Acórdão nº 1614/20.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução05 de Maio de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Autora e Apelante: -- M. C.

Réus e Apelados: -- I. M. e -- M .P.

Autos de: Apelação em ação declarativa de condenação com processo comum Acórdão Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório A Autora pediu que seja decretada a resolução da doação da fração do imóvel que identifica, fundada no não cumprimento dos encargos por parte dos réus e ordenado o cancelamento de todos os registos dela resultantes, restituindo-se esta á sua propriedade plena, com registo exclusivamente a seu favor.

Invoca, em sumula, que a Ré a convenceu a doar-lhe, com reserva de usufruto, (e ao seu marido, ora Réu) a fração que identifica, “…com a obrigação de ambos os donatários, tratarem da doadora, tanto na saúde como na doença...”, reservando o direito de pedir a resolução da doação em caso de incumprimento das obrigações que integravam a cláusula modal. No entanto, os Réus apenas cuidaram desta entre setembro e dezembro de 2013, data em que fraturou um braço. Desde esta data, os Réus descuraram os seus deveres.

Os Réus contestaram, afirmando, em síntese, que desde a data da realização de tal doação, prestaram todas as obrigações previstas na dita cláusula. Em junho de 2018, a autora afastou-se deles sem qualquer explicação e passou a residir noutra morada, em …. Defendem a improcedência da ação, formulando pedido reconvencional, o qual não foi admitido.

A Ré replicou, em súmula, impugnando e invocando a exceção perentória de abuso de direito e a prescrição.

Foi elaborado saneador e realizada audiência final, tendo sido proferida sentença, pela qual os réus foram absolvidos do pedido.

É desta sentença que vem interposto o presente recurso, com as seguintes conclusões: “I. Pela análise da matéria factual resulta claramente ter havido dois pesos e duas medidas, no que concerne à apreciação do pedido formulado pela Autora.

II. Assim, ficou exarado na Escritura de Doação a favor dos Réus, que envolve a fracção identificada nos autos, outorgada para o efeito em 15-10-2012, “…a obrigação de ambos os donatários, tratarem da doadora, tanto na saúde como na doença, prestando-lhe todos os serviços pessoais e domésticos de que ela carecer, nomeadamente alimentação, vestuário, tratamento médico, medicamentoso e hospitalar, vivendo na sua companhia, assegurando a sua comparência em consultas médicas, zelando pela realização dos exames médicos recomendados, e bem assim zelando pela adequada toma de medicamentos, tratando também da sua higiene, bem como vestuário, ajudando e cuidando em tudo o que a doadora necessite, tudo á custa dos rendimentos da doadora, suprindo os donatários com o que faltar”.

III. No título Escritura de Doação, não consta o local onde os Réus/Apelados teriam que prestar os serviços á Autora/Apelante, presumindo-se logicamente que, carecendo esta de tratamento especial, dado sofrer de perturbações mentais (cfr docs. juntos com PI e em 19-01-2021), os ditos serviços, especialmente de limpeza, tratamento doméstico, higiene pessoal, vestuário, obviamente teriam que ser prestados na residência desta, e não na daqueles, tanto mais que a distância entre ambas as residências será de 1.600 metros… .

IV. Os Réus/Apelados não cumpriram com as suas obrigações de cuidar da Apelante na residência desta (nem na sua, desde o natal de 2014), como estavam a isso obrigados, pese embora a Mma. Juíza ter dado como provado que estes prestaram alguns serviços (limpezas) na residência daquela, mas não se apurou a data, ou seja, poderia, como foi, ter sido em data muito anterior a 2015, o que não prejudica, de todo, a versão da peticionante/Apelante V. Os Réus/Apelados também não tinham nem tem condições financeiras para cuidar da Autora/Apelante na residência deles (nem noutra), conforme resulta de requerimento junto aos autos em 22-11-2021 (ref. 12288500), no qual a Ré/Apelada atesta que não tem qualquer rendimento e o Réu/Apelado confirma que apenas aufere a quantia mensal de 315,89 euros, a título de pensão de reforma por invalidez, concluindo-se assim que resulta a impossibilidade absoluta de cumprimento das obrigações que constam da Escritura de Doação, tanto mais que, por isso, e para a sua própria sobrevivência, aquela teve que pedir dinheiro emprestado a terceiros (cfr. doc. 5 junto com a PI e factos dados como provados) .

VI. Ficou provado que a Autora/Apelante desconhecia e ainda não sabe onde é a morada indicada como sendo a sua – Rua …, em ...

, Esposende, e que consta da aludida Escritura de Doação, sendo certo que se trata de uma morada falsa, tal como provado e de uma manifesta habilidade utilizada a favor dos Apelados, sendo que a fracção que lhes foi doada era propriedade exclusiva da Autora/Apelante que na mesma residia desde que a adquiriu, sendo igualmente certo que esta é casada no regime de separação de bens com J. G., o qual, tal como ficou provado, jamais permitiria tal negocio ruinoso VII. Assim, resulta claríssimo que, face ao estado de saúde da Autora/Apelante, que apenas tinha 65 anos de idade, alguém, com uma habilidade notável e em sério prejuízo desta, deu o golpe do baú, ao indicar uma morada falsa, como sendo a residência efectiva (sem ser aquela onde sempre residiu), com o intuito conseguido de “eliminar” o indispensável consentimento conjugal ao negócio, por parte do marido… , caindo por terra as boas intenções dos Apelados VIII. Face ao teor dos documentos juntos aos autos pela Autora/Apelante, facilmente se chegará á elementar conclusão que, há longos anos, sofre de perturbações mentais que a impossibilitam de reger condignamente a sua pessoa e que o acto de Doação em que participou resulta, no mínimo, muito duvidoso, e que, por isso, a Mma. Juíza entendeu, conforme Douto Despacho exarado em Acta que “…será de ponderar a possibilidade de a Autora ser beneficiária de um processo de maior acompanhado de natureza urgente. Para os devidos efeitos, determino a comunicação aos Serviços do Ministério Público de Esposende” IX. Aliás, a este propósito atente-se no teor da Carta junta aos autos com a Contestação, na qual os Apelados manifestam grande preocupação com a Autora/Apelante: ”…bem sabe que tem problemas de saúde e muitos problemas psíquicos que tem que ser controlados muito bem com a medicação…” “…desde que foi para ...

temos notado que você anda alterada no cistema nervoso e achamos que poderá estar descontrolada pela medicação…”, “você já sabe que é muito esquecida”, “você não atende o telefone”, “não sabemos ainda o porquê fugiu”.

X. Contrariamente ao relatado naquele documento, curiosamente, os Réus/Apelados que vivem a cerca de 1.600 metros da Fracção sita na Rua ...

, em Esposende, que lhes foi “doada” pela Autora, e sabiam que esta estava ausente em ...

, Concelho de Barcelos, mas resolveram enviar-lhe uma carta registada com aviso de recepção, justamente para a morada de Esposende onde aquela não se encontrava! XI. Resultando anedótico que saibam que está “..alterada no cistema nervoso”, sendo eles residentes em Esposende e a “fuga da Autora” ter ocorrido para a localidade de …, no Concelho de Barcelos !!, mas relatam ainda na sua peça processual/Contestação (artigos 25, 26, 28, 29) que desde 06-06-2018 “nunca mais falaram com a Autora, que esta nunca mais apareceu, nem atende o telefone….”, mas, dando o dito por não dito, vão alegando no artigo 40 daquela peça processual que a mesma “…respondeu que estava bem só…” XII. Afirmam que a Apelante “fugiu”, mas não deram conhecimento às autoridades, malgrado saberem do estado de saúde muito débil, entendendo que esta deveria “aparecer” na residência deles, quando, repita-se, na Escritura de Doação junta aos Autos não ter ficado estipulado o local onde seriam prestados os serviços aí discriminados mas que, logicamente, seriam na residência da Autora/Apelante, tal como supra se relata, o que não sucedeu, nem mesmo no período de confinamento….o que prova, inequivocamente, que não cumpriram, nem tem cumprido, as obrigações de cuidar da Apelante, tal como consta da Escritura de Doação junta aos presentes autos XIII. Relativamente aos depoimentos das testemunhas arroladas pelos Réus/Apelados que todas elas, devidamente ensaiadas, acabaram por dizer as mesmas coisas (com pequenas nuances), sendo que categoricamente todas afirmaram que os Apelados participavam em muitas festas, muitos convívios e muitas almoçaradas e que até levavam a Autora/Apelante…, contrariando a tese daqueles que alegam apenas auferir, actualmente, um rendimento mensal de 315,89 euros ! XIV. Assim a testemunha M. A., cujo depoimento se revela manifestamente tendencioso e nada isento, disse conhecer a Autora e ser irmã da Ré e o seu depoimento ter sido registado no sistema digital H@bilus Media Studio de 10:56:50 a 11:18:08, afirmou ainda que não sabia que a Autora/Apelante sofre de perturbações mentais e que desconhece os termos da Escritura de Doação, além de confirmar as tais festanças em que participam os Apelados, mais afirmado que a mesma é autónoma mas que os Réus/Apelados cuidavam dela, não dizendo em que local…..

Igualmente tendencioso e manipulado o depoimento da Testemunha M. T., que é Irmã do Réu/Apelado e que confirmou as festanças supra referidas (Cfr. depoimento registado no sistema digital H@bilus Media Studio de 11:37:00 a 11:49:54) e que, muito curiosamente, afirmou que nunca viu em casa dos Réus/Apelados, Homens, contrariando a versão da Testemunha F. S., “frequentador assíduo” da casa destes! A testemunha P. F., que vive em … juntamente como seu marido, disse conhecer a Autora, que esta sofre de perturbações mentais e que sabe que esta frequentou a Santa Casa da Misericórdia, alegando ser amiga dos réus há 10 anos, frequentando a casa destes uma a duas vezes por mês e que aí chegou a ver a Autora/Apelante a comer (cfr. depoimento registado no sistema digital H@bilus Media Studio de 11:18:49 a 11:27:37).

Contrariamente, a Testemunha F. S., que é o marido da Testemunha anterior, acabou por dizer que ia todos os fins de semana a casa dos Réus/Apelados...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT