Acórdão nº 5044/20.3T8BRG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO MAURÍCIO
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO (1) ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, * * *1. RELATÓRIO 1.1. Da Decisão Impugnada No presente inventário para partilha dos bens comuns subsequente ao divórcio, que corre termos no Juízo de Família e Menores de Braga, em que é Requerente J. J.

e Requerida E. P.

, na data de 20/10/2020, o Requerente apresentou a relação de bens, na qual, para além do mais, relacionou os seguintes bem e crédito: - «Verbaº6 - O prédio urbano, composto de edifício de cave e rés-do-chão, destinado a actividade industrial, com logradouro, sito na Rua ..., n.º …, da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho de Amares, descrito na Conservatória do Registo Predial de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o número ... e inscrito sob o artigo ...º da matriz da extinta freguesia de ..., com o valor patrimonial de noventa e quatro mil oitocentos euros € 94.800,00»; - e «Verba nº9 – Crédito sobre a sociedade “X – Sociedade de Pichelaria e Aquecimento Central, L.da”, pessoa colectiva número ........., com sede na Rua ..., n.º …, União de Freguesias de ..., ... e ..., concelho de Amares, relativa a rendas vencidas e não pagas no âmbito do contrato de arrendamento celebrado entre o aqui Requente e Requerida, na qualidade de senhorios, e a dita sociedade, na qualidade de inquilina, sobre o prédio descrito sob a verba nº6 supra, no montante de 36.000,00 euros».

Após citação, na data de 19/01/2021, para além do mais, a Requerida apresentou reclamação contra a relação de bens, através da qual, para além do mais, relativamente àquela verba nº6 se limitou a alegar que “não obstante tenha sido relacionado pelo respectivo valor tributável, como efectivamente tem de ser, adianta-se, desde já, que o seu valor real actual é de, pelo menos, 250.000,00€ (duzentos e cinquenta mil euros), pelo que se requererá a sua avaliação”. Nesta reclamação, a Requerida não se pronunciou relativamente àquela verba nº9.

O Requerente veio responder à reclamação, através de requerimento de 06/05/2021, através da qual, para além do mais, alegou que o prédio que compõe a verba nº6 da relação de bens «foi adquirido pelo preço de 7.000,000$00 a J. L., em finais de 2002 e integralmente pago com o dinheiro proveniente da venda de um bem próprio do cabeça de casal». Nesta resposta, a Requerente não se pronunciou sobre a verba nº9.

Em 17/09/2021, o Tribunal a quo proferiu despacho, através do qual, para além do mais, foi julgada “parcialmente procedente a reclamação apresentada” pela Requerida contra a relação de bens e se decidiu “b) remeter os interessados para os meios comuns quanto à matéria relacionada com as verbas nº6…”. Neste despacho, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a Verba nº9.

Na data de 28/10/2021, o Requerente apresentou nova relação de bens, da qual foram excluídos o bem imóvel e o crédito que constavam respectivamente da verba nº6 e da verba nº9 da relação de bens inicial.

Na data de 15/11/2021, a Requerida veio apresentar em juízo requerimento com o seguinte conteúdo (na parte que aqui releva): “1. A relação de bens ora apresentada não se encontra completa, na medida em que ficaram por relacionar duas verbas, a saber: a) Crédito do património comum sobre a sociedade “X – Sociedade de Pichelaria e Aquecimento Central, L.da”, pessoa colectiva número ........., com sede na Rua ..., n.º 307, União de Freguesias de ..., ... e ..., concelho de Amares, relativa a rendas vencidas e não pagas no âmbito do contrato de arrendamento celebrado entre os aqui Requente e Requerida, na qualidade de senhorios, e a dita sociedade, na qualidade de inquilina, sobre o prédio urbano, composto de edifício de cave e rés-do-chão, destinado a actividade industrial, com logradouro, sito na Rua ..., n.º …, da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho de Amares, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amares sob o número ... e inscrito sob o artigo ...º da matriz da extinta freguesia de ..., no montante de 36.000,00 euros, sem prejuízo da necessária actualização; b) … 2. As duas verbas acima referidas estavam relacionadas sob os n.ºs 9 e 20 da relação de bens inicialmente apresentada pelo Cabeça de Casal, não tendo as mesmas sido objecto de reclamação, devendo, por isso, manter-se.

  1. Quanto ao crédito do património comum sobre a sociedade X, diga-se, desde já, que, independentemente da natureza própria ou comum do prédio objeto do contrato de arrendamento (que se discute), as respectivas rendas constituem bem comum, como, aliás, resulta de abundante jurisprudência e, nessa medida, tal crédito tem necessariamente de ser aqui relacionado.

    Termos em que deverão ser relacionadas as duas verbas acima descritas, devendo o Cabeça de Casal ser notificado para o efeito”.

    Através de requerimento de 24/11/2021, o Requerente veio responder, na parte que aqui releva, que «não relacionou as rendas vencidas e não pagas pela sociedade X – Sociedade de Pichelaria e Aquecimento Central, Lda relativa ao contrato de arrendamento, como crédito do património comum, em virtude de ter sido remetida para os meios comuns a decisão da questão relativa a natureza própria ou comum do citado imóvel (verba nº 6 da primitiva relação de bens)».

    Na data de 10/11/2021, e relativamente aos referidos requerimentos datados de 15/11/2021 e 24/11/2021, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “A interessada E. P. veio alegar que a relação de bens não se mostra completa por faltar relacionar duas verbas: o crédito do património comum sobre a sociedade “X-Sociedade de Pichelaria e Aquecimento Central, Lda” e a dívida à Eletricidade Distribuição – Energia, SA.

    O cabeça de casal veio esclarecer que procedeu ao pagamento da dívida pelo que será considerada como crédito no momento da partilha e não relacionou as rendas vencidas e não pagas pela Sociedade X por a natureza própria ou comum do imóvel ter sido remetida para os meios comuns.

    Cumpre decidir.

    Considerando que o crédito se reporta a rendas vencidas e não pagas decorrentes de contrato de arrendamento que teve por objecto a verba nº 6 (cuja natureza própria ou comum foi remetida para os meios comuns), tal crédito, não obstante não ter sido objecto de reclamação, não deverá constar da relação de bens por a sua natureza própria ou comum depender da decisão a proferir nos meios comuns quanto à titularidade do imóvel.

    No que respeita à dívida à Eletricidade, tendo o cabeça de casal procedido à sua liquidação, o valor correspondente será considerado a final, no momento da partilha, como crédito do cabeça de casal e consequentemente não deverá constar da relação de bens.

    Pelo exposto, indefiro o requerido”.

    *1.2. Do Recurso do Interveniente Inconformado com o despacho, na parte indeferiu a relacionação do crédito activo do património comum sobre a sociedade X – Sociedade de Pichelaria e Aquecimento Central, Lda, a Requerida interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações: “1. O novo regime do processo de inventário, introduzido pela Lei n.º 117/19, de 13 de Setembro, afastou o antigo paradigma segundo o qual, sem quaisquer preclusões, até à conferência de interessados e no decurso da mesma, todas as questões factuais relevantes para a partilha podiam ser levantadas, trazidas ao processo ou mesmo ser objeto de alteração de posição que as partes pudessem ter tido.

  2. O actual regime processual do processo de inventário possui uma verdadeira estrutura de articulados, que implica que as partes enfrentem o ónus preclusivo de que, no confronto da posição tomada nesses articulados, vejam a factualidade alegada, seja por falta de oposição ou por expressa aceitação, vir a ser considerada como assente, nos termos das regras gerais do direito processual civil.

  3. Finda a fase de articulados, os factos controvertidos são os seguintes: a) Factos que tenham sido alegados no requerimento inicial (art.s 1097.º e 1099.º) ou no articulado complementar do cabeça-de-casal (art. 1102.º) e que tenham sido contestados no articulado de oposição, impugnação ou reclamação (art. 1104.º); b) Factos novos que tenham sido alegados no articulado de oposição, impugnação ou reclamação (art. 1104.º) e que tenham sido contestados no articulado de resposta.

  4. Se, em processo de inventário para partilha de bens comuns do casal, o Cabeça de Casal relaciona determinado crédito activo do património comum, sem que haja oposição ou reclamação da contraparte quanto tal matéria, a mesma tem de ser considerada assente.

  5. Assim, no caso concreto, tendo o Recorrido relacionado como crédito activo do património comum um crédito que se reporta a rendas vencidas e não pagas sobre a sociedade X – Sociedade de Pichelaria e Aquecimento Central, Lda e não tendo a Recorrente deduzido oposição quanto a tal matéria, a mesma tem de ser considerada matéria assente.

  6. No regime da comunhão de adquiridos, os frutos dos bens próprios são considerados bens comuns – cfr. n.º 1 do artigo 1721.º do Código Civil.

  7. Diz-se fruto de uma coisa tudo o que ela produz periodicamente, sem prejuízo da sua substância - cfr. n.º 1 do artigo 212.º do Código Civil.

  8. Os frutos são naturais ou civis; dizem-se naturais os que provêm diretamente da coisa, e civis as rendas ou interesses que a coisa produz em consequência de uma relação jurídica - cfr. n.º 2 do artigo 212.º do Código Civil.

  9. No regime da comunhão de adquiridos, as rendas que se reportam ao arrendamento de determinado imóvel são consideradas bens comuns, independentemente da natureza comum ou própria do prédio.

  10. A douta sentença recorrida viola os artigos 1097.º e 1104.º do CPC e artigos 212.º e 1721.º do Código Civil”.

    O Requerente não apresentou contra-alegações.

    *O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado, com efeito devolutivo.

    Foram colhidos os vistos legais.

    * * *2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do...

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