Acórdão nº 5422/14.7T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelELISABETE COELHO DE MOURA ALVES
Data da Resolução19 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório M. R., deduziu embargos de executado à execução ordinária, para pagamento de quantia certa, que lhe move Condomínio … – Vila Nova de Famalicão, visando a extinção da execução.

Para fundamentar a sua pretensão, invoca, em síntese, a falta de título executivo, uma vez que as atas dadas à execução enfermam de vícios insanáveis, não tendo sido, em nenhuma das assembleias, deliberado nem fixado qualquer prazo de pagamento dos valores devidos pelos condóminos, assim como não foi deliberado prazo para pagamento da quantia em dívida, sendo que o valor estipulado para cada condómino não especificou a permilagem nem o cálculo para atribuição da quota.

Em relação às atas n.ºs 28, 30 e 32, defende que não é feita qualquer discriminação das rubricas das despesas comuns, sendo apenas apresentado um valor genérico. Além disso, tal documentação não foi remetida aos condóminos com a convocatória nem com a respetiva ata, o que impede o conhecimento do destino do valor das quotas cujo pagamento é reclamado.

Nas assembleias de 04.01.2010 (ata n.º28) e 19.02.2011 (ata n.º30), foi ainda aprovado um “adicional de fundo de maneio”, a ser debitado a todos os proprietários a fim de suportar as despesas do prédio, em virtude do incumprimento no pagamento das quotas por parte de alguns condóminos, e, bem assim, um seguro com cobertura de quatro milhões de euros, sem que, contudo, tivesse sido aprovado o valor do respetivo prémio nem a quota parte de cada condómino.

No tocante à ata n.º 34, respeitante à assembleia realizada a 21.10.2013, sufraga que o orçamento aprovado respeita a dois anos (anos civis de 2013 e 2014), no entanto, a ata padece das mesmas vicissitudes que as anteriores, pois não é feita qualquer discriminação das rubricas das despesas comuns. Por outro lado, no que ao ano de 2013 se refere, só podem ser reclamados juros a partir de 21.10.2013.

Mais invoca que pode recusar o pagamento das suas quotas enquanto o exequente não proceder à reparação dos defeitos nas partes comuns que impedem a utilização das suas frações, já que está impossibilitado de as utilizar por motivos imputáveis ao condomínio, que, ao longo dos anos e reiteradamente, não procede à eliminação dos defeitos existentes no telhado e paredes comuns, que permitem infiltrações de água e humidade que afetam a parte do prédio onde se situa as suas frações.

Por último, diz que, tendo em conta as relações anexas às respetivas atas, o embargante liquidou, no ano de 2011, a quantia de €3.780,50, e no ano de 2012, a quantia de €1.719,92, pelo que o valor em dívida da sua responsabilidade é de €7.548,12.

Conclui peticionando a procedência da oposição, com a consequente extinção da execução, por falta de título, caso assim não se entenda, deverá ser reconhecida a exceção de não cumprimento e, consequentemente declarada extinta a execução, ou ser reduzida a quantia exequenda para o valor de €7.548,12.

*Realizada a audiência final foi proferida sentença que julgando parcialmente procedente a oposição à execução, decidiu:

  1. Julgar extinta a execução relativamente à quantia reclamada, a título de penalização e despesas com a execução e honorários de advogado [€600,00].

  2. Julgar, no mais, improcedente a presente oposição à execução, determinando-se o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de €21.771,91 (vinte um mil setecentos setenta um euros e noventa um cêntimos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, calculados, à taxa legal, desde o vencimento da obrigação até efetivo e integral pagamento.

    *Desta decisão veio o executado/embargante interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões, que se passam a reproduzir e nas quais conclui pedindo a revogação da decisão: «1- Porque a prova produzida em audiência de julgamento foi integralmente gravada; 2- Porque o julgador não pode limitar-se a indicar as provas que o levaram a formar a sua convicção, devendo também analisá-las e explicar as razões que o levaram a valorar a prova de moda a formar aquela convicção e não outra; 3- Porque se impõe a indicação dos critérios utilizados na apreciação das provas e o substrato racional que conduziu à convicção concretamente formulada pelo Legislador; 4- (Porque da decisão da matéria de facto tem de constar a análise critica das provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador); 5- Porque a reposta aos factos entendidos como não provados tem que ser igualmente fundamentada; 6- Porque sobre estes factos não provados foi produzida prova testemunhal credível e evidenciadora da prova positiva dos factos dados por não provados; 7- Porque o depoimento prestado em audiência de julgamento pelas testemunhas arroladas em sede embargos de executado foram credíveis e absolutamente perentórios ao relatarem ao Tribunal a incomensurável degradação do edifício; 8- Porque o depoimento das testemunhas A. L. e R. C. foram credíveis para com base neles formar um juízo de convicção do julgador para considerar como provados os factos constantes nos pontos e), f), h) e i) dos factos não provados da sentença; 9- Porque em todos estes depoimentos existe aquele substrato probatório absolutamente necessário e imprescindível à objectividade em que sempre se deve alicerçar a convicção de um tribunal; 10- Porque devem os pontos e), f), h) e i), dos factos não provados ser alterados para factos provados; 11- Porque actas dadas à execução enfermam de vícios insanáveis que as impedem de constituir qualquer titulo executivo; 12- Porque resulta claro e inequívoco que não foi em nenhuma das assembleias, deliberado, nem fixado qualquer prazo de pagamento dos valores alegadamente devidos aos condóminos; 13- Porque a fixação de prazo para o pagamento da quantia aprovada na assembleia de condóminos é condição essencial e necessária para que, a acta da assembleia de condómino, seja considerado título executivo, conforme o artigo 5º do Decreto-Lei nº 268/1994, de 25 de Outubro conjugado com o art 703º do CPC; 14- Porque conforme se afere pela leitura conjugada das várias actas não foi deliberado qualquer prazo para pagamento da quantia em dívida, sendo certo que apenas foi estipulado o valor devido por cada condómino, não especificando a permilagem, e muito menos como foi efectuado o cálculo para atribuição de tal quota; 15- Porque análise conjugadas de todas as actas verifica-se existir diferença substancial nos valores alegadamente em divida pelo executado, inexistindo qualquer justificação legal ou factual para que tal suceda; 16- Porque se se impõe que deva ser declarada extinta a execução por falta de titulo executivo válido; 17- Porque a excepção de não cumprimento é uma manifestação de um principio da boa-fé “segundo o qual quem viola uma obrigação não pode, sem abuso, exigir o cumprimento de uma outra que em relação àquela está em nexo de reciprocidade”; 18- Porque a boa fé consagrada como um princípio fundamental do Direito Privado em geral, e do Direito das Obrigações em particular, visa o respeito dos valores ético- jurídicos da comunidade, preocupando-se assim em corrigir os desequilíbrios para lá de meras justificações formais; 19- Porque designam-se sinalagmáticas as obrigações em que ocorre correspectividade ou nexo causal recíproco; 20- Porque o sinalagma é funcional quando a correspectividade se refere às obrigações já constituídas, significando que se vão desenvolver solidariamente, traduzindo-se no facto de nenhum dos contraentes ter de cumprir enquanto o outro não cumprir, visto que cada uma das obrigações é causa da outra; 21- Porque de acordo com o nº1 do artigo 1424º do Código Civil, cada um dos condóminos deve contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício; 22- Porque essa obrigação de contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum é uma típica obrigação “propter rem”, decorrente, não de uma relação creditória, mas do estatuto do condomínio; 23- Porque a excepção de inadimplência apresenta-se, assim, como o primeiro reflexo do sinalagma funcional; 24- Porque como se refere no nº1 do artigo 1420º do Código Civil “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício”; 25- Porque sendo esta ligação incindível entre a propriedade sobre uma fracção autónoma de um edifício e a comunhão sobre as partes restantes, de tal forma que nenhum deles pode ser alienada separadamente, nem é licito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição nº2 do artigo 1420º do Código Civil) 26- Porque os vínculos que se estabelecem entre os condóminos e entre estes e o património comum têm a sua fonte essencial na lei (impondo o legislador um conjunto de normas inderrogáveis pelos particulares, como, por exemplo: a impossibilidade de os condóminos derrogarem o principio da indivisibilidade das partes do edifício; as normas que respeitam à nomeação e exoneração do administrador pela assembleia e as relativas à representação do condomínio; as normas relativas à constituição da assembleia e a validade das suas deliberações – cft artigos 1437º, 1435 e 1432º do Código Civil) e não a vontade das partes.

    27- Porque no dizer de M. Henrique Mesquita, “o entendimento de que as obrigações “propter rem” fazem parte do conteúdo do “ius in re” não significa que, por esse motivo, elas devam ser qualificadas como relações de natureza real, ou de natureza mista, ou como figuras de fronteira entre os “iura in re” e as obrigações.

    28- Porque da letra do artigo 428º do Código Civil e a sua inserção na disciplina dos contratos, a excepção de não cumprimento não pode ser afastada da aplicação às obrigações "propter rem”, porquanto o sinalagma que é fundamento da exceptio tem mais relação com o aspecto funcional, isto é, com...

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