Acórdão nº 965/18.6T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2019
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO MATOS |
Data da Resolução | 10 de Julho de 2019 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1.
Decisão impugnada 1.1.1. Delfina (..) (aqui Recorrente e Recorrida), residente na (…) freguesia de (..) em Fafe, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra José (…) (aqui Recorrido e Recorrente), residente na (…) , freguesia de (…), em Fafe, contra (…) (aqui Recorrida), residente em (…), França, e contra (…) SA, com sede na Rua do (…) , em Lisboa, pedindo que · os Réus fossem condenados a reconhecerem que as importâncias de € 317.688,60 e de € 24.762,17, tituladas respectivamente pelas contas n.ºs 90862326 e 238536193, abertas em nome do 1.º Réu (… ), na agência de Guimarães da 2.ª Ré (… ), são propriedade única e exclusiva dela própria; · os Réus fossem condenados a reconhecerem que cabe a ela própria o direito de dispor livremente desses valores, nos termos em que entender, designadamente levantando-os e fazendo-os seus; · os Réus fossem condenados a verem esses valores eliminados do processo de arrolamento movido pela 1.ª Ré (…) contra o 1.º Réu (…), sendo os mesmos excluídos do processo de partilha do património comum, a que ambos vêm procedendo.
Alegou para o efeito, em síntese, terem sido arrolados, no âmbito do processo de divórcio entre o 1.º Réu (…), seu filho, e a 1.ª Ré (…), os saldos bancários referidos (em arrolamento promovido por esta contra aquele), por pretensamente pertencerem ao património comum do antes casal, e haver receio de dissipação respectiva por parte do 1.º Réu (…).
Mais alegou ser ela própria a única e exclusiva proprietária daquelas quantias, fruto do seu trabalho e do seu falecido marido, bem como da herança de um terceiro.
Por fim, alegou terem tais quantias sido depositadas em conta titulada pelo 1.º Réu (…) a pedido do mesmo, e apenas como forma de lhe viabilizar um financiamento bancário.
1.1.2.
Os Réus foram pessoal e regularmente citados.
1.1.2.1.
O 1.º Réu (…) não contestou a acção (o que esclareceu expressamente não pretender fazer), juntando apenas aos autos diversos documentos.
1.1.2.2.
A 1.ª Ré (…) contestou a acção, pedindo: que fosse julgada totalmente improcedente, sendo os Réus absolvidos dos respectivos pedidos; e que a Autora (…) e o 1.º Réu (…) fossem condenados como litigantes de má-fé, em multa e indemnização a seu favor, em montante não inferior a € 10.000,00.
Alegou para o efeito, em síntese, serem as quantias aqui em causa, já arroladas no âmbito do seu processo de divórcio, resultantes dos proventos gerados por (…), Limitada, de que ela e o 1.º Réu (…) são únicos sócios, sendo este último ainda seu gerente.
Mais alegou que as ditas quantias apenas estiveram transitoriamente depositadas em contas da Autora (Delfina) como forma de evitar a sua tributação em sede de IRC (na concretização de uma contabilidade paralela da dita Sociedade); e que regressaram a contas tituladas pelo 1.º Réu (José) quando um dos seus irmãos começou a pedir que fosse feita a partilha da herança do respectivo e comum pai (de que a Autora é viúva).
A 1ª Ré (I. N.) alegou ainda que nunca o casal formado pela Autora (Delfina) e falecido marido exerceram profissões ou actividades que lhes permitissem amealhar tais quantias, nem beneficiaram de qualquer herança que igualmente justificasse a sua atribuição.
Defendeu, assim, ter a Autora (Delfina) deduzido pretensão cuja falta de fundamento não ignoraria, fazendo-o em conluio com o 1.º Réu (José), seu filho; e com o exclusivo objectivo de a prejudicarem na partilha do património comum do casal, assim se justificando a respectiva condenação como litigantes de má-fé.
1.1.2.3.
A 2ª Ré (Banco ..., SA) contestou a acção, pedindo que fosse julgada consoante a prova que viesse a ser produzida.
Alegou para o efeito, em síntese, impugnar os factos alegados pela Autora (Delfina), em parte por serem falsos, e em parte por os desconhecer, sem obrigação do contrário; e, quanto aos remanescentes, não se pronunciar sobre eles por estarem a coberto do sigilo bancário.
1.1.3.
Foi proferido despacho: fixando o valor da causa em € 342.450,77; dispensando a realização de uma audiência prévia; saneador (reconhecendo tabelarmente a validade e a regularidade da instância); definindo o objecto do litígio («saber se os saldos depositados nas contas de depósitos à ordem do Banco ... com os n.ºs 90862326 e 238536193 são pertença da Autora») e enunciando os temas da prova («1. Rendimentos auferidos pela Autora e falecido marido», «2. Rendimento da herança de cerca de € 100.000,00 em França», «3. Contas titulada pela Autora», «4. Propriedade dos respectivos saldos», «5. Empréstimo do Banco ... ao Réu para compra de puncionadora», «6. Exigência do Banco ..., com condição do empréstimo e caução do bom cumprimento, da titularidade das contas abertas em nome da Autora», «7. Transferência, para esse efeito, das quantias de € 48.000,00, € 267.800,00 e € 49.880,00 para conta n.º 90862326, da titularidade do Réu», «8. Transferência, para esse efeito, da quantia de € 50.900,00 para a conta n.º 238536193, titulada pelo Réu», e «9. Utilização, pelo Réu, das contas tituladas pela Autora para depositar a aplicar os rendimentos não declarados nem registados, da empresa do 1.º Réu»); e apreciando os requerimentos probatórios das partes.
1.1.4.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente e condenando a Autora (Delfina) e o 1º Réu (José) como litigantes de má-fé, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Dispositivo: Por tudo o exposto, julgo a acção improcedente e, em consequência: a).
absolvo os Réus dos pedidos; b).
condeno a Autora como litigante de má fé na multa de 40 (quarenta) UC e no pagamento de uma indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros) à Ré I. N.; c).
condeno o Réu José como litigante de má fé na multa de 40 (quarenta) UC e no pagamento de uma indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros) à co-Ré I. N..
Custas a cargo da Autora.
Registe, notifique e dê baixa.
(…)»*1.2. Recursos Inconformados com esta decisão, quer a Autora (Delfina), quer o 1.º Réu (José) interpuseram recursos independentes de apelação.
*1.2.1. Recurso da Autora 1.2.1.1. Fundamentos A Autora (Delfina), no recurso independente de apelação que interpôs, pediu que o mesmo fosse julgado procedente, sendo alterada a matéria de facto, ela própria absolvida da condenação respectiva como litigante de má-fé, e a acção julgada inteiramente procedente.
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões): 1.
A autora propôs a presente acção, pedindo a condenação dos réus (um filho, a ex-nora e uma instituição bancária) a: a.
Reconhecerem que as importâncias depositadas em contas bancárias tituladas actualmente pelo primeiro réu e abertas na agência de Guimarães do banco são da exclusiva propriedade dela autora; b.
Reconhecerem que à autora cabe, e só a ela, o direito desses valores dispor livremente nos termos que entender, designadamente levantando-os e fazendo-os seus como e quando entender; c.
Verem esses valores eliminados de um processo de arrolamento requerido pela segunda ré contra o primeiro réu e excluídos da partilha a que esses réus vêm procedendo.
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Como fundamento, a autora alegou que o dinheiro existente nessas contas actualmente tituladas pelo primeiro réu provinha de anteriores contas suas, no mesmo banco, e correspondia ao valor arrecadado no decurso de uma vida de mais de 40 anos da sua actividade aqui e em França, justificando a transferência desses valores para uma conta do primeiro réu, com o argumento de que este lhe pedira que autorizasse essa transferência, durante o período necessário ao cumprimento de responsabilidades bancárias por si contraídas no mesmo banco, e como garantia de pagamento dessas responsabilidades.
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A acção não foi contestada pelo primeiro réu que, porém, juntou aos autos um requerimento dizendo que não a contestaria, acompanhado de diversa documentação, foi contestada pelo banco, dizendo este que ignorava os factos, e, de qualquer modo, não podia pronunciar-se sobre alguns deles em virtude de estarem cobertos pelo sigilo bancário, e foi contestada pela segunda ré ex-mulher, sustentando esta que o dinheiro era pertença dela e do primeiro réu, porque este usava as contas da autora para movimentar em exclusivo como procurador as quantias provenientes da economia paralela de uma empresa, e que a autora nunca teve rendimentos bastantes para amealhar essas quantias.
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Discutida a causa, o tribunal julgou a acção improcedente e não provada, absolvendo os réus dos pedidos e condenando a autora como litigante de má-fé, no pagamento de uma indemnização de 5.000,00€ à segunda ré, decisão com a qual a autora se não conformou, interpondo o presente recurso, no qual questionou a matéria de facto fixada e o enquadramento legal dos factos.
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Na verdade: a.
Tendo o primeiro réu confessado integralmente a matéria da petição inicial, não apenas por ter declarado não querer contestar a acção, mas também, por ter prestado depoimento de parte em que confessou essa matéria de facto (ata de audiência de julgamento, gravação da prova no CD n.º1 de 00:00:00 a 00:45:56), o tribunal deveria, só por isso, ter julgado provados os referidos factos, uma vez que ele tinha total legitimidade para fazer depósitos bancários em seu nome exclusivo e movimentá-los livremente, sem consentimento nem intervenção do cônjuge, nos termos do artigo 1680.º do Código Civil, o que lhe conferia também inteira liberdade para por si só subtrair os depósitos bancários por si constituídos às regras gerais relativas à administração dos bens do casal, porque “tinha o direito de sozinho e sem necessidade e autorização ou consentimento (da sua ex-mulher) movimentar ou levantar depósitos bancários e dispor deles livremente dando-lhes o destino que muito bem entendesse, inclusive dissipá-los” (Acórdão da Relação do Porto de 14-02-1984, in...
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