Acórdão nº 4438/20.9T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório P. S.

e S. D.

intentaram a presente acção declarativa de condenação contra X Seguros, S.A., com sede na Avenida …, n.º …, em Lisboa, incorporada por fusão na X Seguros Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A.

, pedindo a condenação da ré a pagar: ao primeiro autor: a) a quantia de 1.700,00€ pela privação do uso do veículo VS; b) a quantia de 420,00 € relativa a despesas de deslocação para tratamento; c) a quantia de 397,35 € ou, pelo menos de 210,60 €, relativa ao reembolso do apoio que o autor e a esposa tiveram que devolver à Segurança Social.

A pagar ao segundo autor: d) quantia não inferior a 175.000 € a título de dano patrimonial corporal; e) quantia não inferior a 50.000,00 € a título de dano não patrimonial pelo medo de morrer, por todos os entraves e limitações físicas à vida social e familiar, pelos incómodos e pelas repercussões psíquicas e físicas graves de que ficou a sofrer; f) as despesas de diagnóstico, tratamentos e deslocações associadas que, no futuro, se revelem necessárias para a manutenção do seu estado de saúde.

Tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

A ré apresentou contestação. Aceita na sua quase totalidade a descrição da dinâmica do embate e, por essa razão, a culpa do seu segurado, bem como parte dos danos decorrentes do mesmo embate, impugnando parcialmente aquela descrição e os restantes danos invocados, mais alegando o pagamento do valor peticionado na al. c).

Os autores formularam os aludidos pedidos a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em virtude de acidente de viação que descrevem, cuja ocorrência imputam à conduta culposa do condutor do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula RQ, acrescentando que a responsabilidade civil por danos causados a terceiros com este veículo se encontrava transferida para a ré seguradora.

Dispensada a realização da audiência prévia, foi fixado o valor da causa e proferido o despacho saneador, após o que foi selecionado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Depois de produzida a prova pericial foi realizada a audiência final, após o que foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva: «Pelo exposto, o tribunal julga a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condena a ré X Seguros Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. a pagar: 1. Ao autor P. S. a quantia de 1.220,00 €, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a data da citação até integral pagamento; 2. Ao autor S. D. a quantia de 105.000,00 €, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal de 4%, desde a data da citação no que respeita a 55.000,00 € e desde a data da presente sentença no que respeito aos restantes 50.000,00 €, até integral pagamento.

*Custas por autores e ré, na proporção dos respectivos decaimentos.

Mantenho o valor da acção em 227.517,35 € (cfr. artigo 299.º, n.º 4, do CPC).. artigo 299.º, n.º 4, do CPC)».

Inconformada, veio a ré interpor recurso da sentença proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Não estando em discussão o apuramento da responsabilidade pela verificação do acidente, não se conforma a ora Recorrente com os montantes arbitrados na douta sentença a título de danos patrimoniais e não patrimoniais a pagar ao Autor S. D., uma vez que os mesmos, segundo o entendimento da ora Recorrente, são manifestamente excessivos e severos, não correspondendo, salvo o devido respeito, a critérios equitativos, reais e objetivos.

  1. De facto, entendeu a sentença recorrida condenar a Ré, ora Recorrente, a indemnizar o Autor S. D. no montante de € 55.000,00, a título de danos patrimoniais (dano biológico), e no montante de € 50.000,00, a título de danos não patrimoniais.

  2. Incorre assim a sentença em errada interpretação e/ou aplicação do disposto nos artigos 483.º, n.º 1, 494.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º, 564.º, e 566.º, n.º 3, todos do Código Civil, na medida em que a indemnização total arbitrada se tem por excessiva ou desrazoável.

  3. Motivo pelo qual, a ora Recorrente não pode de todo concordar com os montantes arbitrados pelo douto Tribunal a quo.

  4. Quanto ao montante fixado a título de danos patrimoniais (dano biológico), entendeu o douto Tribunal a quo fixar a indemnização devida pelos prejuízos decorrentes do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica em € 55.000,00.

  5. Aqui, e procurando atingir a justiça do caso, têm os tribunais vindo a acolher a solução de a indemnização do lesado por danos futuros dever representar um capital que se extinga ao fim da sua vida ativa e seja suscetível de lhe garantir, durante a mesma, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.

  6. O STJ tem entendido que deve haver uma ponderação judicial com base na equidade, devendo ser deduzida a importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida (em média um terço dos proventos auferidos).

  7. Destarte, o ressarcimento dos danos futuros depende da sua previsibilidade e determinabilidade - artigo 564, n.º 2 do Código Civil.

  8. Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente previsíveis como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente por virtude de lesão corporal.

  9. É verdade que o STJ tem entendido que, “Consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão direta no exercício da profissão habitual. Considera-se ainda que o aumento da penosidade e esforço pode ser atendido nesse mesmo âmbito (danos patrimoniais) – e não apenas no âmbito dos danos não patrimoniais –, desde que seja provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de atividade profissional ou de outras atividades económicas.

    ” – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 2028/12.9TBVCT.G1. S1 de 25-05-2017.

  10. Posto isto, e não obstante o tribunal no momento de definir o montante da indemnização possa ser orientado por juízos de equidade, tal ponderação deve ser casuística, verificando as circunstâncias do caso, com alguma margem de discricionariedade do julgador, mas sem colidir com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

  11. Assim, por exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/07/2003, revista 1739/03, só sumário: “I - A jurisprudência nacional tem vindo a fazer um grande esforço de clarificação no que concerne à determinação do montante da indemnização devida pelos danos futuros associados à IPP de que o lesado ficou a padecer, considerando que não é conveniente alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos, que não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país, e que é vantajoso que o caminho no sentido duma progressiva actualização das indemnizações se faça de forma gradual, sem rupturas e sem desconsiderar as decisões precedentes acerca de casos semelhantes. (Sublinhado e negrito nossos).

  12. De facto, resultou provado que o Autor S. D. ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 7,76318 pontos, que tinha 16 anos à data do acidente, e que as sequelas do acidente são compatíveis com a atividade profissional que desempenha, mas implicam esforços suplementares.

  13. Assim, este défice de que padece o Autor S. D. diz única e exclusivamente respeito à incapacidade geral (fisiológica ou funcional), ou seja, às tarefas comuns e indiferenciadas da vida corrente e que interessa a todos os indivíduos, independentemente da sua idade ou profissão, dado que o Autor não logrou demonstrar que tivesse ficado impossibilitado de trabalhar – como não ficou.

  14. Acresce que, deve ainda atender-se também a valores jurisprudenciais que têm vindo a ser estabelecidos.

  15. Nesse sentido, veja-se a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 10/11/2016, 20/09/2011, 21/04/2010, 18/03/2010 e 25/03/2009, que menciona as seguintes decisões e indemnizações atribuídas: (1.º) Com uma incapacidade avaliável em 31,20%, a um lesado com a idade de 18 anos foi fixada a indemnização por dano biológico em €15.000,00. (2.º) Com uma incapacidade avaliável em 15%, a um lesado de 16 anos, fixou-se a indemnização de € 60.000,00. (3.º) Com uma incapacidade de 12 pontos, mereceu um lesado com 9 anos, a indemnização de € 32.000. (4.º) Com a incapacidade de 15%, a um lesado de 16 anos foi arbitrada a indemnização de € 35.000,00. (5.º) Com igual incapacidade, de 25%, a um lesado de 16 anos foi fixada a indemnização de € 39.002,50.

  16. Ora, considerando ainda o que dispõe o artigo 8.º do CC, a justiça do caso concreto há de procurar-se também recorrendo a casos de natureza semelhante que já tenham sido apreciados pelos Tribunais.

  17. Pelo exposto, deverá o valor atribuído a título de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica do Autor S. D. ser reduzido para um montante consentâneo com o quadro fáctico apurado, nunca superior a € 25.000,00.

  18. Relativamente, aos danos não patrimoniais, fixou a sentença tal compensação na quantia de € 50.000,00.

  19. A ora Recorrente não pode deixar de se insurgir contra a compensação arbitrada ao Autor S. D. a título de danos não patrimoniais, porquanto a mesma é manifestamente excessiva e extravasa os padrões comuns da nossa jurisprudência.

  20. A indemnização do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização, pois não coloca o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse tido lugar, mediante a concessão de bens com valor equivalente ao dos...

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