Acórdão nº 4201/09.8TBGMR.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Julho de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução10 de Julho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.- A insolvente M. J. requereu, nestes autos de insolvência, a exoneração do passivo restante.

Admitido liminarmente este pedido, uma das obrigações a que ficou sujeita a Insolvente foi a de entregar ao fiduciário “quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos que exceda os € 450” mensais, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, encerramento que veio a ocorrer por despacho proferido em 24/04/2013, que foi notificado aos credores em 26 do mesmo mês, e foi publicitado.

O Senhor Fiduciário remeteu aos autos os relatórios a que alude o art.º 61.º, n.º 1, ex vi do n.º 2 do art.º 240.º, ambos do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (C.I.R.E.).

Após a remessa do 3.º relatório reportado ao período de cessão, e porque se apurou que a insolvente auferiu rendimentos superiores à medida das entregas realizadas, foi proferido despacho no qual se decidiu recusar a exoneração do passivo restante, decisão que foi revogada por este Tribunal da Relação.

Foi entretanto alcançado o termo do período de cessão e o Senhor Fiduciário fez juntar aos autos o último relatório, no qual deu conta de a Insolvente apenas ter entregue, até à data, a importância de € 820,90, e de que resulta dos elementos recolhidos que a mesma tem vindo a auferir valores muito superiores ao montante fixado como rendimento indisponível.

Notificados os credores nos termos e para os fins referidos no art.º 244.º, n.º 1 do C.I.R.E., nenhum deles se pronunciou.

A Insolvente veio aos autos reiterar não lhe ter sido possível ceder outras quantias para além das cedidas já que, com a sua colocação como docente na Escola Básica e Secundária do ..., nos …, as despesas dobraram com o pagamento da renda de casa nos Açores e em Guimarães, água, gás e electricidade de ambas as casas.

Em Setembro de 2016 foi colocada a leccionar na Escola Básica Integrada de ..., Ilha de ..., nos Açores, mas, como comprovou com atestado médico que juntou aos autos em 30/01/2017, porque a doença do foro oncológico de que padece se voltou a manifestar, entrou de baixa médica, assim tendo permanecido durante todo o ano lectivo, tendo passado a ser acompanhada por médicos da especialidade de psiquiatria e de neurologia, e tido a necessidade de fazer tratamentos de fisioterapia. Mais alega que por lhe ter aparecido uma fístula na boca os dentes começaram a cair tendo tido necessidade de fazer um tratamento no que gastou a importância de € 2.750,00.

Alega que de 12/09/2016 a 18/01/2017 auferiu parcas quantias que lhe não permitiram ceder qualquer importância, situação que se manteve até 31/08/2017, data em que cessou o seu contrato de trabalho, por continuar com incapacidade para o trabalho, tendo-se visto ainda na contingência de devolver a quantia de € 1.456,52 que havia sido indevidamente paga pela Escola Básica Integrada de ....

Esteve desempregada desde 01/09/2017 a 12 dos mesmos mês e ano, regressando aos Açores para aí voltar a leccionar, tendo gasto € 547 na compra do bilhete de avião, as quantias de € 312,50 e 210,00 com a realização de uma facoemulsificação do cristalino, a aquisição de uma armação de óculos e de uma lente, com tratamento, e bem assim a quantia de € 500,00 com o arrendamento de uma habitação nos Açores. Afirma ainda que desde aquela data até Abril de 2018 continuou impossibilitada de proceder à cessão de qualquer quantia por ter de suportar despesas a dobrar e ter tido necessidade de devolver a quantia de € 315,94 indevidamente recebida pelo seu filho a título de prestações familiares.

Seguidamente foi proferido douto despacho decidindo recusar a exoneração do passivo restante requerido pela Insolvente, com fundamento no disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 243.º daquele Código.

Inconformada, traz a Insolvente o presente recurso, pedindo a revogação da supramencionada decisão.

Não foram oferecidas contra-alegações.

O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre decidir.

**II.- A Apelante funda o seu recurso nas seguintes conclusões: A.1 - Por despacho datado do dia 29/04/2011, a fls. 417 e ss, foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante requerido pela Recorrente, tendo-se consignado que durante os 5 anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência, a Recorrente deveria ceder mensalmente a quantia que excedesse os € 450,00.

A.2 - Contudo, salvo o devido respeito por melhor opinião, se a Recorrente não cedeu quantias superiores às cedidas, tal deveu-se ao facto de não ter qualquer possibilidade de o fazer.

A.3 - Pois, se por um lado, de Abril de 2013 a Abril de 2014, os rendimentos líquidos auferidos pela Recorrente a título de salário e de subsídio de desemprego não ultrapassaram a quantia de € 450,00 e como tal, não estava obrigada a ter que ceder qualquer quantia, por outro lado, em face dos parcos rendimentos auferidos, a Recorrente viu-se na contingência de ter de utilizar a quantia auferida a título de IRS no montante de € 187,53 e as quantias auferidas pelo seu filho a título de prestações familiares, por forma a poder proceder ao pagamento da renda da sua habitação sita na cidade de Guimarães no montante de € 240,00 e bem assim, pagar a água, luz, gás, telefone, mobília comprada, alimentar-se, vestir-se, medicamentar-se, o mesmo fazendo relativamente ao seu filho.

A.4 - Assim e atento o supra exposto, não há dúvidas absolutamente nenhumas que de 25 de Abril de 2013 a Abril de 2014 a Insolvente não tinha que proceder à entrega de qualquer quantia ao Ex.mo Sr. Fiduciário, não tendo, dessa forma, violado qualquer das obrigações a que estava vinculada.

A.5 - Acresce que, de Maio a 21 de Setembro de 2014, a Insolvente não esteve a trabalhar e não auferiu qualquer rendimento seja a que título for.

A.6 - E, apesar de no dia 22/09/2014, ter sido colocada a lecionar, tal veio a suceder nos Açores, o que obrigou a Recorrente a arrendar uma habitação naquela localidade, tendo, durante aquele período, despendido a título de renda a quantia mensal de € 300,00.

A.7 - Apesar da Recorrente não ter junto aos autos qualquer recibo de renda relativamente àquele período, para comprovar o supra alegado, é do senso comum e resulta à saciedade que neste tipo de arrendamentos precários e de curta duração, os senhorios apenas celebram contratos verbais e não emitem qualquer recibo de renda e sendo certo que, a Recorrente vivia no Continente, vendo-se na contingência de ter que ir trabalhar para o arquipélago dos Açores, obrigatoriamente, teve que arrendar uma habitação naquela localidade.

A.8 - Acresce que, conforme consta dos factos provados, em virtude da doença oncológica de que padeceu, durante o período de cessão, a Insolvente teve necessidade de se deslocar por amiúdes vezes ao Hospital Nossa Senhora da Oliveira em Guimarães para ser acompanhada nas consultas de oncologia, conforme recomendações de boas práticas clínicas, tendo, para o efeito, tido necessidade de comprar os respetivos bilhetes de avião, o que, obviamente, também fez aumentar as suas despesas.

A.9 - Pelo que, a Meritíssima Juiz a quo, deveria ter dado como provado que, não obstante, naquele período, a Recorrente ter auferido quantias superiores ao rendimento indisponível, as despesas da Insolvente passaram a ser a dobrar, pagando € 240,00 da casa de Guimarães, € 300,00 da casa dos Açores e cerca de € 80,00 em cada uma dessas casas a título de água, luz, gás e telefone, tudo no montante total de € 700,00, a que acresceram as despesas com a sua alimentação e do seu filho, com as despesas medicamentosas, de vestuário, de higiene, com o apoio ao estudo individualizado prestado ao seu filho e todas as outras despesas do dia-a-dia e como tal, não tinha qualquer possibilidade de dispor de todas as quantias auferidas acima do valor indisponível.

A.10 - Apesar de no terceiro ano de cessão, a Recorrente ter conseguido arrendar uma habitação no arquipélago dos Açores, pelo montante de apenas € 180,00, o que é certo é que a Recorrente para se deslocar para o seu local de trabalho, viu-se na contingência de ter que adquirir um passe para andar de transportes públicos, despendendo para o efeito, a quantia de mensal de € 80,00, mantendo assim todas as despesas a que supra se fez referência e que a impossibilitavam de ceder ao Ex.mo Sr. Fiduciário quantias superiores àquelas que cedeu.

A.11 - Para piorar a situação, para além da doença oncológica de que a Recorrente padece ter voltado a manifestar-se, o que a levou a estar de baixa médica durante todo o ano letivo de 2016/2017, e de várias outras doenças se terem manifestado, a Recorrente ainda se viu na contingência de ter que devolver a quantia de € 1.456,52 que havia sido indevidamente paga pela Escola Básica Integrada de ..., o que também fez aumentar exponencialmente as suas despesas.

A.12 - Findo o referido contrato de trabalho, a Insolvente esteve desempregada desde o dia 01/09/2017 ao dia 12/09/2017, data em que regressou aos Açores para lecionar novamente e desde essa data, até Abril de 2018, a Insolvente continuou impossibilitada de proceder à cessão de qualquer quantia, devido ao facto de continuar a ter que suportar despesas a dobrar e de ter tido a necessidade de ter que devolver a quantia de € 315,94, indevidamente recebida pelo seu filho, a título de prestações familiares, além de que, a quantia recebida em 09/05/2018, a título de reembolso de IRS, no montante de € 790,00, ocorreu em momento posterior ao período de cessão (24/04/2018), devendo, como tal, tal facto ser retirado dos factos provados.

A.13 - Todas estas circunstâncias e todas as outras que foram alegadas nos autos, fizeram com que a Recorrente tivesse utilizado a quase totalidade das quantias recebidas, para fazer face às despesas do dia-a-dia, impedindo-a de depositar na conta do Sr. Fiduciário a totalidade das quantias monetárias auferidas acima do...

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