Acórdão nº 3465/20.0T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO Nos presentes autos de inventário para separação de meações, subsequente ao divórcio de M. M. e J. M., veio a requerente, M. M. reclamar contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, acusando a falta de relacionação de benfeitorias no imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com o nº ... – ..., inscrito na matriz ..., consistentes na construção da moradia ali existente, benfeitoria essa que havia sido relacionada como bem comum na relação de bens por ambos assinada e apresentada no processo de divórcio..

*O Cabeça de casal negou a existência de tal benfeitoria por as obras terem sido suportadas pelo seu pai.

*Foram apresentados documentos e inquiridas as testemunhas arroladas.

Proferiu-se sentença em que se decidiu: “Por tudo o exposto, decido remeter os interessados para os meios processuais comuns no que concerne à benfeitoria reclamada pela requerente.

Custas do incidente a cargo da requerente, fixando em ½ Uc a taxa de justiça .” *Inconformada, a reclamante interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: «DE FACTO DA ALTERAÇÃO DO TEOR DO FACTO PROVADO Nº 7 E DO ADITAMENTO DE UM NOVO FACTO PROVADO: 8. “O requerido acompanhava a obra, deslocando-se à mesma mais esporadicamente do que o seu pai.” 1. Impugna-se a factualidade vertida no ponto 7 dos factos provados.

  1. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, as declarações da testemunha F. G. que, efectivamente, mereceu credibilidade por parte do Tribunal, não serão suficientes para a conclusão a que chegou a Julgadora, porquanto o mesmo não afirma, em momento algum do seu depoimento, que tem a certeza que foi o Pai do requerido, cabeça de casal, que suportou os custos do seu trabalho.

  2. A testemunha afirma apenas que foi contratado pelo Sr. A. I., que foi com ele que fez o negócio e que este lhe efectuou o pagamento, parte em numerário, parte através da aquisição de um tractor.

  3. Questionado, directamente, sobre se sabia a quem pertencia o dinheiro que lhe era entregue, a testemunha afirma que não sabe.

  4. Mas mais: afirma ainda que o Sr. J. M., requerido, se encontrava regularmente em obra.

  5. O depoimento desta testemunha foi gravado no dia 29/06/2021, pelas 17:27h, tem a referência 20210629170756_5816818_2870519 e a duração de 00:19:34h, sendo manifestamente relevantes para o que aqui se aprecia, as declarações prestadas aos minutos 12:22h, 12:36h, 14:05h, 14:55h e 15:08h do seu depoimento, supra transcritas.

  6. Ora, de toda a prova produzida, dos recibos juntos aos autos e até, como se verá, da confissão efectuada no âmbito do processo de divórcio, não parece que as meras declarações desta testemunha poderão ser suficientes para se considerar provado que “o pai do cabeça de casal (…) procedeu ao pagamento dos mesmos (trabalhos)”.

  7. A situação é, como bem conclui a Meritíssima Julgadora, muito complexa, e extravasa, amplamente, a circunstância de o pai do marido do dissolvido casal, ter mais contacto com os empreiteiros e ter-lhes entregue o dinheiro destinado a pagar os seus serviços.

  8. O certo é que, como também resultou da factualidade provada, a requerente estava no Porto, a acompanhar o seu filho em tratamentos, e o requerido, professor, também estava a trabalhar.

  9. É notório que o pai do requerido teria mais tempo para acompanhar a obra e contactar com fornecedores; mas também é notório que o requerido, como bem esclarece a testemunha, ia ver a obra, acompanhava regularmente a obra.

  10. Mas como bem diz a testemunha, de quem é o dinheiro não se sabe; “eu recebendo não pergunto de quem é.” 12. A testemunha esclareceu perfeitamente que não sabe de quem era o dinheiro que lhe foi entregue pelo pai do requerido! 13. Assim, a factualidade provada deverá ser só e apenas: “Tais trabalhos foram realizados a pedido do pai do cabeça de casal que passava quase todo o dia na obra e que procedeu à entrega do dinheiro destinado ao pagamento dos mesmos.” 14. Deve ainda aditar-se o seguinte facto: 8. “O requerido acompanhava a obra, deslocando-se à mesma mais esporadicamente do que o seu pai.” DE DIREITO 15. O objecto do presente incidente é a relacionação das benfeitorias realizadas no imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com o nº ... – ..., inscrito na matriz ..., consistentes na construção da moradia ali existente.

  11. Na relação de bens subscrita por ambos os elementos do dissolvido casal, no âmbito do processo de divórcio que correu termos neste Juízo sob o nº 1293/15.4T8BRG, cuja certidão já foi junta com o requerimento inicial, foi relacionada, na parte respeitante aos imóveis, como verba única: “Benfeitorias no imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com o nº ...- ..., inscrito na matriz com o artigo ...º, consistentes em toda a construção da moradia, com valor a peritar.” 17. Ora, a relacionação daquelas benfeitorias, objecto único deste incidente, em sede judicial, declarações prestadas perante Juiz e Magistrado do Ministério Público terão, necessariamente, e salvo o devido respeito por opinião distinta, de ter consequências.

  12. Debruçando-se sobre questão idêntica à que ora se aprecia, o Ac. do TR de Guimarães, de 17/06/2004, vai mais longe: “Tendo o ex-cônjuge marido assumido na relação de bens que subscreveu e apresentou, que certos bens eram comuns, não pode proceder a sua alegação, produzida em sede de inventário para a partilha dos bens do casal, de que afinal esses bens apenas a ele ou a terceiros pertenciam.

    Não há, deste modo, razão para remeter os interessados para os meios comuns, competindo, ao invés e no próprio inventário, julgar como comuns tais bens.” (destaque e sublinhados nossos) 19. Na fundamentação, esclarece-se o seguinte: “A relação de bens não pode constituir um nada jurídico, algo de irrelevante e insusceptível de vincular as partes. Se assim não fosse teríamos que admitir que a lei impunha a prática de um acto mais ou menos inútil e iconoclasta (a apresentação da relação dos bens comuns), em contradição com o que ele própria mostra querer ao proibir a prática de actos inúteis (v. artº 137º do CPC). Na realidade, tal relação, mais que um simples acto jurídico, representa a nosso ver um verdadeiro negócio jurídico, que deve produzir efeitos jurídicos. Efectivamente, seguindo a lição de Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, pág 355), os negócios jurídicos são factos voluntários, cujo núcleo essencial é integrado por uma ou mais declarações (normalmente de vontade, mas também as declarações de ciência podem integrar negócios jurídicos: v. Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, III, pág 117 e 118) a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos concordantes com o conteúdo da vontade das partes, tal como este é objectivamente (de fora) apercebido. O comportamento da parte aparece exteriormente como uma declaração visando certos resultados prático-empíricos. É o que, julgamos, se passa in casu. Com as declarações produzidas atinentemente à relação dos bens, as partes visaram indicar, como decorrência do seu acertamento, quais os bens que entendiam ser comuns do casal, isto designadamente para efeitos de subsequente partilha.

    As declarações insertas na relação de bens apresentam-se assim, basicamente como de ciência, pois que se apresentam como destinadas a transmitir o conhecimento (docere) de quais os bens que os declarantes consideram comuns, representando deste modo um acertamento ou apuramento desses bens no confronto dos cônjuges.

    Mas julgamos que nelas também há um resquício de vontade (pois que não deixam de ter um mínimo de conteúdo preceptivo e constitutivo), na medida em que revelam, não simplesmente aquilo que cada uma das partes entende sobre os bens comuns, mas um acto convergente das partes sobre quais são os bens comuns (não faria sentido, nem tal relação satisfaria aos fins legais, se se consignassem nela declarações não coincidentes). Tal relação traduz-se ainda...

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