Acórdão nº 6062/16.1T8VNF-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Abril de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução09 de Abril de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.

- Por sentença proferida nos autos principais, de que estes são apenso, foi declarada a insolvência da sociedade “X, S.A.”, e declarado aberto o respetivo incidente de qualificação de insolvência, com carácter pleno.

No prazo legalmente previsto, nenhum interessado veio apresentar alegações nos termos do artigo 188.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (C.I.R.E.).

A Srª. Administradora de Insolvência emitiu e juntou aos autos o seu parecer, pronunciando-se pela qualificação da insolvência como fortuita (fls. 6 a 9 dos autos).

O Ministério Público teve “vista” no processo e emitiu douto parecer no qual, depois de enunciar os factos que teve como demonstrados nos autos, pronunciou-se pela qualificação da insolvência como culposa, nos termos do disposto no art.º 186.º, n.

os 1, e 2, alíneas a) e d) e ainda n.º 3, alíneas a) e b), do C.I.R.E., entendendo dever serem afectados pela qualificação A. C. e M. N., respectivamente, presidente do Conselho de Administração da Insolvente, e que desempenhava, de facto, tal cargo, e administradora, membro do Conselho de Administração, quer da Insolvente, quer da “N. C. – SGPS, S.A.”, que desde 28/06/2012 tem as funções de presidente daquela, propondo ainda que a estes sejam aplicadas as medidas enunciadas no n.º 2 do art.º 189.º do referido Código (fls. 71-78 dos autos).

Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 6 do referido art.º 188.º, tendo os acima referidos A. C. e M. N. apresentado oposição na qual concluíram pela improcedência do presente incidente, propugnando para que se declare a insolvência como fortuita (fls. 95 a 120).

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que decidiu: “a) Qualificar como culposa a insolvência de X, SA, declarando afetado pela mesma, A. C.; b) Fixar em 4 (quatro) anos o período da inibição de A. C. para o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa; c) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por A. C. e condená-lo na restituição de eventuais bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; d) Condenar, ainda, o requerido A. C. a pagar aos credores o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos termos do art. 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não forem liquidados pelo produto da liquidação do ativo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar, valor a fixar em liquidação de sentença.

e) Absolver a requerida M. N. do pedido contra si deduzido.”.

Inconformado, traz o Requerido o presente recurso propugnando pela revogação da decisão acima transcrita e a sua substituição por outra que qualifique como fortuita a insolvência da supramencionada Insolvente, com a consequente revogação das sanções que lhe foram aplicadas.

Contra-alegou o Ministério Público pronunciando-se pela improcedência do recurso.

Este, foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.

Colhidos, que se mostram, os vistos legais, cumpre decidir.

  1. Apesar de se apresentarem prolixas, até pela repetição de argumentos, as conclusões formuladas pelo Apelante/Requerido, aceitaram-se atenta a natureza urgente do presente processo, apenas se transcrevendo, porém, as estritamente necessárias à enunciação e enquadramento das questões suscitadas.

2. Considerou o Tribunal “a quo” que ao ter procedido à venda do único imóvel da insolvente naquelas condições, o administrador da insolvente, ora recorrente, preencheu o circunstancialismo da alínea d), do nº 2, do artigo 186º do CIRE, incorrendo na qualificação da insolvência como culposa.

3. Com o devido respeito, cremos que a decisão proferida pelo Tribunal a quo relativamente à qualificação como culposa da insolvência da devedora X, S.A. decorre de omissão de pronúncia, de contradição entre fundamentos e decisão, manifesto erro de julgamento, de errada subsunção dos factos ao direito, de erro de apreciação da prova e de erro de interpretação e aplicação do direito.

4. Em suma, considerou o Tribunal a quo que a venda de um imóvel propriedade da insolvente foi utilizado em proveito dos credores que esta escolheu, entre os quais a sociedade N. C. SGPS, S.A., fazendo um uso contrário ao interesse da insolvente, em proveito pessoal e de terceiros, os credores a quem decidiu fazer pagamentos de forma arbitrária, apesar de estar na altura em processo de revitalização e com gravíssimas dificuldades financeiras.

19. Nunca houve intenção nem tão pouco atuação fraudulenta da Administração da ora Insolvente, quando muito houve gestão criteriosa, no sentido de cumprir os objetivos proposto, estancar e diminuir o passivo, para gerar lucros.

32. Foi elaborado despacho saneador no qual foram fixados os temas da prova. Porém, a decisão ora recorrida não se pronunciou relativamente ao primeiro tema da prova fixado, isto é, “se a insolvente vendeu a 21-2-2017 aquele bem imóvel de sua propriedade com intenção de impedir a satisfação dos créditos reconhecidos”.

40. Assim, a decisão recorrente enferma de nulidade por omissão de pronúncia relativamente ao primeiro tema da prova fixado em sede de despacho saneador, constituindo uma questão que o Tribunal deveria ter apreciado.

41. Em face do exposto, deverá a sentença proferida se considerada nula, por omissão, nos termos do artigo 615º, nº 1, al. d) do CPC.

42. Acresce que, a fundamentação da sentença ora recorrida impunha necessariamente uma decisão em sentido oposto.

43. Na decisão recorrida, considerou o Tribunal a quo, na sua fundamentação de direito quanto ao dever de apresentação à insolvência, que “Não pode, assim, afirmar-se que a não apresentação à insolvência da sociedade tenha agravado a sua situação de insolvência dado que criou novas dívidas mas reduziu mais passivo do que o montante das novas dívidas. Pelo que não foi por não se ter apresentado à insolvência em 2015 que agravou a sua situação.” Ou seja, o tribunal a quo considerou a insolvente não tinha o dever de se apresentar à insolvência e que a não apresentação não agravou a sua situação, porquanto, até diminuiu o seu passivo.

44. No entanto, aquando a fundamentação da alienação do património da insolvente e do seu uso contrário ao interesse da devedora (artigo 186º, nº2, alínea d) CIRE), refere o Tribunal a quo que “Em vez de vender o único bem imóvel que possuía para acorrer a estrangulamentos de tesouraria e manter-se em atividade mais algum tempo, a insolvente deveria ter-se apresentado à insolvência e assim permitir que aquele fosse liquidado no seu âmbito, de forma a não prejudicar nenhum credor.” 47. Os factos provados que se reportam à não apresentação à insolvência não permitiram a qualificação da insolvência como culposa nos termos do artigo 186º, nº 3, alínea a) CIRE, e bem. No entanto, a não apresentação à insolvência já permitiu a qualificação da insolvência como culposa nos termos do artigo 186º, nº 2, al. d) do CIRE.

48. O Tribunal em resposta ao mesmo facto elaborou duas conclusões diferentes, o que torna a decisão ambígua e ininteligível.

52. Assim, atendendo ao exposto, verifica-se clara contradição entre a fundamentação e a decisão proferida, devendo a sentença ser considerada nula e revogada, nos termos do artigo 615º, nº1, al. c) do CPC.

Dos factos: 53. A sociedade N. C. SGPS, SA, é a presidente do conselho de administração da empresa ora insolvente, ou seja, incumbe-lhe a função de gerir e administrar toda a sua atividade, sendo que, a própria natureza e finalidade deste tipo de sociedades está legalmente prevista.

54. Os pagamentos efetuados à sociedade N. C. SGPS, S.A., referem-se a serviços administrativos e financeiros, isto é, pagamento de salários a trabalhadores funcionários administrativos e da contabilidade, dois trabalhadores de armazém e pagamentos à Segurança Social e IVA, sendo que, estes pagamentos que ocorriam desde a data da constituição desta sociedade, que ocorreu no ano de 2008, na conta referente aos trabalhos especializados e extrato de conta corrente – este facto decorre do facto provado 47 da sentença ora recorrida, de fls. 234 a 238 dos autos, do depoimento prestado pelo recorrente (gravação áudio da sessão de julgamento de 04/01/2018, 11:04:36 a 11:35:23 minutos 8:47 a 8:54, 11:30-11:35, das 11:35:32 a 11:40:31, minutos 02:23-04:40.

55. Quanto aos trabalhadores, foram feitos acordos com os mesmos, que estavam a ser pagos, tanto é, que nunca intentaram qualquer ação de impugnação do despedimento junto do Tribunal de Trabalho - assim foi referido pelo administrador A. C. no seu depoimento de parte – minutos 04:36 -04:40 da gravação áudio da sessão de julgamento de 04/01/2018, 11:04:36 a 11:35:23.

56. Por conseguinte, o facto dado como não provado no ponto J, deveria ser alterado e passar a constar dos factos provados: O pagamento referido em 47 dos factos provados foi o que sempre aconteceu desde que aquela sociedade foi criada em 2008.

58. Não pode ainda o Recorrente concordar com o facto provado nº 9, o qual deveria ter sido dado como não provado, porque considerou, de forma errónea, que o dinheiro da venda do imóvel foi canalizado para efetuar o pagamento de vários credores de forma arbitrária, porquanto, tal colide frontalmente com os factos provados 23º e 24º e com os depoimentos prestados pela Sra. Administradora de Insolvência na sessão de julgamento de 04/10/2018, minutos 05:40-06:05 da gravação áudio, e o depoimento do administrador A. C. prestado na sessão de julgamento de 04/10/2018, minutos 26:15 a 27:48 da gravação áudio.

59. A prova carreada para os autos não permite essa conclusão, isto é, que a quantia proveniente da venda do imóvel foi imediatamente canalizada para efetuar...

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