Acórdão nº 3236/13.0TJVNF-AE.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ CARLOS DUARTE
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1.

Relatório X Sport Club instaurou, por apenso aos autos de insolvência de Y – Imobiliária, Ld.ª, acção de separação e restituição de bens contra a Massa insolvente de Y Imobiliária, Ldª, os seus credores, a Y Imobiliária, Ldª, o BANCO ... – Banco ..., SA – em liquidação e o Condomínio do Prédio sito na Urbanização ..., Bloco …, Rua ..., n.º …, Vila Nova de Famalicão, pedindo fossem os RR. condenados: a) reconhecer o direito propriedade da A., adquirido por contrato verbal de doação no ano de 1981; b) subsidiariamente, a reconhecer o direito de propriedade da Autora, adquirido de forma originária, via usucapião, sobre o imóvel melhor identificado no art.º 3º da PI, com efeitos à data de 1981.

Em consequência do aludido reconhecimento de direito de propriedade da Autora, c) Deve ordenar-se a separação da referida fração dos bens apreendidos à 1.ª Ré e a mesma restituída à Autora; d) ser cancelada a inscrição, em sede de registo predial do imóvel a favor da Y Imobiliária Lda., pela AP. 33 de 1999/05/25; e) ser ordenado o cancelamento da inscrição, em registo predial, das penhoras registadas a favor dos 4º e 5º RR, pela AP. 41 de 1999/08/18 e AP. 240 de 2017/07/25, respectivamente.

Alegou para tanto que a Y – Imobiliária, Ldª foi declarada insolvente por sentença proferida a 07 de janeiro de 2014, transitada em julgado; o Sr. AI procedeu à apreensão da fracção autónoma, que identifica, a qual se encontra inscrita a favor da insolvente; a referida fracção foi doada à A., verbalmente, em 1981, pela W – Construções Aceleradas e Obras Públicas, Ldª e aceite pela A., para que esta ali alojasse atletas e utilizasse e usasse como lhe aprouvesse; em contrapartida a referida sociedade podia publicitar no estádio e instalações da A. a sua actividade e comércio; o gerente da referida sociedade entregou as chaves da fracção ao então Presidente da A.; desde 1981 que passou a usar a referida fracção, nela alojando atletas, procedeu e vem procedendo, desde 1981 até ao presente, a obras de beneficiação e conservação da fracção, mandando pintar os referidos cómodos e remodelando os quartos de banho e cozinha, mobiliou-a, celebrou contratos de electricidade e água para a mesma e vem pagando o respectivo consumo desde 1981 até ao presente; vem pagando as comparticipações de condomínio desde 1981 até ao presente Mais alega que há mais de 15, 20 e 30 anos que entrou na posse e fruição do imóvel, ocupando-a de forma pública, à vista de todos, sem qualquer interrupção ou ocultação de quem quer que seja, por forma correspondente ao direito de propriedade; a posse foi adquirida de forma pacífica, sem violência, à vista de toda a gente e de boa fé, porque os referidos actos de posse não lesaram qualquer direito de outrem, continuando a posse a ser exercida de forma pública e à vista e com conhecimento da generalidade das pessoas; há 30 anos que é reconhecido no meio que o imóvel pertence à A.; nunca foi concretizada a escritura pública em virtude da sucessiva alteração da titularidade dos órgãos sociais da A. e da 1ª Ré, para o que contribuiu a circunstância de ser aceite por todos que o imóvel pertencia à A.; a transmissão do património da W para a Y foi formal porque ambas as empresas tinham uma relação umbilical, sendo geridas por familiares próximos; nenhuma delas se arrogou, desde 1981, até ao presente, dona da fracção referida, ou sequer praticou actos de posse em relação á mesma, porque cientes que não lhes pertencia; o Sr. AI participou na Assembleia de condóminos de 20/12/2019, o que surpreendeu a administração do condomínio e os condóminos, que tinham a convicção que o imóvel pertencia à A., pese embora não costume fazer-se representar nas assembleias.

Finalmente alegou que os RR. Banco ... e Condomínio inscreveram duas penhoras sobre a fracção AU; em virtude da declaração de insolvência da 1ª Ré, tais penhoras terão que ser levantadas e extintas; mas como consequência da separação da fracção AU da massa, os referidos Banco ... e Condomínio poderiam pretender prosseguir com a execução das penhoras sobre a referida fracção, assiste á A. o interesse em que tais RR. também sejam demandados para reconhecer o direito de propriedade da A. e serem condenados a reconhecer a extinção e levantamento de tais penhoras e seu cancelamento no registo predial.

*Contestou a Massa insolvente por impugnação, dizendo que a apreensão para a Massa da fracção em referência ocorre em Fevereiro de 2015, a propriedade da fracção está inscrita favor da insolvente, pelo que beneficia da presunção a que alude o art.º 7º do CRPredial.

*Contestou o Banco ... – Banco ..., SA – em liquidação por impugnação e dizendo que a A. sustenta que a fracção lhe foi doada pelo então legal representante da W em 1981, mas da documentação junta aos autos resulta que o prédio em que se encontra a fracção em referência nos autos apenas foi adquirido pela W a 07/11/1991 e a constituição da propriedade horizontal apenas teve lugar a 21/11/1991; a doação seria nula por inobservância da forma legal prescrita para os contratos de doação de coisas imóveis; a doação sempre seria nula por se tratar de liberalidade não usual, que não é necessária nem conveniente à prossecução do fim da sociedade; a propriedade da fracção está inscrita favor da insolvente, pelo que beneficia da presunção a que alude o art.º 7º do CRPredial; a alegação da A. de que os seus atletas habitam a fracção durante o período circunscrito á época desportiva, não constitui reflexo de um poder de controlo ou actuação duradoura sobre a fracção, nem apresenta “energia suficiente” para intender uma relação de domínio ou poder de facto sobre a fracção; os contratos de electricidade e de fornecimento de água, a aquisição de mobiliário e o pagamento das comparticipações do condomínio podem ser praticados por qualquer pessoa; a A. actuou como mera detentora da fracção em referência nos autos, em face da alegação da A. de que passou a utilizar a fracção por necessidade de ali alojar os seus atletas durante a época desportiva em troca da possibilidade de publicitar no estádio e instalações da A. a actividade por si desenvolvida.

*Foi designada data para Audiência prévia, em que foi tentada a conciliação das partes, que não se revelou possível, tendo a Mmª Juiz ordenado fossem conclusos os autos a fim de proferir despacho saneador, o que veio a suceder a 09/11/2021, e no qual a Mmª Juiz considerou “assentes” um conjunto de factos, que não foram objecto de qualquer impugnação, mas apenas de um pedido de rectificação por parte do Banco ... quanto à alínea H) e consignou os factos “a provar”, também estes sem qualquer reclamação.

*Realizou-se o julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu: “Termos em que julgo a acção procedente, ordenando a separação da massa da fracção autónoma destinada a habitação, com área bruta de 54,300 m2, designada pela letra AU, do tipo T1 , com entrada pelo n.° .., bloco 3, do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, da União de freguesias de ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.° … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial …, reconhecendo-se aos Autores o seu direito de propriedade sobre o mesmo; Ordeno, ainda, o cancelamento da inscrição do prédio urbano a favor da Y – Imobiliária, Lda e das penhoras dos 4.º e 5.ºs RR.

Condeno, ainda, todos os Réus a reconhecerem o direito de propriedade aos Autores sobre o mesmo prédio, abstendo-se de qualquer contenda com tal direito.”*Inconformado veio o R. Banco ... interpor recurso pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada, com as devidas consequências legais, (i) não reconhecendo o direito de propriedade da Autora sobre a fração sob discussão, (ii) julgando improcedente o pedido de cancelamento da penhora registada a favor do Réu Banco ..., e (iii) julgando integralmente improcedentes os demais pedidos formulados pela Autora, tendo concluído as suas alegações com as seguintes conclusões (prolixas em virtude, além do mais, de não se ter em consideração o que deve constar da motivação e o que deve constar das conclusões - sobre esta questão vd. o Ac. do STJ de 19.02.2015, proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, onde se refere que o recorrente deve indicar, nas conclusões, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e, na motivação, deve identificar os meios de prova que, na sua perspetiva, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, bem como as passagens da gravação relevantes e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas e Abrantes Geraldes, in Recursos em processo Civil, 6ª edição, pág. 196-197): I. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida no processo supra identificado, datada de 30 de março de 2022, a qual julgou “a ação procedente, ordenando a separação da massa da fracção autónoma destinada a habitação, com área bruta de 54,300 m2, designada pela letra AU, do tipo T1 , com entrada pelo n.° .., bloco .., do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, da União de freguesias de ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.° … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial ….”, reconhecendo à Autora o seu direito de propriedade sobre o mesmo e ordenando, consequentemente, o cancelamento da inscrição do prédio urbano a favor da Y – Imobiliária, Lda. (“Y”) e das penhoras dos 4.º e 5.ºs RR, condenando ainda todos os Réus a reconhecerem o direito de propriedade da Autora sobre o mesmo prédio, abstendo-se de qualquer contenda com tal direito.

  1. O Tribunal a quo concluiu, em suma, que a Autora exerceu posse verdadeira e própria sobre a fração em discussão nos presentes autos, “posse boa para usucapião”, integrada pelo corpus e pelo animus...

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