Acórdão nº 124/21.0T8AMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Dezembro de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE SANTOS
Data da Resolução15 de Dezembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO (que se transcreve) AA, casado, residente na Rua ..., na ..., intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, NIF ..., portador do Cartão de Cidadão n.º ..., com domicilio profissional na Rua ..., ..., ..., em ..., ..., peticionando a: - Declaração de incumprimento definitivo do contrato promessa celebrado entre o autor e o réu, por causa imputável ao réu; - Condenação do réu a restituir o sinal em dobro ao autor, no montante de € 10.000,00, acrescido de juros de mora vencidos desde o término do prazo facultado pelo autor para o seu pagamento (dia 12.01.2021), no montante de € 125,78, acrescido dos juros de mora vincendos contados desde a data do término dos cinco dias úteis comunicados na interpelação para a devolução do sinal em dobro até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, e em síntese, o autor alega que, no dia 06.07.2018, celebrou com o réu um contrato por via do qual o réu lhe prometeu vender o prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., pelo preço de € 7.500,00.

Alega que o réu declarou ser dono, legitimo possuidor e proprietário desse prédio e que, na data da assinatura do contrato, entregou ao réu a quantia de € 5.000,00 a título de sinal e principio de pagamento.

Refere que o réu comprometeu-se a efetuar o registo do imóvel a seu favor até ao final do mês de setembro de 2018 e a celebração do contrato de compra e venda do imóvel deveria ser agendada pelo autor até ao dia 15 de janeiro de 2019.

Mais alega que procedeu à marcação do contrato de compra e venda para dia 22.08.2019 e o réu não compareceu, não tendo realizado o contrato definitivo e, em 15.05.2020, remeteu ao réu carta por via da qual lhe comunicou que agendou para dia 02.10.2020, pelas 10:00 horas, a celebração do contrato definitivo, com a advertência de que a não comparência no local implicaria o incumprimento definitivo do contrato promessa.

Refere que no dia 02.10.2020 o réu não compareceu para celebrar o contrato definitivo, tendo o autor perdido interesse na aquisição desse imóvel, razão pela qual conclui alegando que tem direito à restituição do sinal em dobro.

Regularmente citado, o réu apresentou contestação, por via da qual argui a exceção de caso julgado relativamente ao processo n.º 256/19...., que correu termos neste tribunal.

No mais, o réu refere que não podia transmitir o prédio ao autor, por os herdeiros do promitente vendedor que lhe prometeu vender o prédio ainda não lho terem transmitido.

Mais alega que, em 03.09.2019, o autor comunicou-lhe que perdera interesse no negócio, declaração que o réu aceitou, tendo esse negócio sido resolvido/denunciado unilateralmente pelo autor e tendo o réu deixado de estar obrigado a celebrar o contrato de compra e venda definitivo.

O réu conclui pela improcedência dos pedidos.

O autor apresentou resposta à matéria de exceção alegada na contestação, concluindo pela sua improcedência, nos termos e com os fundamentos expostos no articulado junto sob a ref. citius ... e requereu a condenação do réu como litigante de má fé, em multa e em indemnização no montante de € 2.500,00, articulado que foi admitido por despacho proferido em 13.09.2021.

O réu foi convidado a suprir as imprecisões factuais da contestação, tendo o réu apresentado o articulado junto sob a ref. citius ... (de 14.11.2021).

Foi proferido despacho saneador, por via do qual foi julgada improcedente a excepção de caso julgado alegada na contestação e foi designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais que as respetivas actas documentam.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: - “Em face do exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, julga-se a presente ação procedente e, em consequência, decide-se:

  1. Declarar o incumprimento definitivo pelo réu do contrato promessa celebrado entre o autor e o réu, em 06.07.2018, descrito em 1) da factualidade provada; b) Condenar o réu a pagar ao autor o montante de € 10.000,00 (dez mil euros), correspondente à restituição do sinal em dobro, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável às obrigações de natureza civil, vencidos e vincendos desde a citação do réu nesta ação até efetivo e integral pagamento; c) Julgar improcedente o pedido de condenação do réu como litigante de má fé.” Inconformado com a sentença dela veio recorrer o Réu formulando as seguintes conclusões: 1. Por douta sentença proferida nos autos, foi o recorrente condenado a pagar ao recorrido o valor de 10.000,00 € (dez mil euros), correspondente ao dobro do sinal pago aquando da celebração do contrato-promessa, sentença com a qual não se conforma.

    1. Entende o réu/recorrente que nenhum valor é devido ao autor/recorrido pois, tal como resulta dos factos dados como provados, este último comunicou àquele a perda do interesse no negócio, a qual foi aceite pelo réu/recorrente, tendo-se por resolvido o contrato promessa celebrado.

    2. Bem como, entende o recorrente não existir culpa grave da sua parte no incumprimento do contrato, nem facto que lhe seja imputável para a não realização do contrato prometido, o que determina que não possa ser exigida a restituição do sinal em dobro prevista pelo art.º 442.º n.º 2 do Código Civil.

    3. Tal como resulta do ponto 15) dos factos provados da sentença recorrida, o Autor/recorrido, em 03/09/2019, por carta registada com A/R, comunicou ao Réu/recorrente que perdera o interesse no negócio (compra do imóvel em causa).

    4. Tendo o Autor/recorrido notificado o Réu/recorrente de que não estava interessado em manter o contrato-promessa, declarando resolver o mesmo por incumprimento imputável ao réu, o incumprimento do contrato deve-se unicamente a culpa daquele, pelo que não é devido o sinal em dobro (art.º 442.º, n.º 2, do CC)http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c1b60 a70362e16eb8025726c0055c921?OpenDocument.

    5. Como ficou provado nos autos (ponto 11 dos factos provados da sentença recorrida), o réu/recorrente informou o autor/recorrido que os herdeiros do anterior proprietário do prédio não estavam em Portugal, não lhe tendo sido possível obter o registo da aquisição a seu favor, tendo o mesmo solicitado que se aguardasse mais algum tempo pelo registo do prédio a seu favor, e o autor/Recorrido aceitou essa solicitação.

    6. Com a comunicação feita pelo autor/recorrido ao réu/recorrente, em 3 de setembro de 2019, de perda de interesse no negócio, a qual foi aceite pelo réu/recorrente, o contrato promessa ficou sem efeito, pelo que nenhuma culpa pode ter o Recorrente de não ter celebrado o negócio com o Recorrido.

    7. Verificando-se a resolução do contrato por perda de interesse por parte do autor/recorrido, a consequência é a da perda do sinal prestado, motivo pelo qual deverá a sentença proferida nos autos ser revogada e substituída por outra que declare a resolução do contrato promessa celebrado e a consequente perda do sinal prestado pelo autor/recorrido.

    8. De qualquer das formas, não se concebe que possa ser exigida ao recorrente a restituição do sinal em dobro, já que tal indemnização apenas pode ter lugar nos casos em que haja culpa grave/causa imputável ao contraente no incumprimento do contrato, o que, veja-se, não é o caso.

    9. Conforme resulta do próprio texto do artigo, o regime do n. º 2 do artigo 442.º do Código Civil pressupõe um incumprimento devido a causa imputável a um dos contraentes, pelo que em caso de incumprimento devido a causa não imputável a qualquer deles os efeitos do sinal ali previstos e regulados não se produzem (http://www.dgsi.pt/Jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/8ed645c2 49dd1c97802575ee005b21be?OpenDocument).

    10. O Réu/Recorrente sempre informou o Autor/recorrido de que precisava que os Herdeiros do promitente vendedor que lhe prometeu vender o prédio e que, entretanto, falecera, procedessem à transmissão do mesmo para o Réu/recorrente, não tendo este podido transmitir o prédio ao recorrido porque aquando da notificação referida nos autos os tais herdeiros ainda não lho tinham transmitido, situação que se mantém até hoje.

    11. Ora, não havendo incumprimento culposo do Réu/recorrente, este não é obrigado a pagar o dobro do sinal ao autor/recorrido, sendo certo que bem sabia o autor/recorrido que o recorrente não concretizou o negócio prometido por causa que não lhe é imputável, isto é, por aguardar que lhe fosse transmitida a propriedade sobre o bem, caso contrário estaria a celebrar um negócio nulo, por estar em causa a venda de um bem alheio.

    12. Tal como resulta do ponto 10) dos factos provados da sentença recorrida, o recorrido bem sabia que a aquisição do prédio em causa não estava registada a favor do recorrente e, como o recorrente se tinha obrigado, pela outorga do contrato promessa, a efetuar o registo a seu favor, até finais de setembro de 2018, foi nessa data (tal como resulta do ponto 11. dos factos provados) que o recorrente informou o recorrido que os herdeiros do anterior proprietário do prédio não estavam em Portugal, não lhe tendo sido possível obter o registo da aquisição a seu favor, solicitando que se aguardasse mais algum tempo, solicitação a que o recorrido prontamente acedeu.

    13. Assim, por não se verificar culpa grave no incumprimento do contrato promessa, nem tão pouco a impossibilidade de celebração do contrato prometido se ficou a dever a causa imputável ao recorrente, impõe-se a revogação da sentença e a sua substituição por outra que considere não estarem preenchidos os requisitos do artigo 442.º n.º 2 do código civil, mormente, a culpa grave do réu/recorrente no incumprimento do contrato.

    14. Inexistindo culpa grave por parte do réu recorrente no incumprimento do contrato promessa, não há lugar à indemnização prevista pelo artigo 442. º n. º 2 do Código Civil, mas apenas à restituição do sinal entregue, por via do artigo 795.º n.º 1 do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT