Acórdão nº 2960/21.9T8BRG.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório AA intentou ação declarativa, sob a forma comum, contra o Fundo de Garantia Automóvel e BB, pedindo a condenação dos réus a pagar à autora as quantias seguintes: a) 5.000,00 € a título de indemnização por danos sofridos pelo seu pai; b) 40.000,00 € a título de indemnização pela perda do direito à vida; c) 15.000,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais sofrido com a morte de seu pai.

A autora formula o aludido pedido a título de indemnização por danos sofridos em virtude de acidente de viação ocorrido a 07-11-2011, pelas 17h20, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., no qual, em resultado de embate entre o veículo ligeiro misto de matrícula CL-..-.., conduzido pelo 2.º réu, e um velocípede conduzido por CC - pai da autora -, este sofreu lesões que causaram a sua morte, imputando ao 2.º réu a culpa exclusiva na produção do embate e alegando que não se encontrava transferida para qualquer seguradora a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros pelo veículo por este conduzido, como tudo melhor consta da petição inicial.

Citados, ambos os réus contestaram. O réu Fundo de Garantia Automóvel impugnou parte da factualidade alegada pela autora. O réu BB, por seu turno, arguiu a prescrição do direito de indemnização invocado pela autora e impugnou parte da factualidade pela mesma alegada.

Por despacho de 04-10-2021 foi dispensada a realização da audiência prévia, fixado o valor da causa e proferido saneador-sentença julgando procedente a exceção de prescrição.

Inconformada com a decisão proferida, veio a autora interpor recurso, o qual foi admitido como apelação.

Por acórdão de 07-04-2022 esta Relação julgou procedente a apelação, anulando a decisão proferida em primeira instância e determinando que o Mmo. Juiz a quo procedesse à oportuna designação de audiência prévia, destinada a facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos termos do artigo 591.º, n.º 1, b), do CPC, caso tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da ação.

Regressados os autos à primeira instância, foi realizada audiência prévia, na qual se cumpriu o determinado no acórdão proferido e se comunicou às partes a intenção de se conhecer imediatamente do mérito da causa, tendo-lhes sido facultada a discussão de facto e de direito.

Nesse âmbito, a autora requereu a junção de documentos, os quais foram admitidos pelo Tribunal a quo mas condenando a apresentante em multa.

Após, por despacho de 05-07-2022 foi proferido saneador-sentença julgando procedente a exceção de prescrição e absolvendo ambos os réus do pedido.

Inconformada com a decisão proferida, veio a autora interpor recurso, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «A- DO EXCESSO DE PRONÚNCIA – art.º 615, n.º 1, alínea d), do CPC (FALTA DE ALEGAÇÃO DA PRESCRIÇÃO PELO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL) 1.º – O Réu BB veio invocar a exceção da prescrição, não tendo o Réu Fundo de Garantia Automóvel invocado a aludida exceção; 2.º - O Réu BB não possuía seguro, pelo que incumbe ao Fundo de Garantia Automóvel “…a proteção dos terceiros lesados, nas finalidades e objetivos de segurança social do risco de circulação automóvel, quanto à satisfação das indemnizações, ao Fundo de Garantia Automóvel terão de ser aplicáveis as disposições e princípios que disciplinam a responsabilidade das seguradoras, tanto quanto é certo que ele não deixa de desempenhar a mesma função social, correspondente à idêntica necessidade, da obrigatoriedade do seguro do risco da circulação rodoviária automóvel, e, como tal, verdadeira empresa seguradora nos casos em que o Estado não conseguiu assegurar que o lesante celebrasse o obrigatório contrato de seguro de responsabilidade civil (art.º 21 do DL n.º 522/85).

Desta forma, também o FGA tem de ser abrangido pelo âmbito do art. 497º do CC, e considerado responsável solidário conjuntamente com o lesante nos casos em que se lhe impõe que satisfaça as indemnizações a atribuir. Por isso, o FGA (tal como qualquer seguradora não pode aproveitar da invocação da prescrição feita pelo seu segurado) também não pode beneficiar da invocação pelo responsável civil, da exceção fundada no decurso do prazo prescricional, quando ele próprio a não invocou (e, ademais, quando na altura da citação do FGA, tal prazo ainda não havia decorrido).”, conforme decorre do Acordão do STJ de 01.07.2004, Revista n.º 296/04 - 7.ª Secção Araújo Barros (Relator) * Oliveira Barros Salvador da Costa Ferreira 3.º - O reconhecimento da prescrição da obrigação relativamente a algum dos coobrigados não aproveita aos restantes devedores que não tenham deduzido esse meio de defesa, porquanto a prescrição é um meio de defesa pessoal que não pode ser oficiosamente conhecida pelo Tribunal.

B – DA NÃO PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO DOS RÉUS No saneador-sentença refere: “1.- No dia 7.11.2011, pelas 17:20 horas, na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., ocorreu um embate entre o veículo automóvel ligeiro misto com a matrícula CL-..-.., na altura conduzido pelo réu BB….BB, e o velocípede então conduzido por CC e o corpo deste.

  1. Na sequência deste embate foi instaurado o processo de inquérito nº 1856/11...., no qual foi deduzida acusação pública em 31.10.2012 contra o aqui Réu BB e contra DD, imputando ao primeiro a prática de um crime de homicídio por negligência e de um crime de omissão de auxílio agravado e ao segundo a prática de um crime de omissão de auxílio.

  2. Esta acusação foi notificada à aqui autora, na qualidade de assistente, por carta de 06.11.2012; 4. O arguido DD requereu abertura de instrução, tendo sido proferida decisão instrutória em 21.05.2013, mantendo a imputação constante da acusação pública.

  3. Por correspondência de 22.05.2013, a aqui Autora, na qualidade de assistente, foi notificada de que, nos termos do disposto no art. 308º do CPP, foi proferido despacho de pronúncia “e para os prazos dele decorrentes – art. 77º nº 2 do CPP”.

  4. Não foi deduzido pedido de indemnização civil contra o arguido BB.

    7- Em 03.06.2016 foi proferida sentença, condenado o aqui réu BB pela prática dos crimes de homicídio negligente e omissão de auxílio agravado por que vinha pronunciado, a qual transitou em julgado em 04.07.2016.” No direito aplicável é referido: “4- Estando assim assente que o prazo de prescrição aplicável é de 5 anos, importa determinar o momento em que o mesmo começou a correr e se se verificou alguma causa de interrupção desse prazo.

    “…No caso vertente, o prazo de prescrição começou a correr com a notificação do despacho de pronúncia, efetuada no dia 27 de maio de 2013.” “Assim, na ausência de qualquer outra causa de interrupção ou suspensão da instância, o prazo de prescrição terminou no dia 27 de maio de 2018, ou seja, antes de proposta esta ação e, consequentemente, da citação dos Réus.” 4.º – Entende a Recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária, que o prazo regra nos acidentes de viação encontra-se fixado no nº 1 do artigo 498º do Código Civil e comporta a exceção prevista no nº 3 do artigo 498º do Código Civil, o qual refere que “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.” 5.º - Refere o artigo 323º nº 1 do Código Civil que, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito” Existe entendimento maioritário na jurisprudência que a constituição de assistente em processo penal configura um ato idóneo para interrupção da prescrição, porquanto configura esta uma manifestação expressa do exercício do direito de reclamar uma indemnização, pelo que se entende que assim se interrompe a prescrição contra todos os responsáveis.

    1. - A interrupção da prescrição tem como efeito inutilizar todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto no nº 1 e nº 3 do artigo 327º do Código Civil.

    2. – O art 62º do D.L. 291/2007 de 21 de agosto, impõe o litisconsórcio necessário passivo do FGA e do responsável civil.

    3. - O reinício do prazo prescricional teve lugar em 05.07.2016, dia seguinte à data do trânsito em julgado da sentença que condenou o aqui Réu BB, pelo que na data de entrada da presente ação e na data da sua citação, ainda se encontrava em curso o prazo prescricional.

      1. - No caso dos presentes autos o Réu BB foi condenado pelo crime de homicídio negligente e pelo crime de omissão do dever de auxílio agravado, neste caso, sendo o prazo de prescrição da ação penal mais longo nada impede que a Recorrente se prevaleça do prazo mais longo, conforme o disposto no art. 498º nº 3 do Código Civil.

      2. – Enquanto estiver pendente o processo penal não começa a correr o prazo da prescrição do direito à indemnização civil. A pendência do processo crime, representa uma interrupção contínua (ex. vi art. 323º nºs 2 e 4 do Código Civil), quer para o lesante, quer para aqueles que, como as seguradoras, com eles estão solidários na responsabilidade de reparação dos danos; interrupção essa que cessa, começando o prazo a correr, quando o lesado for notificado do arquivamento do processo crime.

      Neste caso o trânsito em julgado da decisão ocorreu relativamente ao arguido BB em 04.07.2016, conforme certidão judicial junta ao processo.

      C – DA RENÚNCIA À PRESCRIÇÃO RELATIVAMENTE AO FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL: Refere ainda a douta sentença de fls. o seguinte: “…, na audiência prévia, a autora limitou-se a enquadrar juridicamente factos que o próprio réu FGA alegou na sua contestação, designadamente nos artigos 3, 19 e 20, onde afirma expressamente que reconheceu o seu dever de indemnizar a autora, mas que a medida da sua responsabilidade estava limitada a 50%, por ser esse o grau de responsabilidade do co-réu BB, razão pela qual apresentou uma proposta indemnizatória no ano de 2017.

      O único...

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