Acórdão nº 2406/17.7T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: D. S. instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra Caixa ... pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais por ela sofridos devido às movimentações bancárias elaboradas sem o seu consentimento e autorização, num valor nunca inferior a €.34.057,60, englobando a referida quantia o seguinte: a. O montante de €.28.596,14, a título de danos patrimoniais, correspondente ao valor das movimentações bancárias efectuadas sem consentimento, acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa legal em vigor, acrescida de 10 pontos percentuais, a contar desde a data das movimentações bancárias até efectivo e integral pagamento, computando-se os vencidos, na presente data, no montante de €.2.961,46; b. O montante de €.2.500,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pela autora, em virtude da presente situação, que será acrescido dos correspectivos juros de mora, contados à taxa legal em vigor, a contar desde a data de liquidação até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que é titular de uma conta à ordem e de uma conta a prazo na Ré e que aderiu ao serviço de “homebanking” “Net...”, sucedendo que, que entre os dias 04.01.2017 e 07.01.2017, foram realizadas cerca de 60 operações de pagamentos de compra e de pagamentos de serviços e realizada uma transferência bancária da conta a prazo para a conta à ordem no valor de € 5.000,00, sem o conhecimento e o consentimento da Autora, que desconhece quem o fez, tudo sem que a Ré, responsável pelo controlo e segurança dos sistemas de homebanking, tendo como dever evitar a utilização fraudulenta das plataformas informáticas que disponibiliza, tenha tomado qualquer providência, apesar de todas as operações terem sido efetuadas num curto espaço de tempo, a favor da mesma entidade e em quantia não inferior a €.451,00, tendo sido movimentada da sua conta bancária a quantia total de €.28.596,14. Mais alegou que, perante os factos descritos, sente-se angustiada, preocupada, frustrada e lesada nos seus direitos, tendo ficado sem quaisquer rendimentos para fazer face às despesas domésticas e profissionais.

A Ré apresentou contestação, alegando, para além do mais, que o seu sistema informático não sofreu qualquer ataque informático e que as coordenadas foram colocadas na primeira tentativa, não tendo o sistema sido bloqueado por tentativas falhadas, tendo sido dito pela própria Autora que aquando da ativação do cartão matriz, inseriu todas as 72 posições do mesmo, cada uma com 3 dígitos, fornecendo assim todos os dados do cartão matriz a terceiros, contrariando os vários avisos da ré para não o fazer e que a Autora atuou de forma negligente ao responder ao email fraudulento recebido no seu computador, e ao facultar todos os dados do seu cartão matriz, que são pessoais e intransmissíveis, pelo que a Ré não pode ser responsabilizada pelo sucedido.

Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e, seguidamente, foi proferida sentença a julgar improcedente a ação.

Inconformada, a Autora interpôs recurso, apresentando as seguintes conclusões: I.

Nesta ação, a Recorrente pediu pela condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela primeira, devido à ocorrência de várias movimentações bancárias realizadas sem o consentimento e autorização desta a partir das suas contas bancárias, efetuadas através do serviço de homebanking, computando-se o montante dessa indemnização num valor nunca inferior a € 34.057,60 (trinta e quatro mil e cinquenta e sete euros e sessenta cêntimos).

II.

A questão do presente recurso incide sobre a aferição da responsabilidade da Recorrida quanto às operações bancárias realizadas nas contas da Recorrente sem autorização desta.

IMPUGNAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO III. O Tribunal a quo deu por provado que a Autora, ora Recorrente, inseriu, no seu computador, as coordenadas do cartão-matriz e que, por isso, foram realizadas cerca de 60 (sessenta) operações bancárias, sob a forma de ''pagamentos de serviços" ou ''pagamento de compras", sem a sua autorização, através do serviço de homebanking.

  1. Considera a Recorrente que, em face à prova colhida nos presentes autos, impunha-se uma decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto, ao que conclui pela existência de erro notório na apreciação da prova. Por conseguinte, e salvo o devido respeito por opinião em contrário, o Tribunal a quo não deveria ter julgado por provados os factos e1encados em sentença, no ponto 2.1., identificados com os números 28), 55) e 56), que infra se transcreve: . 28) Nesse telefonema, a autora afirmou que tinha inserido todas as coordenadas do cartão matriz no computador e tinha demorado meia hora. farto 72. o da contestação] . 55) A autora, de forma não concretamente apurada, inseriu no computador, todas as coordenadas do cartão matriz que a ré lhe tinha enviado em 24.05.2016, tal como referido em 7), conjuntamente com os demais elementos necessários ao acesso ao serviço NET ..., ou seja, o número de identificação da Caixa e o código pin multicanal, que são elementos pessoais e intransmissíveis. farto 86. o da contestação] . 56) O referido em 55), permitiu o descrito em 17) e 18).

    V.

    Na verdade, tais factos deveriam ter sido dados como não provados, pela falta de prova cabal que permita a sua inequívoca demonstração. Note-se pois que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo formou a sua convicção quanto aos factos supra enumerados com base, única e exclusivamente, do depoimento da testemunha M. C., funcionária da Recorrida e arrolada aos autos pela mesma, a qual declarou a Autora lhe tinha confidenciado, num dos telefonemas, que, em determinada altura que não sabia precisar, tinha recebido um pedido para ativar o cartão-matriz e, nessa sequência, inseriu todas as coordenadas do mesmo no computador.

  2. Tal facto não chegou a ser corroborado por outra testemunha, nem tampouco por prova documental, tendo sido desmentido pela Autora, ora Recorrente, quando a mesma foi questionada pela Meritíssima Juíza a quo, referindo inequivocamente que nunca colocou as coordenadas do cartão-matriz, nem na sua totalidade, nem em parte, no computador (cf. Declarações da Autora D. S., prestadas em audiência de julgamento de 23/11/2018, em tomo dos mm:ss 22:00; 22:21; 23:39; 24:19, como transcrito supra).

  3. Posto isto, não se compreende porque o Tribunal a quo veio a conceder maior credibilidade ao depoimento da Testemunha M. C., visto que a mesma detém uma estrita relação com a Recorrida, de natureza laboral, que já existia na data da ocorrência dos factos que constituem objeto de discussão dos presentes autos, e que permanece, pelo menos, até à data da realização de audiência de julgamento, tomando-se, por isso, evidente que a testemunha não era completamente alheia ao resultado da causa, movida pelo sentimento em não contradizer a posição defendida pela sua entidade patronal.

  4. Para além disso, e tal como resulta por provado na própria sentença, "a situação da autora não se trata de um caso isolado, pois existem queixas semelhantes em relação ao serviço "Net..." da Caixa ..."; logo, não é a primeira vez que a Recorrida se encontra na posição de Ré num processo judicial cujos factos em discussão se assemelham aos factos constantes dos presentes autos, pelo que se conclui, em suma, que as testemunhas indicadas por esta estão a priori cientes das questões que lhes serão colocadas em audiência de discussão e julgamento e das respostas que têm de ser dadas a essas questões, imbuídas pela ideia (neste caso, errada!) de que a instituição bancária não tem, nem poderia ter tido, influência sobre os factos, os quais ocorreram por culpa exclusiva do lesado.

  5. Da leitura de alguns acórdãos - como, por exemplo o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 17/12/2014, Processo n.º 1910/12.8TBVCT.G1 - é retirada esta constatação: certamente não por mera coincidência, o depoimento de algumas testemunhas indicadas pela(s) instituição(ões) bancária(s) são equivalentes às declarações proferidas pelas testemunhas da Recorrida nos presentes autos. No acórdão já referido, uma das testemunhas, gerente de um dos balcões da instituição bancária, declara que, no âmbito da reclamação apresentada por um cliente, vítima de fraude informática, perguntou ao mesmo, se tinha porventura fornecido os códigos a alguém, ao que este respondeu positivamente, referindo que o fez num dos acessos a uma página, que julgou ser do Banco, pois foi-lhe pedida a "atualização de dados" do cartão-matriz, com a introdução de todas as suas coordenadas e sublinhou que essa operação tinha durado cerca de 30 minutos, tal e qual a testemunha M. C..

  6. Por outro lado, as declarações da Autora, ora Recorrente, foram proferidas com espontaneidade, clareza e detalhe, pelo que em nada deveriam ser descredibilizadas, em comparação com depoimento da Testemunha da Recorrida, merecendo, por isso, a melhor consideração por parte do Tribunal a quo.

  7. Acresce ainda que Tribunal a quo deu por provado que a Recorrente inseriu no computador todas as coordenadas do cartão-matriz sem, contudo, ter sido apurado o modo de concretizacão: note-se que, no facto provado n.º 55), menciona que "a Autora, de forma não concretamente apurada, inseriu no computador todas as coordenadas". Ou seja, o Tribunal a quo concluiu pela demonstração de determinado facto, sem ter certezas quanto à forma como este foi supostamente realizado, firmando a sua convicção no depoimento de uma só testemunha, a qual apenas referiu que a Recorrente inseriu as coordenadas, mas não especificou, em momento algum, de que modo é que o fez.

  8. Em suma, entende a Recorrente que não foi cabalmente provado que a mesma inseriu todas as coordenadas do cartão-matriz no seu computador, pelo que não se poderá concluir que a fraude informática de que a...

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