Acórdão nº 2464/18.7T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Novembro de 2019

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução14 de Novembro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório J. F.

e esposa E. B.

instauraram acção, na forma de processo comum, contra Banco ..., S.A, alegando em síntese que: O gerente da agência de Carrazedo de Montenegro do então Banco ..., actual Banco ..., S.A., em Outubro de 2004, aconselhou o autor a fazer uma aplicação, por 10 anos, com possibilidade de resgate ao fim de 5 anos se necessitasse do dinheiro, que lhe traria uma maior rentabilidade do que o depósito a prazo que detinha naquele banco e que tinha a mesma segurança que o depósito a prazo, com garantia de reembolso do capital, a 100%, por parte do Banco.

Foi por causa da absoluta confiança que depositava no referido gerente e naquilo que o mesmo lhe dissera, que fez a referida aplicação, em Outubro de 2004, no valor de € 50.000,00.

Decorridos 10 anos após a realização da aplicação em causa, o autor ficou a saber que afinal subscrevera obrigações subordinadas X rendimento ..., e não foi reembolsado do capital que investira.

Confrontado com a ideia de poder perder tal capital, teve sofrimento.

Em consequência, pediu que: a) Se declarasse que a aquisição do produto financeiro traduzido na compra de obrigações X rendimento ..., por parte dos autores ao réu, foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100%; b) Se declarasse que é da responsabilidade do réu o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do autor das obrigações X rendimento ..., no valor de € 50.000,00; c) Se declarasse que, com o seu comportamento, o réu assumiu perante o autor a responsabilidade pelo reembolso do capital e respectivos juros; d) Se condenasse o réu a proceder ao imediato reembolso do capital de € 50.000,00, acrescido de juros vencidos desde 22-04-2014 até integral reembolso do capital; e) Se condenasse o réu a pagar aos autores quantia indemnizatória a fixar em liquidação de sentença, nunca inferior a € 5.000,00, por danos morais sofridos pelo autor, com o comportamento imputável ao réu.

O réu foi citado e apresentou contestação.

Invocou a prescrição do eventual direito dos autores, e impugnou parte da factualidade invocada pelos autores Os autores exerceram o contraditório relativamente à matéria de excepção de prescrição.

Realizou-se a audiência prévia, com a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença que julgando improcedente a excepção de prescrição, julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência: a) declarou que é da responsabilidade do réu o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do autor das obrigações X rendimento ..., no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros); b) condenou o réu a proceder ao reembolso ao autor do capital de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde 27-10-2014 até integral reembolso do capital; c) condenou o réu a pagar ao autor a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreu.

d) no mais, julgou a acção improcedente.

Inconformado com esta decisão, o réu dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1.

Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar, sendo que a presente decisão veio surpreender sobremaneira o aqui Recorrente, pois que, considerando o Tribunal Recorrido a presente acção parcialmente procedente, não julgou correctamente.

2.

Com tal decisão, a Mm.ª Juiz a quo violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D do CdVM; 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE; 220º, 232º e 236º, 483º e ss., 595º e 615º do C.C; 615.º, n.º 1, al. e) do CPC.

3.

Apesar da natural e compreensível consternação que é possível observar das peças apresentadas a juízo pelo A., importa lembrar que a pretensão pelos mesmos deduzida se encontra despida de qualquer fundamento provatório, bem como factual, além de ser manifestamente mal direccionada contra o Banco R.

4.

Certo é que o Banco R., tal qual estava obrigado, prestou ao A. informações completas, verdadeiras, actuais, claras, objectivas e lícitas (nos termos e para os efeitos do art. 7º do Código de Valores Mobiliários), quanto às obrigações por estes subscritas, dando cumprimento não só à lei, mas também a uma política de transparência e de confiança pela qual sempre se pautou.

5.

Da prova produzida resulta, sem margem para dúvidas, que o A. sabia perfeitamente o que estava a subscrever, bem sabendo também das semelhanças e diferenças entre o instrumento financeiro subscrito e a figura do depósito a prazo (note-se que o próprio tratamento fiscal de um e de outro instrumento é inclusive diverso). Mas a “estranha” construção deste argumento ganha novas dimensões, se considerarmos o facto de o A. nunca ter reclamado de qualquer dos extractos bancários recebidos, onde o investimento em juízo aparecia referenciado individualmente tal e qual como fora realizado – e nunca enquanto depósito a prazo! –, bem como da ausência de qualquer reclamação junto do funcionário bancário que, alegadamente, lhe teria vendido um instrumento financeiro diverso do por si pretendido – é de facto estranho que tal intervenção junto do funcionário indicado nunca tenha ocorrido, pois se o sentimento de revolta era tal, cremos que sempre ditariam as regras comuns que o A. diligenciasse pelo contacto com o referido vendedor, o que nunca aconteceu.

6.

O Apelante entende que os factos dados como provados nos números “5, 7 e 10” não deveriam constar do corpo da Sentença nos termos ali propostos, em face da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Nestes termos, é o Banco Apelante de pugnar pela alteração de tais números, de acordo com a redacção adiante proposta.

7.

O produto – Obrigações X Rendimento ... – terá sido vendido pela testemunha, que se tratava de uma aplicação pelo prazo de 10 anos, eventualmente só 5 anos, e que teriam juro um bocado melhor. Referiu, posteriormente, que tinham indicação que se tratava de um produto de aplicação financeira, sem risco.

8.

Assim, resulta à saciedade que o facto 5 deveria ter tido a redacção que de seguida o Apelante propõe: “5 - Por essa altura, o gerente/gestor de cliente do Banco ... na agência/balcão de Carrazedo de Montenegro, contactou telefonicamente o A., propondo-lhe que procedesse ao resgate dessa aplicação financeira e aplicasse o respectivo montante numa outra aplicação, que lhe traria maior rentabilidade”.

9.

Mais referiu que estaria convencido que os AA. quando assinaram o boletim de subscrição nem olharam para o mesmo, atenta a relação de confiança que tinham com a testemunha.

Admitiu, ainda, que era possível que tivesse sido entregue cópia do boletim de subscrição aos AA. Referiu ainda que não procediam à informação de muitas características do produto, até porque dado que os AA. não tinham grande entendimento na matéria, os mesmos não iriam perceber. No entanto, referiu sempre que se tratava de uma aplicação a 10 anos, tinha juros semestrais e que o juro, sendo a 10 anos, era melhor.

10.

Pelo que vem expendido, é ostensivo que o facto 7 deveria ter a seguinte redacção adiante proposta: “7 – O A., além das informações referidas no 5, não foi informado de mais características acerca do produto em causa, uma vez que não entenderia as mesmas, tendo, contudo, recebido cópia da respectiva subscrição”.

11.

Por fim, referiu ainda que se tivessem sido explicadas as características todas do produto, embora não podendo afirmar com certeza se subscreveria o produto na mesma, admitiu que os AA. subscrevessem na mesma. É que, ademais, a questão da garantia não se colocava aos clientes, uma vez que a realidade da altura era completamente diferente da realidade de hoje.

12.

Parece meridianamente claro ao Apelante que o facto dado provado 10 deveria ter a seguinte redacção: “10 – Dando a sua anuência à aquisição do activo em causa, ainda que se tivessem sido informadas todas as características, dada a confiança demonstrada pelo”.

13.

Os contratos de intermediação financeira implicam relações jurídicas que se estabelecem em níveis diferentes. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o cliente e que tem por objecto imediato conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente (ou também o negócio celebrado directamente entre o terceiro e o cliente, com a intermediação do intermediário financeiro), e tem a maioria das vezes por objecto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre valores mobiliários.

14.

Claro está, que o dever de informação relativo ao negócio de cobertura deve ser prestado em momento anterior ao contrato de intermediação e o dever de informação relativo ao negócio de execução será cumprido já na vigência daquele, tal como sucederá, aliás, com os deveres de informação relativos aos instrumentos financeiros escolhidos! Os deveres de informação a prestar pelo intermediário financeiro, previstos no art. 312º nº 1 do CdVM, são os deveres de informação relativos ao próprio contrato de intermediação financeira, v.g.

, ao negócio de cobertura! 15.

Já os art. 323º, 323º-A, 323º-B e 323º-C do CdVM tratam dos deveres de informação próprios, relativos, inerentes ou decorrentes dos negócios de execução, levados a cabo ao abrigo dos negócios de cobertura, como aliás decorre das epígrafes dos artigos.

16.

Daí que não se possa retirar qualquer consequência...

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