Acórdão nº 44481/21.9YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | JOSÉ CRAVO |
Data da Resolução | 26 de Maio de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães * 1 – RELATÓRIO J. R.
e mulher A. P.
, casados entre si, residentes no Parque Residencial …, Lote …, UF de ..., ... e ..., vieram propor requerimento de injunção, contra D. B.
e mulher R. B.
, casados entre si, pedindo que sejam os últimos notificados para lhes pagarem a quantia de € 10.502,00 (correspondente ao somatório de € 10.000,00 a título de restituição do capital mutuado, € 400,00 a título de juros remuneratórios e de € 102,00 para reembolso da quantia paga a título de taxa de justiça, tudo sem prejuízo dos juros remuneratórios vencidos e vincendos desde a propositura do Requerimento de Injunção, em 07-05-2021, até efetivo e integral pagamento.
Para tanto, alegam, em suma, que (i) atenta a relação de amizade entre AA. e RR., os primeiros mutuaram aos segundos, em meados de 2002, a quantia de € 49.386,00 para que estes adquirissem andar moradia pertencente à mãe do R. marido; (ii) para tanto procederam à entrega dos cheques do Banco … com os números 602/....
.1 e 602/....
.5, no valor de € 2.000,00 e € 47.386,00, respetivamente; (iii) acordaram as partes que a quantia de € 2.000,00 não venceriam quaisquer juros e, ao remanescente, seria aplicada uma taxa de juro anual de 5%, taxa substancialmente mais baixa que as praticadas à data; (iv) por seu turno, os RR. comprometeram-se a reembolsar os AA. das quantias mutuadas no mais curto espaço de tempo possível; (v) até 2015 sempre os RR. reconheceram e foram amortizando a dívida, solicitando, em 2015, que sobre o capital em dívida de € 16.000,00, passassem a liquidar-se juros à taxa de 2,5%, ao que os AA. anuíram; (vi) a verdade, porém, é que a partir de tal data deixaram de cumprir, sendo que, na sequência de diligências dos AA. junto do filho dos RR., logrou que fosse amortizada, em 04/10/2018, a quantia de € 8.000,00, nada mais sendo pago desde então, apesar das interpelações que fizeram aos RR.; (vii) permanece, assim, em dívida o capital de € 10.000,00, a que acrescem juros à taxa acordada de 2,5%, tudo sem prejuízo dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento.
*Regulamente citados, os RR. contestaram, alegando, em suma que (i) efetivamente, no âmbito da relação de amizade que os unia, os AA. propuseram-se a emprestar aos RR. a quantia necessária para que adquirissem uma fração do prédio em regime de propriedade horizontal onde tinham já uma fração, entregando-lhes as quantias de € 2.000,00 e € 47.386,00; (ii) igualmente aceitam ter, então, sido acordado entre todos que as quantias haveriam de ser restituídas consoante a disponibilidade dos RR., que sobre a quantia de € 2.000,00 não seriam vencidos quaisquer juros e que, sobre o remanescente, seriam liquidados juros à taxa anual de 5%, a pagar anualmente, durante o mês de Dezembro de cada ano; (iii) alegam, ainda, ter pago, durante os anos de 2003 e 2015, no mês de Dezembro de cada um destes anos, a quantia de € 2.369,39, a título de juros remuneratórios à taxa de 5%/ano, tendo presente que nenhum capital foi então amortizado; (iv) em Novembro de 2015, os réus entregaram, para amortização do capital, a quantia de € 31.386,00, permanecendo em dívida a quantia de € 16.000,00, relativamente à qual as partes acordaram que a taxa de juro anual se fixaria em 2,5%; (v) na sequência do acordado, em Dezembro de 2016 e 2017, os RR. entregaram aos AA. a quantia de € 400,00, correspondente aos juros remuneratórios à taxa acordada sobre o capital em dívida de € 16.000,00; (vi) em Outubro de 2018, entregaram, para amortização do capital, a quantia de € 8.000,00, sendo que em Janeiro de 2019, entregaram a quantia de juros de € 350,00, (calculando a taxa acordada sobre € 16.000,00, de Janeiro a Setembro, e sobre € 8.000,00, de Outubro a Dezembro); (vii) em Dezembro de 2019, os RR. entregaram, ainda, aos AA., a quantia de € 250,00; (viii) alegam, ainda, que em Novembro de 2015 a A. mulher passou a agredir verbalmente os RR. e a exigir o pagamento imediato do remanescente do capital, o que levou ao corte de relações entre todos, com a quebra da relação de amizade; (ix) invocando o pagamento da quantia global – correspondente aos juros e capital entregues – de € 71.586,90 e a nulidade do contrato de mútuo, por falta de forma, deduziram os réus pedido reconvencional, por forma a reaverem a quantia entregue em excesso (relativamente ao capital mutuado) de € 22.200,90, pois que a nulidade importa a restituição do prestado, pelo que se lhes impõe apenas restituir o capital mutuado, sendo que as quantias entregues excedem essa quantia, que terá de ter-se por paga.
Concluem, peticionando seja a ação julgada improcedente e, por outro lado, julgado procedente o pedido reconvencional formulado.
*Assegurado o contraditório quanto à admissão da reconvenção deduzida, vieram os AA. pugnar pela inadmissibilidade e, para a eventualidade de ser admitida, alegando resumidamente que (i) à data as taxas de juros que os réus conseguiam na banca ascendiam a 8,5%, mais obrigando à apresentação de fiador, e por isso se propuseram mutuar a quantia, tendo acordado todos dispensar da redução a escrito para evitar custos; (ii) alegam, ainda, que o comportamento dos RR. gerou neles (AA.) a convicção de que a nulidade de forma não seria arguida, assinalando o pagamento de juros durante mais de 15 anos, pelo que o pedido reconvencional ora deduzido configura manifesto abuso de direito, razão pela qual peticionam a improcedência do pedido reconvencional.
*Por despacho de 20-10-2021, Ref.ª 175643367, foi admitido o pedido reconvencional e determinada a autuação dos presentes autos como ação declarativa comum (1).
*Teve lugar a tentativa de conciliação previamente agendada, sendo que, apesar de gorada a composição do litígio por acordo, as partes – porquanto os AA. aceitam todos os pagamentos alegados pelos RR. – manifestaram-se favoravelmente à possibilidade do Tribunal, por dispor dos elementos necessários à prolação de mérito (já que o desacordo se cifra apenas ao nível da aplicação do Direito), conhecer, de imediato do mérito da presente ação.
*Proferiu-se, então, sentença, que decidiu nos seguintes termos: a) julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno os réus D. B.
e R. B.
a restituir aos autores J. R.
e A. P.
a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às dívidas civis, que, por força do princípio do pedido se considerará reduzida a 2,5%, vencidos e vincendos, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, absolvendo-os do remanescente peticionado.
-
Julgo improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos reconvintes D. B.
e R. B.
e, consequentemente, absolvo os reconvindos J. R.
e A. P.
do aludido pedido.
Custas por autores e réus, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC, fixando-se o decaimento dos autores em 4% e o dos réus em 96%.
Registe e notifique.
*Inconformados com essa decisão, apresentaram os RR.
D. B.
e esposa R. B.
recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões: I.
Quanto à impugnação da decisão proferida relativamente à matéria de facto, os Recorrentes, discordam da factualidade dada como provada constante do ponto 2 da sentença, concretamente quanto à expressão “…tanto mais que a taxa de juro acordada seria inferior à que lograriam junto da Banca.
”, a qual deverá ser retirada do elenco dos factos provados.
II.
O indicado facto é controvertido, sob o mesmo não foi produzida qualquer prova, pelo que não poderia ter sido dado como provado.
III.
Impõe-se a alteração da decisão proferida sob o ponto 2 dos factos provados, dela se retirando o segmento “…tanto mais que a taxa de juro acordada seria inferior à que lograriam junto da Banca.
”, dando-se como provado que: “2. Ora, à data (2002) existia uma relação de amizade entre réus e autores, pelo que em conversa entre ambos aqueles transmitiram a estes que iriam adquirir a indicada fração A, tendo-se estes prontificado a mutuar-lhes, para o efeito, a quantia de € 49.386,00 para aquisição da referida fração, o que os réus aceitaram.
” IV.
A sentença em crise, pese embora tenha reconhecido a nulidade do mútuo no valor de € 47.386,00, não impôs as consequências decorrentes da nulidade por falta de forma legal, paralisando tais efeitos com recurso ao instituto de abuso de direito, e desse modo julgou improcedente quer a invocada compensação de créditos através da imputação, no capital reclamado, dos juros pagos ao abrigo do contrato declarado nulo, quer a reconvenção deduzida pelos RR./Recorrentes.
V.
A jurisprudência tem vindo a admitir, em determinadas circunstâncias e por aplicação do instituto do abuso de direito, a paralisação dos efeitos da nulidade do negócio por vício formal, desde que as circunstâncias apontem para uma clamorosa ofensa ao princípio da boa fé e do sentimento geralmente perfilhado pela comunidade, situação em que o abuso do direito servirá de válvula de escape no nosso ordenamento jurídico.
VI.
Incidindo sobre a situação dos autos, mostra-se essencial relevar factualidade relevante que a sentença que antecede desconsidera e omite, e que é suscetível de anular a aplicação do instituto do abuso de direito ao caso concreto.
VII.
Conforme resulta dos factos provados fixados na sentença, as partes acordaram, entre outros, que sobre a quantia de € 2.000,00 não seriam liquidados quaisquer juros, e sobre a quantia de € 47.386,00 seriam calculados juros à taxa anual de 5%, a liquidar durante o mês de dezembro de cada ano, tendo sido ainda acordado entre as partes que a quantia mutuada seria reembolsada sem prazo certo, à medida da disponibilidade dos RR./Recorrentes – vide factos provados na sentença sob os pontos 4 e 5.
VIII.
Dos autos resulta também que os RR./Recorrentes, na qualidade de mutuários, cumpriram pontualmente o acordado com os AA./Recorridos/mutuantes, não se tendo provado que tenham...
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