Acórdão nº 1242/20.8T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | ALEXANDRA MARIA VIANA PARENTE LOPES |
Data da Resolução | 17 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
As Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte: ACÓRDÃO I.
Relatório: Na presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, instaurada por M. C.
contra A. M. (1), M. I. (2), J. G.
e M. M. (3), F. G.
e A. V. (4) e Fundação X (5): 1.
A autora: 1.1.
Pediu o decretamento dos seguintes efeitos jurídicos: «
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Serem os réus condenados a reconhecer – e isso mesmo ser declarado e reconhecido – que a autora é a única e universal herdeira legitimária do falecido F. V..
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Serem os réus condenados a reconhecer – e isso mesmo ser declarado e reconhecido – que as deixas testamentárias são inoficiosas, por ofenderem a legítima da autora, devendo, consequentemente ser as mesmas reduzidas em tanto quanto for necessário para que a legítima da autora seja preenchida, nos termos do artigo 2174 do Código Civil.
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Serem os réus condenados nas custas judiciais e demais encargos legais.» 1.2.
Alegou, como fundamentos dos pedidos:
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Que foi casada, em primeiras núpcias de ambos, com F. L., no regime da separação de bens; que no dia 17 de Março de 2018, na freguesia de …, no concelho de Viana do Castelo, faleceu o mencionado F. L., no estado de casado com a Autora, não tendo deixado descendentes e sendo os seus ascendentes já falecidos.
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Que F. V. deixou testamento, lavrado no dia 24 de outubro de 2012, no Cartório Notarial da Sua S. A., aberto no dia 26 de março de 2018, no qual, e de acordo com aquela disposição de última vontade, deixou legados por conta da sua quota disponível a pessoas que não são herdeiros legitimários: b1) À 5ª ré legou: __ A Casa da Quinta ...
, composta pelos bens imóveis urbano e rústicos, inscritos nas matrizes sob os arts. … urbano, … rústico, … rústico, ...
rústico, … rústico, … rústico, … rústico, ...
urbano, … urbano, … urbano e … rústico da freguesia de ...
, com um valor patrimonial tributário de € 377 794, 31 mas com valor real de mais de € 3 000 0000, 00.
__ O recheio da Casa …, que inclui «quadros, peças em prata, esculturas, louça da …, tapeçarias, lustres, mobiliário, livros e outras obras de arte, peças de arte sacra tais como imagens de santos, paramentaria, etc algumas delas seculares», que declara terem um valor superior a € 100 000, 00.
b2) Ao 3º réu legou os bens móveis que discrimina (duas armas de caça e uma pistola de defesa calibre sete ponto sessenta e cinco ( 7.65) ….; o gumil e lavanda em prata; a cafeteira, em prata, com as armas da casa; os relógios de pulso e de bolso; o samovar russo, em casquinha, e dois samovares franceses; uma bandeja com duas pegas com as armadas do Conde da Foz; todas as jóias que pertenceram à mãe do testador; as jóias do testador; um faqueiro em espinha; objetos de uso pessoal), cujo valor declara desconhecer mas que entende que certamente rondará o valor de € 40 000, 00.
b3) Aos 1º, 2º, 3º e 4º réus legou a raiz ou a nua propriedade da Quinta ...
, inscrita nos arts.441º e 1772 da freguesia de ...
, com o valor patrimonial de € 2 189, 51 mas com um valor real de mais de € 1 000 000, 00 (prédio este que os réus colocaram à venda por € 1 200 000, 00).
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Que o autor da herança deixou-lhe a si, sua mulher/aqui autora: __ O usufruto dos prédios dos apartamentos denominados “…” “, a “…”, “…”, “…, “…”, “…” e de “…”, da parte rústica da Quinta ...
e da Quinta ...
, usufruto com valores que não sabe quantificar mas que corresponderão a 15% do valor dos bens, face à sua idade.
__ Os depósitos bancários, indicando que o falecido à data da morte tinha: «a) 1012 de acções X S.A no valor total de € €4.883,91 b) 21 obrigações Y Abril 2022 no valor total de €1.000,00 c) 23 obrigações Y Agosto 2022 no valor total de €1.000,00 d) 32 obrigações Y Agosto 2022 no valor total de €1.000,00 e) 20 obrigações Y Novembro 2022 no valor total de €1.000,00 f) 5300 acções BANCO ... no valor total de €1.473,4. g) 10 certificados N. 225 no valor total de €2.147,00 h) 110 certificados S. 50 BANCO ...I no valor total de €3.766,40 i) 140 Certificados sobre o SEP500 BANCO ...I no valor total de €3.851,40 j) 2700 Certificados … no valor global de €32.859,00 k) 80 Certificados … no valor global de €142,24 l) Uma conta de depósitos ordem n.º ……..19 BANCO ... com o montante de €12.718,29 m) Uma conta de depósitos ordem n.º …….. BANCO ... com o montante de €6.468,25 n) Uma conta de depósitos ordem n.º ….. BANCO ... com o montante de €692,08 o) Uma conta de depósitos ordem nº …….. BANCO ... com o montante de €3.532,23 p) Uma conta de depósitos ordem nº …… BANCO ... com o montante de €5.046,13 q) Uma conta de depósitos ordem nº …… BANCO ... com o montante de €2.004,10 r) Depósito à ordem no valor de €8.494,00 s) Depósito a prazo de €1.100,00 t) Depósito a prazo de €10.000,00».
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Que não existem outros bens, pelo que as deixas testamentárias referidas em b) supra ofendem a sua legítima de ½ da herança, pelo que, consequentemente, são inoficiosas, impondo-se a sua redução em tanto quanto for necessário para que a referida legítima seja preenchida.
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Que já deu início ao processo de inventário, que corre os seus termos no Cartório Notarial da Dra. S. A. sob o n.º ...
/18, por forma a proceder à partilha dos bens da herança.
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Que é controvertido na Jurisprudência dos Tribunais Superiores se o processo de inventário, enquanto processo especial, é o meio processual adequado para a redução das liberalidades por inoficiosidade, nos casos em que aquelas foram realizadas a favor de herdeiros não legitimários, facto este que, por mera cautela de patrocínio e considerando o prazo de caducidade de dois anos previsto no artigo 2178º do Código Civil, motiva a Autora a recorrer à presente ação.
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Que, nesta ação: pretende a avaliação de todos os bens da herança do de cujus, a avaliação do quantum da sua legítima e a avaliação da eventual necessidade da redução das liberalidades testamentárias feitas aos réus, nos termos do art.2174º do C. Civil; «e, desta forma, porque indubitavelmente a autora sabe que aquelas liberalidades ofendem a sua legítima, deverão as mesmas ser reduzidas em conformidade, nos termos do artigo 2174 do Código Civil, em tanto quanto for necessário para que a sua legítima seja preenchida.».
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A 5ª Ré- Fundação X apresentou contestação, na qual: 2.1.
Defendeu-se por exceção, invocando existir erro na forma do processo, por a pretensão de redução de liberalidades do de cujus F. L., nos termos do disposto no artigo 2178.º do Código Civil, dever ser deduzida no processo de inventário, alegando:
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Que no âmbito do processo de inventário que corre termos no Cartório Notarial da Dra. S. A., sob o número ...
/18, foi proferido, no dia 22.04.2020, despacho no qual se apreciou a sua admissibilidade, referindo-se, face ao requerimento inicial: que o inventariado F. L. não tinha nem descendentes nem ascendentes vivos, sendo a sua mulher, Autora nestes autos, a sua única herdeira legitimária; que o inventariado apenas dispôs dos bens que integravam o seu património através de legados; que, à partida, a Autora não teria legitimidade para intentar o processo de inventário, uma vez que inexiste falta de acordo dos interessados, em virtude de existir apenas uma única herdeira legitimária (1), que não havia incapazes a tutelar (2), que não existem herdeiros em parte incerta ou com incapacidade de facto permanente (3); que, todavia, colocando-se a questão da eventual existência de disposições inoficiosas, o inventário deveria prosseguir os seus termos.
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Que, atendendo ao teor deste despacho de 22.04.2020 do processo de inventário, bem como ao entendimento da doutrina e jurisprudência, a Autora deveria ter deduzido um incidente de redução de liberalidades por inoficiosidade naquele processo de inventário, ao invés de instaurar a presente ação declarativa comum.
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Que este entendimento seguido pelo Cartório Notarial da Dra. S. A., no âmbito do processo de inventário, é também sufragado pela mais avalizada jurisprudência dos tribunais superiores, encontrando-se alicerçado na doutrina.
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Que o erro na forma de processo em causa constituiu uma exceção dilatória que determina a invalidade de todo o processo e a subsequente absolvição da Ré Fundação X da instância.
2.2.
Defendeu-se por impugnação, na qual impugnou factos (nos quais não se integra a alegação de instauração do processo de inventário).
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Os 1º a 4ºs Réus A. M., M. I., J. G., M. M., F. G. e A. V. apresentaram contestação, na qual: 3.1.
Defenderam-se por exceção, arguindo: 3.1.1.
A ilegitimidade da Ré M. M., alegando que esta é casada em regime de separação de bens com o beneficiário das deixas testamentárias e pedindo que a mesma seja absolvida da instância.
3.1.2.
A preterição do litisconsórcio necessário por não terem sido demandados todos os legatários, pedindo que os réus sejam absolvidos da instância.
3.1.3.
O erro na forma de processo, tendo em conta:
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Que a autora admitiu que instaurou um inventário para partilhar os bens da herança, processo este no qual a notária decidiu admitir o inventário apenas para se aferir da eventualidade de existência de disposições oficiosas.
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Que o meio processual adequado para obter a redução das deixas testamentárias é o incidente do processo de inventário, pois: a ação declarativa de condenação é incompatível com o processo de inventário notarial e extrajudicial; enquanto não estiver definitivamente assente a relação de bens do processo de inventário, não será possível determinar o valor da quota disponível e aferir se a legítima foi afetada.
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Que, padecendo a causa de um vício insanável, deve determinar-se a anulação de todo o processo e a absolvição dos réus da instância.
3.2.
Impugnaram matéria alegada.
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A Autora respondeu às matérias de exceção, declarando: 4.1.
Em relação ao erro na forma do processo: que admite que a questão é controversa; que instaurou a ação declarativa sob a forma de processo comum por cautela de patrocínio, face ao prazo de caducidade em curso e para acautelar que os legatários se viessem a defender com o dever ter usado...
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