Acórdão nº 1146/17.1T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução09 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: Vieram os Autores, M. P., M. J. e F. M., instaurar contra a Ré, R. M., ação declarativa com processo comum declarativo, peticionando, a título principal, a declaração pelo Tribunal da inexistência do testamento lavrado pelo pai dos Demandantes, F. M., no dia 10 de Maio de 2017 no Cartório Notarial de Vieira do Minho, testamento esse mediante o qual o testador instituiu como única herdeira da quota disponível a Demandada, ou, caso assim não se viesse a entender, a nulidade de tal testamento e, ainda, de novo, caso assim não se viesse a entender, a anulabilidade de tal testamento.

Alegaram, para o efeito, que, nos últimos anos, a Ré, outrora contratada para trabalhar como empregada doméstica em casa do falecido pai dos Autores, aproveitando-se da idade avançada do aludido testador, F. M., já com 101 anos de idade em Maio de 2017, bem como da respetiva incapacidade para reger a respetiva pessoa e os seus bens e do ascendente que, por esse motivo ganhou sobre aquele, começou a gerir o património, não só do aludido F. M., mas também da falecida esposa deste, fazendo uso da circunstância do aludido testador se encontrar fisicamente dependente da Demandada que o alimentava, vestia e tratava.

Mais alegaram os Autores que tal incapacidade do testador de reger a respetiva pessoa e bens já ocorria desde 2011, uma vez que, desde aquela data e já depois de ter estado internado nos cuidados paliativos no Hospital de Bragança em 2010, o aludido F. M., se não conseguia locomover, não tinha força física para se levantar da cama pelo seu próprio pé, não se conseguia alimentar pelos próprios meios, nem articular palavras, revelando perda de memória significativa ao ponto de não reconhecer os filhos, tudo circunstâncias que a Ré bem conhecia, pois que vivia com o testador e cuidava do mesmo.

Referiram ainda os Autores ter tal condição clínica do testador sido atestada em Janeiro de 2017 aquando da citação deste no processo de interdição que correu termos sob o nº 87/17.7T8BGC neste Juízo Local Cível de Bragança (J1), altura em que a própria Ré teria dito à funcionária, responsável por tal ato, que o aludido F. M. “não tinha condições para tratar dos seus assuntos”, o que não impediu a Demandada de, aproveitando-se de uma procuração que logrou obter do testador, proceder ao levantamento de várias quantias pertencentes ao referido F. M. e à herança da falecida esposa deste, tal como referido nos artigos 60º a 65º da Petição Inicial, o que inclusivamente conduziu o Juízo Central de Bragança a proceder ao arrolamento dos bens da herança da falecida esposa do testador.

Esclareceram igualmente os Autores que, também no âmbito do aludido processo de interdição do testador, a incapacidade deste de reger a respetiva pessoa e bens foi declarada no relatório pericial elaborado pelo perito do INML, não existindo, pois, dúvidas de que a Ré estava bem ciente da referida incapacidade por parte do aludido F. M. e que tal incapacidade era, de facto, manifesta a partir de 2011 e, sobretudo, ainda mais assim, e2017.

Foi, neste contexto, referem os Autores, que, em 10 de Maio de 2017, a Ré conduziu o pai dos Autores ao Cartório Notarial de Vieira de Minho, tirando-o de casa à força e obrigando-o a fazer tal deslocação, a fim de outorgar testamento no sentido de deixar a esta a respetiva quota disponível, para o que a Demandada, sabendo da incapacidade mental e física do testador, obteve a colaboração de dois médicos psiquiatras contratados pela Ilustre Mandatária daquela, os quais, sem realizarem quaisquer testes ou exames, atestaram, de forma fraudulenta, a sanidade física e mental do aludido F. M., permitindo, desta forma a outorga do aludido ato jurídico, o qual, sem prejuízo, em função do exposto, sempre teria de ser considerado inexistente ou, pelo menos, nulo ou anulável.

Concluíram, nesse sentido, os Autores que o testamento outorgado pelo respetivo pai em 10 de Maio de 2017, atenta a demência crónica e irreversível de que o testador padecia aquando da celebração do negócio e consequente incapacidade para formar e manifestar qualquer vontade negocial, seria inexistente nos termos do artigo 246º do CC ou, pelo menos, nulo nos termos do artigo 2180º e ainda dos artigos 2186º, 2189º e 2190º do mesmo diploma ou ainda anulável ao abrigo do disposto no artigo 2199º do mesmo Código, tendo-se ainda em conta o facto de o testador ter sido interdito de forma provisória antes de falecer (cfr. artigo 149º do CC).

*Regularmente citada, veio a Ré deduzir Contestação, em que, por impugnação motivada, alegou, em síntese, que o testador, F. M., vivia em união de facto com a Ré há, pelo menos, 25 anos aquando do casamento celebrado por ambos em Maio de 2017, situação essa que, atenta a referida relação afetiva entre ambos, também teria justificado a outorga do testamento em causa nos autos em 10 de Maio de 2017.

Mais alegou a Ré que, nos últimos anos da respetiva vida, o testador sempre foi bem tratado e cuidado pela Demandada, o que, de resto, se demonstraria pelo facto de nunca os filhos do aludido F. M. terem tomado quaisquer providências no sentido de o retirar dos cuidados da Ré, sendo certo que o testamento outorgado correspondeu a última vontade do testador, vontade essa lúcida e adequadamente manifestada como, de resto, atestado pelo médico psiquiatra subscritor de relatório junto como doc. nº5 da Contestação e, sobretudo, pelos médicos psiquiatras que atestaram a sanidade mental daquele aquando da outorga de tal ato.

Finalmente, referiu a Ré que o facto de ter sido proferida sentença em procedimento cautelar, nos termos da qual se conclui pela incapacidade física e mental do testador aquando da celebração do respetivo casamento com a Ré em 4 de Maio de 2017, não tinha qualquer relevância para o caso dos autos, uma vez que tal sentença não produziria qualquer efeito de caso julgado sobre a decisão a proferir neste processo.

Concluiu a Ré pela improcedência da ação e, em conformidade, pela respetiva absolvição do pedido.

*Antes ainda de ser realizada a audiência prévia, vieram os Autores deduzir articulado superveniente (cfr. fls. 129 e ss.), mediante o qual alegaram, em síntese, que, já depois de instaurada a presente ação em 8 de Setembro de 2017, foi em 17 de Novembro do mesmo ano, proferida decisão no âmbito do processo de interdição do, entretanto falecido, testador, F. M., que correu termos sob o nº 87/17.7T8BGC neste Juízo Local Cível (J1), decisão essa, nos termos da qual se consideraram verificados os pressupostos para a interdição definitiva por anomalia psíquica do aludido F. M., interdição essa, a qual, não fora o falecimento deste, seria de decretar, fixando-se o começo da incapacidade do aludido testador ou 29/10/2011, ou seja, em data muito anterior à data outorga do testamento.

Mais alegaram os Autores no referido articulado superveniente que, em função do exposto, o testamento outorgado pelo aludido F. M., teria de ser considerado anulável nos termos do artigo 149º do CC.

Depois de admitido liminarmente tal articulado superveniente, respondeu a Ré (cfr. fls. 143 e s.) alegando, em síntese, que a data relevante para se aferir da capacidade ou incapacidade para testar da parte do falecido F. M. seria a data do testamento, sendo, pois, indiferente a data da incapacidade referida na decisão proferida no aludido proc. nº 87/17.7T8BGC.

A fls. 152 e ss. foi definitivamente admitido o articulado superveniente.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e, seguidamente, foi proferida sentença cuja decisão é a seguinte: Pelo exposto, decide o Tribunal: I.

Absolver a Ré dos pedidos deduzidos pelos Autores sob os nº1 e 2 do Petitório incluído na Petição Inicial a fls. 18v.

II.

Julgar procedente o pedido subsidiário deduzido pelos Autores sob o nº3 do Petitório incluído na Petição Inicial a fls. 18v. e, consequentemente, anular o testamento outorgado por F. M., falecido pai dos Autores, no dia 10 de Maio de 2017 no Cartório Notarial de Vieira do Minho, testamento esse mediante o qual a Ré foi instituída única herdeira da quota disponível do aludido testador.

III.

Condenar as partes em custas na proporção do respectivo decaimento, o qual se fixa em 1/3, para os Autores, e 2/3, para a Ré.

Inconformada, a Ré interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões: A) Antes de tudo, diga-se que, com o presente recurso não se pretende uma segunda apreciação da prova produzida, poi isso não cabe no objeto do recurso atendendo sobretudo ao princípio da livre apreciação da prova, mas sim a alteração da matéria de facto dada como provados e não provada e consequentemente, do problema de saber se os elementos probatórios carreados nos autos são idóneos. Como entendemos não ser, à demonstração da incapacidade relevante e necessária que conduziu à anulação do testamento por parte do Tribunal a quo, pois que B) entendeu o “(… )julgar procedente o pedido subsidiário deduzido pelos Autores sob o nº3 do Petitório incluído na Petição Inicial a fls. 18v. e, consequentemente, anular o testamento outorgado por F. M., falecido pai dos Autores, no dia 10 de Maio de 2017 no Cartório Notarial de Vieira do Minho, testamento esse mediante o qual a Ré foi instituída única herdeira da quota disponível do aludido testador.”.

  1. Note-se que, porque estamos em crer que tal influenciou na convicção do Meritíssimo Juiz, ainda antes da audiência de julgamento começar havia já uma opinião formada no que respeita à questão de direito objeto de litígio nos presentes autos, pois, D) extrai-se da douta Sentença, que “(…)referiu a Ré que o facto de ter sido proferida sentença em procedimento cautelar, nos termos da qual se conclui pela incapacidade física e mental do testador aquando da celebração do respetivo casamento com a Ré em 4 de Maio de 2017, não tinha qualquer relevância para o caso dos autos, uma vez que tal sentença não produziria qualquer efeito de caso julgado sobre a decisão a proferir neste...

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