Acórdão nº 101/17.6T8MTR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ CRAVO
Data da Resolução28 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães *1 – RELATÓRIO M. M.

e mulher A. S.

, ele agricultor e ela doméstica, residentes na Rua …, Montalegre, intentaram contra D. G.

e mulher P. M.

, agricultores, residentes na Rua …, a presente acção (1) de declaração sob a forma de processo comum, pedindo que fossem os RR. condenados a retirarem o gado bovino do seu prédio identificado e não o utilizarem como estábulo; limparem o dito prédio, retirando o estrume que ali se encontra e pagarem aos AA. a quantia de € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais até efectivo e integral pagamento.

Alegaram, para o efeito: Que são donos e legítimos possuidores, do prédio constituído por casa de habitação, sito na Rua …, Montalegre inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., aí morando permanentemente, confeccionam alimentos, dormem, descansam, recebem amigos e familiares, sendo a sua casa de morada de família, há mais de 36 anos. Por sua vez, os RR. são agricultores de profissão e, no exercício desta sua actividade, exploram uma manada de vacas composta por cerca de 30 cabeças.

Sucede que, no ano de 1993, o R. licenciou através do alvará nº 277/93 e construiu um armazém com a finalidade de arrumação de alfaias agrícolas, na Rua ..., em ..., a cerca de 45 metros da casa dos AA., o qual se localiza dentro do perímetro urbano da aldeia, solo urbano destinado a edificação urbana com a função residencial, terciária e outros usos compatíveis com o uso habitacional. Mais referem que os RR. ali guardam, desde, pelo menos 2006, durante a noite e a maior parte das vezes, também durante o dia, essa sua manada, ocasionando, como consequência directa, necessária e adequada, perigo para a saúde, ambiente e qualidade de vida dos AA. e dos seus vizinhos da aldeia de ..., onde todos residem, porquanto esses animais emitem permanentemente ruídos severamente incómodos, perturbando, nomeadamente, durante a noite, o bem-estar, descanso e sono dos AA. e seus vizinhos. Outrossim, emitem cheiros nauseabundos próprios dos bovinos e dos dejectos por eles produzidos, agravados pela circunstância de aí não existir qualquer instalação sanitária para onde possam ser canalizados esses dejectos, os quais ficam a descoberto no estábulo, provocando a poluição do ar e a concentração de insectos, nomeadamente, moscas e mosquitos, que invadem, pela proximidade, a residência dos AA. e da população vizinha. Referem, também, que nos dias em que saem do estábulo, ao saírem e entrarem, esses animais deixam as ruas de acesso à casa dos AA. e seus vizinhos estrumada de excrementos nauseabundos, provocando maus cheiros e falta de asseio e limpeza desses acessos. Mencionam, ainda, que a permanência dos aludidos bovinos nesse estábulo é proporcionadora de doenças que podem atingir os AA. e seus vizinhos, colocando em risco a saúde, bem-estar e qualidade de vida de todos. Esclarecem, ainda, que são pessoas que sofrem de doenças várias que se vêm agravando nos últimos anos, sendo que o A. sofre de doença arterial crónica oclusiva dos membros inferiores com claudicação intermitente, tem problemas cardíacos graves, e deve evitar situações de stresse psicológico e a A. é hipertensa e depressiva, pelo que se encontram mais vulneráveis à transmissão e agravação daquelas doenças inerentes ao contacto diário com esta situação que não podem evitar. Aludem, também, que são forçados a manter as portas e janelas da sua residência fechadas, para atenuar a intensidade daqueles maus cheiros e ruídos que aí se fazem sentir, que mesmo assim não conseguem de todo evitar, situação que se agrava nos meses de Verão, uma vez que, vivendo com janelas e portas fechadas, suportam o infernal calor que durante esta época se faz sentir, sendo também nesse período do ano que os maus cheiros se intensificam ainda mais devido à menor circulação de ar. Referem, por fim, que em virtude do mencionado quadro, não têm condições de habitabilidade na sua residência. Mencionam que, em consequência dos ruídos, dos cheiros, riscos de transmissão de doenças e falta de habitabilidade na sua residência, os AA. têm-se sentido incomodados, cansados, sob “stress” permanente, mau estar e ansiosos, peticionando o arbitramento da quantia de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Juntaram prova documental e arrolaram testemunhas.

Citados os RR., contestaram, alegando que na aldeia de ... a agricultura e a pecuária são as principais fontes de rendimento das populações, sendo que na referida aldeia existem 31 cortes e 7 armazéns com, pelo menos, 3 animais bovinos cada, para além de cortes de cabras e ovelhas, sendo que, nunca o exercício da actividade pecuária foi encarado como um perigo para a saúde, para o ambiente ou para a qualidade de vida dos residentes. Referem, ainda que nunca tiveram, naquele seu estábulo, mais de 22 cabeças de gado bovino presas e mais duas soltas, com alguns vitelos, sendo que, já guardam o seu gado bovino no estábulo em causa desde finais de 1994. Esclarecem que, os sons emitidos pelos animais, durante o dia, são perfeitamente normais e nada incómodos e, durante a noite, não existem quaisquer ruídos que incomodem o bem-estar, o descanso ou o sono dos AA. e seus vizinhos, sendo falso que os animais emitam cheiros nauseabundos, quando recolhidos no estábulo, já que os dejectos dos animais são usados para fazer estrume, com a colocação de giestas, tojos, palha e carquejas no solo do armazém, o que evita os cheiros para o exterior e a concentração de insectos. Esclarecem, ainda, que o seu estábulo tem todas as condições para a actividade a que actualmente se destina e esclarecem que os dejectos que os animais vão deixando pelas ruas constitui uma característica milenar da vida comunitária nas nossas aldeias e nunca o seu cheiro incomodou os seus moradores, uma vez que sempre foi usada para “fazer” as eiras e para estrumar os campos. Impugnam que a permanência dos animais bovinos no estábulo provoque doenças e coloque em risco a saúde, o bem-estar ou a qualidade de vida de quem quer que seja, designadamente, dos AA., sendo que as doenças dos AA. não foram causadas pelos animais dos RR., nem os mesmos contribuíram, minimamente, para o agravamento daquelas. Descrevem, ainda que os AA. têm convivido ao longo dos anos com as vicissitudes decorrentes da criação de animais bovinos e caprinos e que tal nunca os perturbou, sendo que, se os mesmos fecham as portas e janelas da sua residência é porque não aguentam o cheiro que provém dos esgotos que se aglomeram no pavimento e que saem da corte situada por baixo da mesma e onde aqueles guardam, há cerca de 20 anos, entre 10 e 12 porcos. Alegam que os porcos emitem cheiros nauseabundos, atraem insectos e podem mesmo provocar doenças quando, como é o caso, os referidos esgotos saem da corte, passam por um rego em terreno alheio e vão cair no caminho público, sendo que, tais dejectos contaminam os solos e produzem um gás – metano – que é tóxico. Alegam, também, que a fachada sul da residência dos RR. confina com a Rua ...

, uma das principais de ...

, pela qual desfilam, diariamente, mais de 100 animais bovinos que não pertencem aos RR., sendo que, naquela fachada sul, a residência dos AA. é servida por um portão e por uma janela. Referem por fim que, os cheiros e sons – que não ruídos –, que emanam dos seus animais são os normais de uma tradicional aldeia de ...

, perfeitamente toleráveis e resultam da utilização normal do prédio dos RR., não resultando qualquer “prejuízo substancial” para o uso do imóvel dos AA., não existindo qualquer razão para a procedência de qualquer dos pedidos formulados.

Finalizam, peticionando a absolvição do pedido.

Juntaram documentos. Arrolaram prova testemunhal.

Foi realizada a audiência prévia e foi proferido despacho saneador onde se procedeu à fixação do valor da causa, à enunciação do objecto do litígio e à fixação dos temas da prova. Foi ainda marcada data para a realização da audiência de discussão e julgamento, a qual decorreu com observância de todas as formalidades legais.

No final, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos: Face ao exposto, julgo a acção parcialmente procedente, porque provada em parte e, em consequência, decido:

  1. Condenar os Réus a retirarem o gado bovino do seu prédio identificado e não o utilizarem como estábulo; B) Condenar os Réus a limparem o dito prédio, retirando o estrume que ali se encontra; C) Condenar os Réus a pagar a cada um dos autores a quantia de 1.000,00€ (mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.

    *As custas serão da responsabilidade de Autores e Réus, fixando-se em 30% para os autores e 70% para os Réus.

    *Registe e Notifique.

    * Inconformados com essa sentença, apresentaram os RR. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões: 1.

    Vêm, os RR., recorrer das respostas, sobre a matéria de facto, vertidas nos pontos 7., 8., 9., 16., 23., 24., 26. e 27. dos factos provados; das respostas, sobre a matéria de facto, vertidas nos pontos n), o), p), q) e s) dos factos não provados; e da condenação dos mesmos a retirarem o gado bovino do seu prédio, a não usar este como estábulo, a limpá-lo, retirando o estrume que ali se encontra e a pagar, a cada um dos AA., a quantia de € 1.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

    2.

    Os referidos factos dados como provados e não provados não respeitam a prova produzida em audiência de julgamento, sendo que a Mmª Juiz a quo, para os dar como tal, se baseou no que chama de “regras da experiência comum”, considerando consabido que a criação de gado bovino é gerador de poluição ambiental, decorrente da produção de dejectos pelos animais e do uso que dos mesmos é feito na fertilização dos campos agrícolas. Entendeu, por outro lado, que é facto assente que a...

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