Acórdão nº 8/14.9T8VNF.3.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelROSÁLIA CUNHA
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: Questão Prévia Compulsados os autos, verifica-se que o recorrente procedeu ao pagamento da quantia de € 12,75 referente à multa pela apresentação do recurso fora de prazo.

Pese embora a incorreção do pagamento, por defeito, da multa referida no artº 139º, nº5, alínea b), do CPC, considerando a circunstância de o recorrente beneficiar de apoio judiciário e mostrando-se desproporcionada a multa que seria devida (2UC) face à pertinência das questões levantadas, nos termos do artº 139º, nº 8, do CPC dispensa-se o pagamento da multa na parte que foi omitida.

RELATÓRIO Em 22.6.2021, L. F., UNIPESSOAL, LDA.

veio deduzir incidente de liquidação de sentença contra F. P.

pedindo que o requerido seja condenado no pagamento da quantia de 621 056,60 €, respeitante aos prejuízos causados por conta dos seus créditos não satisfeitos no processo de insolvência, acrescida de juros de mora desde a data da sentença e sanção pecuniária até integral pagamento.

Como fundamento do seu pedido alega, em síntese, que, no âmbito do incidente de qualificação de insolvência, que correu termos sob o apenso C, o requerido foi condenado a pagar aos credores o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pela Administradora da Insolvência que não tenham sido liquidados pelo produto da liquidação do ativo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar após a elaboração do rateio final, valor a fixar em liquidação de sentença.

À requerente foi reconhecido um crédito no valor de € 422 879,98, a que acrescem juros no valor de € 198 176,62.

O processo de insolvência foi encerrado por insuficiência da massa, inviabilizando, assim, a possibilidade de a requerente receber qualquer valor do seu invocado crédito no montante peticionado.

*Regularmente citado, o requerido apresentou contestação na qual invocou a ilegitimidade ativa do requerente, uma vez que a sua responsabilidade decorre de, nos termos do art. 189º, nº 2, al. e), do CIRE, ter sido declarado afetado pela qualificação como culposa da insolvência da sociedade X – Fabrico e Comércio de Produtos Alimentares, Lda., da qual foi gerente, pelo que o beneficiário do direito à indemnização é a massa insolvente e não cada credor individualmente considerado. Como tal, a legitimidade para interpor a presente ação pertence em exclusivo ao administrador da insolvência, e não à requerente.

Defendeu que não há lugar ao pagamento de quaisquer juros porque a sentença não condenou no respetivo pagamento.

Sustentou que o crédito da requerente também não pode ser pago no valor de € 422 879,98, mas sim no valor de € 324 644,96, correspondente a 76,77% daquele, por ser esse o valor percentual do crédito da requerente relativamente ao montante global de créditos reconhecidos.

Além disso, o crédito da requerente, atenta a graduação efetuada e por se tratar de crédito comum, também só poderia ser pago depois de pagos os créditos graduados antes dele e sempre de forma rateada.

À data da declaração de insolvência, a insolvente era titular de vários créditos no montante global de € 285 305,37 e era detentora de vários títulos cambiários, letras e cheques.

Tal não foi tido em conta pela administradora da insolvência no que respeita à decisão de encerramento do processo por insuficiência da massa.

Esta situação deve dar lugar à reabertura do processo para consequente liquidação do ativo da sociedade insolvente.

No incidente de liquidação deve ainda ter-se em conta a situação de depressão e alheamento em que esteve o requerido no período de 2013 a 2019 e deve valorar-se a conduta do requerido para apurar o valor justo e equitativo da indemnização a arbitrar, não devendo a mesma ser fixada com recurso a uma operação de simples aritmética.

Por outro lado, uma vez que entre a decisão de insolvência culposa e o encerramento do processo decorreram mais de três anos, está precludido o direito de deduzir incidente de liquidação.

Impugnou ainda parte da factualidade alegada e terminou pedindo a sua absolvição do pedido.

Arrolou prova testemunhal.

*A requerente apresentou resposta, pugnando pela improcedência da exceção de ilegitimidade ativa posto que, após o encerramento do processo, cessaram as funções do administrador da insolvência, podendo os credores exercer e reclamar os seus direitos.

Entende que os juros são devidos porque se consideram abrangidos na condenação.

O valor a considerar deve ser o do crédito, e não a percentagem que ele representa no total de créditos reconhecidos.

O requerido não pode suscitar, em sede de incidente de liquidação, questões atinentes à existência de ativo da insolvente quando não o fez na altura e o processo foi encerrado, por insuficiência da massa, e não pode também suscitar questões atinentes à sentença que se liquida, sob pena de ocorrer violação do caso julgado.

Por outro lado, não ocorre qualquer preclusão do direito pois a requerente dispõe do prazo de 20 anos, nos termos do art. 309º, do CC, para exercer o seu direito de liquidação.

Pugna pela improcedência de todas as exceções deduzidas pelo requerido.

*Foi proferido despacho que fixou à causa o valor de € 621 056,60.

*Foi proferido despacho saneador tabelar.

*Considerou-se que o processo continha já todos os elementos para proferir decisão de mérito, pelo que foi proferida decisão com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, decido julgar totalmente procedente o presente incidente de liquidação de sentença e, em consequência, condeno o requerido F. P. a indemnizar a requerente L. F.

Portugal, S.

A.

na quantia de 422 879,98 € (quatrocentos e vinte e dois mil oitocentos e setenta e nove euros e noventa e oito cêntimos), acrescida dos juros legais comerciais vencidos desde a data de vencimento de cada uma das facturas em causa, até efectivo e integral pagamento.”*O requerido não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “A - As questões que o ora Recorrente pretende sejam apreciadas no presente Recurso se resumem às seguintes: - A decisão recorrida é nula por falta de fundamentação de facto e de direito sobre questões alegadas pelo Recorrente.

– A decisão recorrida é nula, por falta de pronuncia no que respeita ao vertido em sede de oposição – A Recorrida é parte ilegítima porquanto a legitimidade para propositura da lide cabe à massa insolvente – A decisão recorrida viola o disposto no nº 1 do art. 609º do CPC, porque condenou o Recorrente em quantidade superior e em objeto diverso do pedido.

– A determinação do valor apurado na liquidação de sentença não resulta do simples cálculo aritmético, entre os valores da Relação de Créditos o valor recebido – A determinação do valor de indemnização a receber pela Recorrida deve apurar-se tendo em consideração o valor percentual do seu crédito e a sentença de graduação de créditos – Violação do princípio par conditio creditorum ou princípio da igualdade entre credores – Preclusão e caducidade do direito B - O Recorrente invoca nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo por omissão de pronuncia e falta de fundamentação nos termos do 615º nº 1 als. b) e d), do C.P.C.

C - A decisão do Meritíssimo Juiz a quo tem de ser fundamentada, indicando objetivamente os factos que considerou provados e estiveram na base daquela decisão.

D - A Sentença limitou-se a fazer uma apreciação linear do pedido da Recorrida, não se manifestou quanto ao enquadramento do alegado e da prova junta pelo Recorrente.

E - A fundamentação da matéria de facto e de direito, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objetividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão.

F - Não tendo o Tribunal a Quo se pronunciado quanto a estas questões, nem tendo fundamentado quanto a outras, como era seu dever, é, nessa medida a sentença nula nos termos do artigo supra mencionado G - A legitimidade para apresentar o requerimento de liquidação e a consequente execução de bens do Recorrido cabe à massa insolvente e não ao credor constante na Relação de Bens individualmente considerado.

H - Não existiu entre as partes qualquer relação contratual, fundando-se o pretenso direito desta na responsabilidade civil aquiliana assacada ao referido Réu.

I - Os pressupostos, requisitos e limites da responsabilidade/indemnização terão de se verificar dentro do processo insolvencial.

J - Pois o Recorrente foi condenado pela sua conduta, enquanto gerente da “X”, em relação a todos os seus credores e na medida em que a sua culposa actuação a todos afectou, sendo que, o beneficiário direto da indemnização a que se refere o artº 189º nº2 alínea e) do CIRE é a massa insolvente e não cada um dos credores individualmente considerados.

L - A satisfação dos credores, apesar de finalidade prima do processo de insolvência, deve obediência às regras do CIRE – art.º 90.º, sendo o regime insolvencial o único que garante a igualdade entre os credores da insolvência que estejam nas mesmas condições, nomeadamente na mesma classe de créditos, tal qual como previsto no art.º 47.º, n.º 3, do CIRE.

M - As indemnizações devem, por isso, integrar primeiro a massa insolvente e, só depois, servirem para pagar aos credores” (ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS “Um Curso de Direito da Insolvência”, Fevereiro de 2015, p. 389).

N - A beneficiária desta indemnização deve ser, diretamente, a massa insolvente e apenas reflexamente cada credor que viu o seu crédito reconhecido e não pago.

O - Outra não poderá ser a interpretação também se considerarmos o regime impositivo do art.º 83.º, n.º 3, al. b), do CIRE, cuja aplicação por analogia fará, nesta situação, todo o sentido.

P - No mesmo sentido propugna MARIA DO ROSÁRIO EPIFANIO, em “Manual de Direito da...

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