Acórdão nº 80/18.2T8TMC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO SAMPAIO
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. RELATÓRIO: (…), casado, empresário, NIF (…) e residente na Rua (…), (…), Braga, veio requerer a declaração de insolvência, de (…) Lda., pessoa colectiva (…) com sede no Lugar de (…) , alegando para tanto e em síntese, que: - a requerida é uma sociedade comercial que tem como objecto social a exploração de estabelecimentos hoteleiros com restaurante e gestão e exploração de parques aquáticos, tendo sido constituída em (…), com o capital social de €5.000,00, sendo sua gerente (…), e como sócios, para além da Sr.ª (..) o Sr. (…) e a (…).

- que por contrato de cessão de créditos, celebrado por escritura-pública, no dia (…) a Caixa (…) C.R.L., cedeu ao requerente o crédito por si detido sobre a sociedade comercial “… Lda”, no valor, àquela data, de €635.308,87 (seiscentos e trinta e cinco mil trezentos e oito euros e oitenta e sete cêntimos).

- a requerida garantiu o pagamento do crédito cedido ao requerente, através da constituição voluntária de hipoteca sobre os seus bens imóveis, descritos no Título de Mutuo com Hipoteca celebrado no … na Conservatória do Registo Predial de … no âmbito do processo Casa Pronta n.º (…).

- e sobre os bens imóveis descritos no Título de Mutuo com Hipoteca e Fiança celebrado no dia (…) na Conservatória do Registo Predial de (..), no âmbito do processo Casa Pronta n.º (…) - desta cessão de créditos deu o requerente conhecimento, por carta, à requerida (…), Lda, que a recebeu - o crédito cedido encontrava-se a ser peticionado pela cedente Caixa (…) C.R.L, em três diferentes processos executivos movidos contra a requerida, a saber:

  1. Processo executivo n.º (…), pendente no Juízo de Execução de Coimbra, J2; b) Processo executivo n.º (…) pendente no Juízo de Execução de Chaves; e c) Processo executivo n.º (…), pendente no Juízo Central Cível e Criminal de Bragança, J1.

    - adquirido o crédito, o requerente deduziu, em cada um daqueles processos, Incidente de Habilitação de Cessionário, tendo o mesmo sido considerado habilitado, por sentenças já transitadas em julgado, a prosseguir cada uma das ações executivas em substituição da Caixa (…) C.R.L - desde o dia 12 de Janeiro de 2007 que o requerente é dono e legítimo proprietário do Estabelecimento Comercial Parque de Diversões Aquáticas com a marca “…”, situado no Lugar de (…) Freguesia de (…) com todos os seus elementos corpóreos e incorpóreos que o integram, - sendo que a requerida tomou posse indevidamente desse estabelecimento comercial, originando, despesa de água, luz e outros, que ascende, actualmente, a cerca de €8.609,77, - O requerente, apesar de tentar cobrar da Requerida o valor em dívida, jamais o conseguiu.

    Concluiu pelo preenchimento dos requisitos a que se alude no art.º 20º do CIRE e, nessa medida, pela declaração de insolvência da requerida.

    *A requerida deduziu oposição, defendendo-se por impugnação, refutando os factos que lhe são imputados pelo requerente.

    *Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença que declarou a insolvência de (…), Lda.

    *Inconformada, apelou a requerida (…) Lda, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “CONCLUSÕES

  2. Com base na matéria de facto provada, ficam a faltar os elementos fundamentais de que depende o decretamento da insolvência, sendo que, o primeiro de todos, prende-se com a própria legitimidade activa do Requerente.

  3. Jamais ficou demonstrada a existência de um crédito por parte do Requerente.

  4. Tal como decorre da própria matéria provada, designadamente o ponto 3º, refere-se que o Requerente adquiriu um crédito à Caixa (…) CRL, sobre a sociedade comercial (…), SA, pessoa colectiva n.º (…) e não sobre a insolvente.

  5. Tendo em conta que é este o crédito em que o requerente estriba o seu pedido e que lhe confere (alegadamente) a legitimidade processual nos presentes autos, porque inexiste, não poderia ser dado como provada a sua existência e, em consequência, ser conferida legitimidade processual ao requerente.

  6. Falta, portanto, um dos requisitos essenciais de que depende o decretamento da presente insolvência.

  7. Jamais se pode dar como divida da insolvente, o crédito que o requerente adquiriu à Caixa de (..).

  8. Pelo que, inexistindo crédito do requerente, inexiste de igual forma, legitimidade activa.

  9. De acordo com o art. 25º, nºs. 1 e 2 do CIRE, quando o pedido não provenha do próprio devedor, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, devendo oferecer todos os meios de prova de que disponha.

  10. Para que a insolvência venha a ser decretada, ele terá de demonstrar a sua qualidade de credor, como facto constitutivo do seu direito a requerer a insolvência do requerido.

  11. E tal demonstração poderá, em regra, ser efectuada no processo de insolvência, havendo que proceder-se, em regra, a audiência de julgamento para determinação da existência de tal crédito e dos demais pressupostos de que a lei faz depender a declaração de insolvência do devedor – o que, nos autos não ocorreu (a este propósito, vide Acórdão da Relação do Porto no âmbito do processo n.º 1795/11.1TJVNF.P1, que teve como relatora MARIA AMÁLIA SANTOS, datado de 22 de Março de 2012).

  12. O Tribunal decidiu lançar mão da lista de créditos reconhecidos num processo especial de revitalização, que foi apensado aos autos e que terminou antes de concluídas as negociações e, nessa medida, dar como assente a lista de créditos ali indicada; l) Tendo-o feito em infracção do disposto no art.º 91º n.º 2 do CPC, quando se diz que a decisão das questões e incidentes não constitui caso julgado fora do processo respectivo.

  13. E foi com base nesta lista que, não só reconheceu um crédito ao requerente, como todos os demais créditos sobre a insolvente.

  14. Pese embora tudo ter sido impugnado nos presentes autos e não ter sido produzida aqui, qualquer prova.

  15. A função relevante da lista definitiva de credores no PER é única e exclusivamente a de compor o quórum deliberativo previsto no artigo 17º-F, n.º 3 do CIRE, não tendo a decisão sobre as impugnações força de caso julgado fora do estrito âmbito do PER.

  16. Em suma, tendo por base esta argumentação, jamais o Tribunal poderia fundamentar, como fundamentou, a decisão quanto à matéria de facto, em documentos/lista de créditos reconhecidos, no âmbito do PER que correu termos pelo processo sob o n.º 1(…) , agora apenso aos autos.

  17. Pelo que, não podendo fundamentar desta forma a decisão tomada, deveria esta matéria constante dos pontos 14 a 18, ser dada como não provada.

  18. O que terá como consequência necessária, a não verificação dos pressupostos de que depende a declaração de insolvência, sendo certo que, neste caso, já não está sequer em causa a questão da legitimidade activa para o pedido de insolvência, mas também a verificação do passivo da sociedade, necessária à apreciação sobre a eventual situação de insolvência.

  19. O que, inevitavelmente, levaria à improcedência da acção.

  20. Deve, em conformidade, ser revogada a sentença de declaração de insolvência.

    Pugna a Recorrente pela procedência do recurso e consequente revogação da sentença recorrida.

    *O Recorrido (…), contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e deduzindo recurso subsidiário, prevenindo a possibilidade dos fundamentos de recurso aduzidos pela apelante virem a proceder, concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos:

    1. A ilegitimidade ativa do requerente da insolvência, nunca foi fundamento da defesa da recorrente insolvente até às alegações de recurso de apelação da sentença que decretou a sua insolvência.

    B) A legitimidade processual ou “ad causam” nada tem a ver com a chamada “legitimidade substantiva”, como ensinava o Professor Antunes Varela - in Manual de Processo Civil, 2ª edição revista, Coimbra Editora, páginas 128 e seguintes, especialmente páginas 132, nota 2, e 133.

    C) A alegação da recorrente insolvente de não ter o requerente legitimidade para requerer a insolvência daquela por não ser seu credor, constitui um manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por contrariar flagrantemente o que, anteriormente, assumiu e reconheceu em dois momentos distintos: O primeiro momento, quando, no processo executivo n.º (..), pendente no Juízo de Execução de Coimbra, J2 - no qual, de acordo com o ponto 7 e 8 da matéria de facto dada como provada, a cedente do crédito hipotecário se encontrava a peticionar o crédito hipotecário cedido ao requerente e no qual este veio a ser considerado habilitado – a insolvente (ali executada), por intermédio do seu mandatário, em requerimento de 12-02-2018, ter assumido a dívida exequente e o seu pagamento ao requerente, ao referir, “Aliás, espera a executada estar em condições, muito em breve, de proceder ao pagamento das importâncias aqui em dívida” - Cf. Doc. 19 junto com o requerimento inicial de Insolvência.

    Num segundo momento, e em reforço, quando, já após a propositura da Insolvência, no requerimento inicial do Processo Especial de Revitalização que se encontra apensado ao processo de insolvência, a própria insolvente, nos itens 23.º e 24.º daquele requerimento inicial e nos documentos n.ºs 5 e 6 juntos a este, a Insolvente ali indicou o requerente (…) como seu credor no montante de €635.308,87, precisamente o valor do crédito cedido ao requerente e indicado no ponto 3 da matéria de facto dada como provada.

    D) Se a sociedade devedora do crédito cedido ao requerente era uma outra sociedade com a firma (…) Lda., a insolvente, nos dois momentos processuais ante elencados, claramente que assumiu perante o requerente, nos termos do artigo 595.º do CC, a dívida a este cedida e o seu pagamento.

    E) Para além do crédito invocado nos artigos 4.º a 11.º do requerimento inicial, o requerente, invocou, ainda, ser titular de um outro crédito perante a insolvente, alegado nos artigos 28.º a 38.º daquele requerimento inicial e que não gozava de qualquer garantia especial, no montante...

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