Acórdão nº 2462/20.0T8BCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO MAURÍCIO
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO (1)* * * * * * *ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, * * *1. RELATÓRIO 1.1. Da Decisão Impugnada Na data de 10/05/2021, por apenso ao processo relativo à acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, o Requerente J. M.

deduziu contra a Requerida M. L.

, incidente de atribuição provisória da casa de morada de família nos termos do nº7 do art. 931º do C.P.Civil de 2013, pedindo que seja «atribuída a casa de morada de família ao requerente até à partilha bens comuns do casal, e, subsidiariamente, caso se mantenha a atribuição do imóvel de modo exclusivo à requerida, deverá ser fixada equitativamente uma compensação/renda a atribuir ao requerente, que lhe permita obter condições económicas para arrendar habitação condigna até à partilha dos bens comuns do casal», fundamentando a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: contraíram casamento em -/08/1976, no regime de comunhão de adquiridos; fixaram residência na casa de morada de família sita na Rua das …, Barcelos; na sequência de desentendimento entre o casal, a requerida participou criminalmente contra o requerente por violência doméstica, usando o requerente de igual faculdade; ambos os processos de inquérito correm termos, por apenso, no juízo Criminal de Barcelos - Juiz 2, sob o n.º 1072/20.7GBBCL; o requerente foi constituído arguido em 03/11/2020, acabando por ser obrigado a deixar o lar conjugal na sequência de uma das medidas de coação aplicadas; a partir dessa data, e sem qualquer outro local para residir, o requerente foi acolhido provisoriamente na casa da sua irmã O. M.; a requerida continuou a residir, na companhia da sua nora I. P. na casa de morada de família constituída por dois pisos, rés-do-chão e primeiro andar, ambos, inclusivamente, independentes e susceptíveis de arrendamento; o requerente reside num pequeno quarto, não usufruindo de grande privacidade nos demais compartimentos da casa, vendo-se obrigado a seguir regras e procedimentos que fazem parte do “modus vivendi “ da sua irmã; o requerente e a requerida não são proprietários de qualquer outra casa para onde aquele se possa mudar; o requerente aufere uma reforma mensal de cerca € 460,00; contribui mensalmente para as despesas do seu actual agregado com cerca de € 150,00; em medicamentos, despende em média, mensalmente, cerca de € 50,00; o valor restante não é, por vezes, suficiente para o pagamento das demais despesas correntes; a requerida é uma empresária em nome individual, que vive desafogadamente; com a requerida, há mais de 5 anos, reside a sua nora I. P., que nada contribuiu a título de renda ou como contrapartida pelo uso e fruição do imóvel do casal; a Requerida aufere mensalmente cerca de € 750,00; a nora da requerida, I. P., tem uma salário mensal de cerca de € 1.000,00; a requerida tem apenas as despesas correntes do dia-dia, designadamente água, luz, alguma alimentação; o requerente necessita mais da casa de morada de família do que a requerida que pode perfeitamente, sem qualquer esforço, arrendar um imóvel para si e para a sua nora, partilhando ambas as despesas mensais; na eventualidade de se entender que a requerida deverá permanecer com a restante família na casa de morada de morada família até à partilha dos bens, sempre deverá ser fixada uma contrapartida económica a pagar pela requerida ao requerente.

Notificada, a Requerida veio pugnar pelo indeferimento de «qualquer das pretensões do requerente», alegando, essencialmente, o seguinte: por acusação proferida a 31/05/2021 o requerente foi acusado de um crime de violência doméstica, praticado sobre a requerida, esse é o único motivo pelo qual ele foi impedido de habitar a sua casa; foi ele que criou tal situação; a aproximação do aqui requerente da requerida poderá revelar-se fatal; a requerida teme-o; apesar de dois andares autónomos o requerente e a requerida apenas habitavam o rés do chão, pois no primeiro andar vive o seu filho, nora e filhos, há mais de quinze anos; era impossível o requerente ir morar para a casa, pois teria que habitar com a requerida, o que violaria a medida de coação que lhe foi imposta, e colocaria em risco a segurança da requerida; todas as despesas da casa, tais como electricidade, telecomunicações, avarias, entre outros estão a ser pagas pela requerida e se aquele para ali fosse morar teria que as pagar; está desempregada, fazendo uns biscates com a nora em frutaria, pertença desta, sendo que não aufere mais de € 250/mês; não tem a requerida que pagar o quer que seja ao requerente a título de renda, primeiro porque não pode, e segundo porque foi o requerido o único culpado da situação em que se encontra.

Por se entender «habilitado a decidir», o Tribunal a quo proferiu sentença com o seguinte decisório: “Pelo exposto, atenta as considerações tecidas e os preceitos legais citados, decide-se atribuir a fruição da casa de morada de família à requerida, até à partilha, sem a imposição de qualquer contrapartida monetária”.

*1.2. Do Recurso do Requerente Inconformado com a sentença, o Requerente interpôs recurso de apelação, pedindo que “deve o recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, a douta sentença recorrida ser declarada nula. Caso não proceda a arguição das nulidades, alterar-se a douta sentença, fixando-se uma efectiva renda/ compensação, a pagar pela recorrida ao recorrente, como contrapartida pelo uso e fruição da casa de morada de família”, e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações: 1. Encontra-se pendente acção de divórcio sem consentimento, sendo que o recorrente deduziu incidente da atribuição da casa de morada de família, requerendo a atribuição da casa de família até à partilha bens comuns do casal. Subsidiariamente, que fosse fixado equitativamente uma compensação/renda a atribuir ao recorrente, que lhe permita obter condições económicas para arrendar habitação condigna até à partilha dos bens comuns do casal.

  1. O recorrente indicou meios de prova.

  2. A recorrida exerceu o contraditório, indicando meios de prova.

  3. Após os articulados e junto aos autos certidão do interrogatório judicial do arguido que decretou a aplicação da medida de coação no âmbito do processo crime 1072/20.7GBBCL, o Tribunal, sem mais diligências, entendeu estar habilitado para decidir o incidente definitivo da atribuição da casa de família até á partilha.

  4. Consta da douta fundamentação da decisão recorrida que “no caso vertente, a questão posta pelo Réu (aqui recorrente) ao abrigo do citado artigo 931º, n.º 7 do C.P.C. cinge-se à fixação do regime de utilização da casa de família durante o período da pendência do processo de divórcio litigioso, em termos de ser conferida à requerida a exclusividade dessa utilização.

  5. No entanto, o Tribunal a quo decidiu atribuir a fruição da casa de morada de família à requerida/recorrida, até à partilha, sem imposição de qualquer contrapartida monetária, decisão esta em oposição com os fundamentos da decisão, pelo que, a ser esse o entendimento do Tribunal a quo, só poderia ser atribuída provisoriamente a fruição da casa de morada de família até ao transito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos autos de divórcio.

  6. A Sentença é, assim, nula, nos termos Artigo 615º, n.º 1, alínea c) do C.P.C., porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão.

  7. A sentença é igualmente nula porquanto o Tribunal a quo não se pronunciou sobre questões que deveria conhecer – Art.º 615, n.º 1, alínea d) do C.P.C.

  8. Na verdade, para o Tribunal a quo o facto do recorrente ter sido acusado pelo crime de violência doméstica e ter sido forçado a abandonar o lar conjugal no âmbito da medida de coação aplicada no processo-crime n.º1072/20.7GBBCL, acrescido do facto de contra recorrida não ter sido deduzida qualquer acusação é, por si só, suficiente para atribuir a casa de morada de família à recorrida sem qualquer contrapartida económica.

  9. Mas decidindo o Tribunal a quo atribuir a casa de morada de família à recorrida, deveria ter fundamentado devidamente o motivo pelo qual não deve ser atribuída ao recorrente/Apelante uma compensação/renda para, em igualdades de circunstâncias, ter a possibilidade de arrendar um imóvel habitacional, já que se encontrava afastado do uso e fruição do único imóvel de habitação de que é igualmente proprietário.

  10. Até porque no pedido de atribuição da casa de morada de família o Apelante/Recorrente peticiona, subsidiariamente, que na eventualidade de ser atribuída à requerida/recorrida a casa de morada de família deverá ser-lhe fixada equitativamente uma compensação/renda que lhe permita obter condições económicas para arrendar uma habitação condigna até á partilha dos bens (pois entende que mesmo durante a pendência divórcio poderá ser requerida a atribuição definitiva da casa de morada de família até à partilha e não apenas na pendencia do divórcio.).

  11. Assim, o Tribunal a quo ao não se pronunciar sobre o pedido subsidiário formulado pelo recorrente não conheceu de questões que obrigatoriamente deveria conhecer violando o art.º 615, n.º 1, alínea d) do C.P.C.

  12. O Tribunal a quo ao atribuir a utilização e fruição da casa de morada de família à recorrida única e exclusivamente com base na saída forçada do recorrente do lar decorrente de comportamentos por si perpetrados que levaram à dedução de acusação no âmbito do processo-crime n.º 1072/20.7GBBCL, violou o principio da presunção da inocência previsto no artigo 32º da C.R.P.

  13. In casu, não existe sequer uma decisão condenatória, sendo certo que o recorrente também participou criminalmente contra a recorrida pela prática do crime de violência doméstica, tendo inclusivamente requerido a abertura da Instrução na sequência do arquivamento dos autos, que corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Braga – Juiz 2 - e cujas diligencias instrutórias estão designadas para o dia 13/09/2021.

  14. O Tribunal a quo não podia decidir de um incidente de atribuição de casa de morada de...

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