artigo 7º nº 3 da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março.

  14. ) A decisão recorrida violou, para além do mais, as normas dos artigos 323º nº 1, 326º nos 1 e 2, 327º nos 1 e 3, 498º nos 1 e 3 do Código Civil e 7º nº 3 da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, determinando-se a revogação da sentença recorrida e a respectiva substituição por outra que julgue improcedente a excepção de prescrição, procedente a acção e condene a Ré no pedido».

*A Ré contra-alegou.

*O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi admitido nos termos em que o fora na 1ª instância.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Apelante, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).

As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que assim se sintetizam:

  1. Se não ocorreu a prescrição do invocado direito do Autor.

  2. Caso se julgue improcedente a excepção da prescrição, conhecer das questões que ficaram prejudicadas (mérito da acção).

    III - FUNDAMENTOS DE FACTO

    1. Factos julgados provados na sentença recorrida: «1. O A. é uma pessoa coletiva territorial de direito público, dotada de órgãos representativos, bem como de serviços públicos, que visa a prossecução dos interesses próprios da população respetiva.

      2. A R. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à atividade industrial de construção civil, o que faz por forma habitual, sistemática e com intuito lucrativo.

      3. A...

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