Acórdão nº 503/18.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução21 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrentes: (…) e MULHER (... ) E OUTROS Recorridos: (…) e (..) CARLOS (…) E OUTROS, vieram, em nome próprio e em representação das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais, (..) e (..) , propor AÇÃO DE PROCESSO COMUM, contra (…) e (…), casados e residentes em Ponte, PEDINDO, a final:

  1. Declarar e condenar os réus a reconhecer que os autores (marido e mulher) são herdeiros e interessados nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais, M. F. e Maria; b) Decretar e condenar os réus a reconhecer que o prédio identificado no anterior art.º 9º, faz parte do acervo dessas heranças; c) Declarar e condenar os réus a reconhecer que o contrato de compra e venda titulado pela escritura é um contrato simulado e que, em consequência, naquela escritura o bem ali identificado não foi objecto de uma compra e venda mas de uma doação, efectuada por conta da quota indisponível dos doadores; d) Condenar os réus a restituir o prédio em causa às heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito daquele M. F. e Maria, no mesmo estado em que ele estava antes de ser por eles ocupado; e) Condenar os réus a absterem-se da prática de qualquer acto lesivo dos direitos de propriedade e posse dos autores acima referidos, resultantes da sua qualidade de herdeiros; f) Ordenar o cancelamento de quaisquer registos efectuados em contrário do aqui peticionado, incluindo o registo do prédio em questão que deverá ser alterado na parte onde diz que foi adquirido por compra e venda passando a constar que foi por doação por conta da quota indisponível dos doadores, seus pais.

    Para tanto alega, em síntese, que a venda não correspondia à real vontade, tendo como objectivo de enganar terceiras pessoas, nomeadamente o notário, o Banco e os Autores, uma vez que, se doassem o prédio, onde os Réus pretendiam construir a sua casa, não conseguiriam obter um empréstimo.

    Os Réus comprometeram-se a acertar contas com os irmãos, aqui Autores, nas partilhas, e não procederam ao pagamento do preço (sendo que o valor real nunca seria inferior ao dobro do valor declarado).

    Foram citados os Réus, para contestar a presente acção, nos termos legais, o que fizeram, concluindo pela improcedência da acção, alegando que os Autores deram o seu consentimento para a referida venda, há 25 anos, sabendo que o preço foi pago e que foi alvo de destaque e licenciamento para construção da casa dos Réus, tendo para isso contraído empréstimo, não fazendo de qualquer forma o prédio parte do acervo hereditário.

    Deduziram ainda Reconvenção pedindo, a final, que fosse declarada a nulidade do testamento e da declaração subscrita a 09 de Março de 2009, declarada a nulidade da escritura de doações e, bem assim, declarada a propriedade plena a favor dos Réus do seu do prédio.

    Pedem ainda a condenação dos Autores como litigantes de má-fé, por invocarem factos que não correspondem à verdade, sem legitimidade para tal.

    Foi apresentada réplica onde se conclui pela improcedência do pedido reconvencional, e na condenação dos Réus como litigantes de má-fé, em multa ao Estado e a pagar aos autores a indemnização prevista no art.º 543º do CPC, a fixar oportunamente mas sempre em montante nunca inferior a 5.000,00Euros para cada um deles.

    Uma vez que o pedido de reconhecimento da propriedade do prédio a favor do acervo hereditário era incompatível com a existência da alegada doação a favor dos Réus, foram notificados os Autores, vindo estes a reformular os pedidos, concluindo:

  2. Declarar e condenar os réus a reconhecer que os autores (marido e mulher) são herdeiros e interessados nas heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de seus pais, M. F. e Maria; b) Declarar e condenar os réus a reconhecer que o contrato de compra e venda titulado pela escritura é um contrato simulado e que, em consequência, naquela escritura o bem ali identificado não foi objecto de uma compra e venda mas de uma doação, efectuada por conta da quota indisponível dos doadores; c) Decretar e condenar os réus a reconhecer que o valor do prédio identificado deve ser atendido para efeitos de colação e cálculo da legítima, tal como dispõe o artigo 2104.º e 2162.º do Código Civil; d) Ordenar o cancelamento de quaisquer registos efectuados em contrário do aqui peticionado, incluindo o registo do prédio em questão que deverá ser alterado na parte onde diz que foi adquirido por compra e venda passando a constar que foi por doação por conta da quota indisponível dos doadores, seus pais.

    Foi realizada audiência prévia, tendo sido, em sede de despacho saneador onde foi julgada inadmissível a reconvenção, por não se verificarem os pressupostos substantivos de conexão de acções, despacho sobre o qual foi interposto recurso ainda pendente.

    Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu pela improcedência total da acção.

    Inconformado com tal decisão, apelam os Autores, e, pugnando pela respectiva revogação, formulam nas suas alegações as seguintes conclusões: A. Os autores teriam de ser considerados terceiros pois, como diz, e bem, o acórdão citado pelo tribunal recorrido (Ac. RG de 14/10/2010, p. 2686/06.3TBFAF, www.dgsi.pt), que retracta uma situação exactamente igual à dos autos, “No caso de falecimento de um ou de ambos os simuladores, em princípio, a simples lógica jurídica imporia que, enquanto sucessores, deveriam assumir a mesma posição dos simuladores a quem sucediam. No entanto, este regime era fonte de injustiça, enquanto a simulação tivesse sido feita para prejudicar na sucessão esses mesmos herdeiros. Por tal motivo, o nº 2 do artº 242º do CC veio permitir a invocação da simulação pelos herdeiros legitimários quando ainda em vida do autor da sucessão pretendam agir contra negócios por eles simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar. Isto significa que, mesmo após a abertura da herança, têm, obviamente, os herdeiros legitimários, legitimidade para invocar a nulidade de negócios simulados que se traduzam em prejuízo da respectiva legítima, ainda que não com esse intuito» STJ, aresto de 04.05.2010, itij.

    Do mesmo modo se escreveu no acórdão de 25.11.92: «os herdeiros ou legatários do simulador, prejudicados com o negócio simulado, ao pedirem a sua anulação, defendem como terceiros a quota hereditária ou o legado. Trata-se, pois, da defesa de um direito próprio, que não lhes foi transmitido directamente pelo autor da herança.

    Portanto, nestes casos, têm a qualidade de terceiros, para os efeitos previstos no mencionado nº3 do artigo 394º do Código Civil.

    Traduzem exemplarmente esta orientação os acórdãos deste Supremo Tribunal de 18 de Fevereiro de 1966 (in Boletim n. 154, pagina 343) e de 11 de Junho de 1981 (in Boletim do Ministério da Justiça n. 308, página 210)».

    Ao invés do alegado pelo apelante, os RR não intervieram na escritura pública de trespasse, apenas dela constando que foram apresentados quatro consentimentos para o mesmo.

    E nem se diga que ao darem o seu consentimento para o impugnado negócio deixaram de revestir a qualidade de terceiros, porquanto, além de nele não intervirem, foi exactamente para um trespasse que alegam não ter ocorrido que a respectiva anuência foi obtida, situação que, de resto, nunca lhes conferiria a qualidade de simuladores. Portanto e em conclusão, enquanto herdeiros legitimários do simulador e eventuais prejudicados com o relatado trespasse, os RR apresentam-se como terceiros e podem usar de quaisquer meios de prova com vista à demonstração da alegada simulação.” – negro e sublinhado nosso.

    1. Aliás, a prova testemunhal seria sempre admissível no caso concreto, pois como vem sendo unanimemente aceite pela doutrina e jurisprudência, não obstante a proibição de prova testemunhal quando a simulação é invocada pelos próprios simuladores, é admissível prova testemunhal desde que o acordo simulatório contenha um mínimo de prova, um começo de prova de natureza documental – cfr. Acórdão STJ, de 17.6.2003, in CJSTJ, 2003, II, 112., Mota Pinto e Pinto Monteiro, in “Arguição da Simulação pelos Simuladores – Prova Testemunhal”, CJ, X 1985, págs. 593 e segs; Carvalho Fernandes, in “A Prova da Simulação pelos Simuladores”, “O Direito”, 124, 1992, págs. 593 e segs., e ainda segundo Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, págs. 850 e segs.

    2. No caso concreto, o tribunal dispunha de, provas escritas, com verosimilhança bastante para provar a veracidade dos factos alegados pelos autores, concretamente: - doc. n.º 9 junto com a pi, que constituiu uma declaração emitida pelos pais dos autores e réu, onde referem expressamente que “... essa transmissão apenas teve a forma de uma compra e venda, pois que, de facto, nada receberam desse seu filho, a titulo de preço dessa alegada venda, uma vez que o que, na verdade quiseram fazer, era uma doação. Mais esclarecem que essa transmissão não revestiu a forma de doação apenas pelo facto de aquele seu filho pretender solicitar um empréstimo bancário para uma futura construção a implantar nesse terreno e, segundo foram informados, se tivesse a forma de uma doação, as instituições bancárias não aceitavam, como garantia do pretendido empréstimo, uma hipoteca desse terreno. Mais declaram que aquele seu filho se comprometeu a fazer contas com os restantes filhos dos declarantes, após a morte destes, incluindo nessas contas, este terreno doado.” - doc. n.º 2 junto com a réplica, correspondente à sentença do procedimento cautelar n.º 3401/12.8TBGMR-C, que correu os seus termos no J1 do Juízo Local Cível de Guimarães, referente ao prédio que aqui está em causa, na parte onde ficou, indiciariamente, provado, entre outras coisas que, “2. O Requerente marido adquiriu a propriedade deste prédio aos seus pais, que lho entregaram gratuitamente, em 28/09/207, formalizado por escritura lavrada a fls. 92 a 94, do Livro ...-A, no Cartório Notarial de C. M..” -...

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