Acórdão nº 935/20.4T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I.

Relatório C. V.

veio propor a presente ação de processo comum contra X - Companhia de seguros, S.A.

pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €250.000,00, referente ao défice físico-psíquico, ou dano biológico, de que ficou a padecer, de €100.000.00, referente aos danos não patrimoniais e de €126.511,66, referente aos danos patrimoniais; e ainda a indemnizá-la dos danos patrimoniais e não patrimoniais, previsíveis (danos futuros), que fossem consequência direta do acidente, a liquidar em execução de sentença ou incidente de liquidação e a pagar-lhe, em dobro, os juros de mora, calculados à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a citação até pagamento.

Para tanto, alegou em síntese que era passageira de um veículo automóvel, seguro na Ré, quando o seu condutor causou um acidente de viação, do qual foi o único culpado e que, em consequência, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.

Regularmente citada a Ré veio contestar invocando a litigância de má-fé da Autora, confessando parte da factualidade relativa à ocorrência do sinistro e impugnando grande parte da factualidade referente aos danos.

Mais alegou ter dúvidas sobre a legitimidade da Autora para pedir o pagamento das perdas salariais tidas pela sua mãe, e que aquela nunca lhe apresentou qualquer pedido de indemnização, tendo, ainda assim, solicitado o envio de documentação, para lhe apesentar uma proposta de indemnização, ao que a Autora não deu satisfação, razões pelas quais, não chegou a apresentar-lhe proposta de indemnização, não sendo devidos juros de mora ao dobro da taxa legal, como pretendido pela Autora.

A Autora respondeu pugnando pela improcedência da litigância de má-fé e da ilegitimidade, invocadas pela Ré.

Foi proferido despacho saneador e despacho a identificar o objecto do processo e a enunciar os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência: a) Condeno a R. a pagar à A., a quantia de € 71.859,66 (setenta e um mil oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos); b) Condeno ainda a R., a pagar à A., juros de mora, à taxa legal, contados sobre a quantia de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros), desde a data da presente decisão até integral pagamento e, contados sobre a quantia remanescente de 6.859,66 (seis mil oitocentos e cinquenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos), desde a citação da R. até integral pagamento; c) Mais condeno a R. a pagar à A., a quantia ilíquida, relativa ao que a mesma gastar com a aquisição de analgésicos; d) Absolvo a R. do demais peticionado; e) E absolvo a A. da pretendia condenação como litigante de má fé.

Custas a cargo de A. e R., na proporção dos respetivos decaimentos (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza a A.) - art. 527º, do C.P.C.

Reduzo o pagamento do remanescente da taxa de justiça em 90% (noventa por cento) - havendo a pagar apenas 10% - , por se verificarem os pressupostos aludidos no art. 6º, n º 7, do RCP, que tal redução justificam (não dispenso, porém, o pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça porquanto, tal não pagamento está previsto para as situações em que o processo termine antes de concluída a fase de instrução - art. 6º, n º 8, do R.C.P., situação que tem que ser distinguida daquela em que, terminada a fase de instrução, foi proferida sentença, pois que, nesta situação, houve um acréscimo significativo de serviço prestado às partes, que justifica então, um pagamento acrescido; sob pena de assim não sendo, se poder estar a violar o princípio constitucional da igualdade que, se impõe que situações iguais ou idênticas sejam objeto de igual ou idêntico tratamento, também impõe que, situações significativamente distintas sejam objeto de distinto tratamento - como são aquelas em que, um processo termina antes de acabar a fase da instrução e aquele em que terminada a instrução, é proferida uma sentença, peça processual que implica um acréscimo significativo de serviço).

Registe - art. 153º, n º 4, do C.P.C.

Notifique - art. 220º, n º 1, do C.P.C.” Inconformada, apelou a Autora da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma: “1ª: Com o Presente Recurso, pretende a Recorrente o reexame das questões referentes aos montantes fixados a título de dano biológico ou défice permanente da integridade físico-psíquica, a título de danos não patrimoniais e aos juros de mora.

Do défice permanente da integridade físico-psíquica ou dano biológico: 2ª: Conforme vem sendo entendido pela Jurisprudência, a determinação da indemnização pelo dano biológico ou défice permanente da integridade físico-psíquica, na sua vertente patrimonial e particularmente por danos não patrimoniais, obedece a juízos de equidade assentes numa ponderação casuística, à luz das regras da experiência comum.

  1. : Os casos mais frequentes em que o Tribunal tem de atender aos danos futuros são aqueles em que o lesado perde ou vê diminuída, em consequência do facto lesivo, a sua capacidade laboral, como sucede no caso sub judice, porquanto se encontra provado que a Autora/Recorrente ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 13 pontos e que as sequelas, sendo, embora, compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, implicam esforços suplementares.

  2. : Para além do acabado de referir, releva que à Autora advieram, também, em consequência do referido défice, dificuldades na execução de certas tarefas quotidianas, que lhe são hoje mais penosas, tem necessidade permanente de recorrer a medicação regular analgésica, o que naturalmente, lhe afeta, de forma permanente, o exercício da sua atividade profissional, bem como, ainda, o desempenho das restantes tarefas do seu dia-a-dia, como sejam as domésticas.

  3. : Para efeitos de fixação da indemnização a este título, considerou o Tribunal a quo ser de atender, para além do grau de afetação fixado (13 pontos) e da repercussão permanente na sua atividade laboral (exigência de esforços acrescidos), à idade da Autora (36 anos à data do acidente).

  4. : No que concerne à esperança de vida, considerou o Exmo. Tribunal, conforme resulta da alínea f) do 4º parágrafo da página 22 da douta sentença, que se deve ter preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma.

  5. : Porém, quando se socorreu de fórmulas ou tabelas para efetuar o cálculo da indemnização a atribuir à Autora a este título, mormente usando a fórmula do Exmo. Sr. Conselheiro Sousa Dinis, o Tribunal a quo atendeu, aos 70 anos de idade, como constituindo o limite habitualmente considerado da idade ativa.

  6. : Atendendo a que a Autora, à data do acidente tinha 36 anos de idade, considerou o Tribunal que a repercussão do défice funcional permanente de que ficara a padecer - 13 pontos - se iria fazer sentir durante cerca de 34 anos (70-36), pelo que, tendo por base estes critérios, e a fórmula acima mencionada, chegou ao montante de €43.625,40.

  7. : Usando a mesma fórmula, se ao invés de considerar os 70 anos de idade ativa, o Exmo. Tribunal tomasse por referência os 83, que correspondem à esperança média de vida, para as mulheres em Portugal, como começara por referir, teria concluído que o défice permanente de que a Autora ficou portadora se iria manifestar durante cerca de 47 anos (83-36) e não apenas de 34, e, por conseguinte, teria chegado ao valor de €60.305,70.

  8. : Ao montante apurado, entendeu o Tribunal a quo, ser de descontar 15%, pela antecipação do pagamento, atento o longo período de adiantamento que haverá e porque o mesmo é sempre propiciador de possíveis rentabilizações, que de outro modo não poderiam ocorrer, tendo assim, chegado ao valor de €37.081,59, que a final, por equidade, fixou no montante global de €40.000,00.

  9. : Com o devido respeito, que é muito, por diferente e melhor opinião, considera a Autora/Recorrente que o Tribunal não sopesou, devidamente, todas as circunstâncias do caso concreto, relevantes para o apuramento da indemnização a título de dano biológico.

  10. : Na verdade e como bem referiu, deverá relevar a maior dificuldade que a Autora tem, agora, em arranjar emprego, atentas as limitações de que ficou a padecer, como de resto, tem tido, pois continua sem arranjar trabalho, numa região altamente carenciada de empregos, muito mais de empregos que não exijam um braço esquerdo plenamente funcional, como a Autora não tem e, quando é sabido que, a generalidade dos empregadores, não se dispõe a empregar alguém com limitações, quando pode ter alguém que não tem essas limitações.

  11. : Encontra-se suficientemente demostrado, pelos factos dados como provados nos autos, o aumento da penosidade e esforço da Autora para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras, compatíveis com as suas qualificações e competências, pelo que as lesões sofridas tiveram significativa repercussão negativa sobre o desempenho da sua profissão habitual ou de outras similares, lesões essas decorrentes de um acidente, por cuja ocorrência foi exclusivamente responsável o segurado da Ré e para o qual a Autora em nada contribuiu.

  12. : Por outro lado, considera a Autora que para o apuramento do capital produtor do rendimento, que se extinguirá no termo do período da sua vida, que entende dever ser determinado com base na esperança média de vida (até aos 83 anos), dever-se-á, também, ter em conta, a taxa de crescimento dos salários, a taxa da inflação e a taxa de juro média, praticada no mercado financeiro para as aplicações sem risco.

  13. : Vejamos que desde o ano de 2014, até à presente data, o salário mínimo nacional passou de €485,00 para €705,00, sendo expectável, que o mesmo venha a...

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