Acórdão nº 3122/18.8T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

Relatório Recorrente: (…) S.A.

Recorridas: (…) Lda. e (…).

(…) Lda., com sede na Avenida dos (…) X, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra (…) e (…) S.A., ambas com sede na (…) X, pedindo que: a- se declare que a Autora (…), Lda. é titular do direito de concessão dos transportes urbanos da área de (..), que abrange as freguesias de (…) em regime de exclusividade; b- se condene as Rés (..). e (…) S.A., a reconhecerem esse direito; c- se condene solidariamente as Rés (..) Lda. e (..) S.A. a pagarem à Autora (..) Lda., o montante de 45.945,34 euros, acrescido de juros, à taxa legal, a contar da citação e até efetivo e integral pagamento; d- se condene solidariamente as Rés (…) Lda. e (…)S.A., a pagarem à Autora(…) , Lda., os prejuízos que a sua descrita conduta lhes causar a partir do dia 1 de janeiro de 2018 e até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nos autos, a liquidar ulteriormente; e- se condene solidariamente as Rés (..) Lda. e (…) S.A., no pagamento à Autora de uma indemnização de 500,00 euros, por cada passageiro que embarque e/ou desembarque dentro da área de concessão dos transportes urbanos de (…) , no período referido na alínea anterior do pedido.

Para tanto alega, em síntese, dedicar-se, com escopo lucrativo, à atividade de transportes públicos de passageiros; No ano de 2015, o Município de (..) lançou concurso público tendo por objeto a concessão do serviço público de transportes coletivos de passageiros das áreas urbanas de X e freguesias limítrofes, ao qual concorreu a Autora, ficando graduada em primeiro lugar; Por via disso, por escritura de concessão de serviço público de transportes coletivos de passageiros da área urbana e freguesias limítrofes, outorgada em 22/09/2015, o Município de X adjudicou-lhe a concessão dos transportes urbanos da área urbana de X e freguesias limítrofes, pelo prazo de dez anos, em regime de exclusividade; Nos termos do art. 30º, n.º 5 da Postura Regulamentar do Trânsito na Área da Cidade de X, na redação que lhe foi conferida pela deliberação de 25/06/2010 da Câmara Municipal de X, o perímetro de ação dos transportes urbanos da área de X, abrange as freguesias de (...); Acontece que não obstante, pelo menos, a 1ª Ré conhecer o caderno de encargos daquele concurso, a que concorreu, e de ambas conhecerem a Postura Regulamentar acima referida, as Rés, com especial incidência no início do ano de 2016, efetuaram transportes de passageiros dentro da área de concessão dos transportes urbanos de X, fazendo-o, estrategicamente, sempre uns minutos à frente dos autocarros da Autora, nos horários com mais procura, para lhe retirar os passageiros, e a preços anormalmente baixos, em alguns casos, a menos de metade do preço praticado pela última; Acresce que sem prévia autorização da Autora e/ou do Município de X, as Rés alteraram a imagem dos veículos da sua frota, com o propósito de se assemelharem aos veículos da Autora e de confundirem os passageiros; Com as descritas condutas, as Rés causaram prejuízos à Autora, cuja indemnização esta reclama, e não obstante as diligências que esta e o Município de X encetaram com vista a que as Rés pusessem termo a essas condutas, as mesmas prosseguem com estas, avolumando os prejuízos causados à Autora.

As Rés contestaram impugnando parte da factualidade alegada pela Autora, sustentando que dispõem de alvarás e títulos de concessão para prestação de serviços público nas freguesias de (...) e não terem prestado serviço nas freguesias de (...).

Concluem pela improcedência da ação, pedindo que sejam absolvidas do pedido.

Por despacho proferida em 09/01/2019, fixou-se o valor da ação em 65.945,34 euros, e declarou-se incompetente, em razão do valor, a Instância Local Cível de X para conhecer dos ulteriores termos da ação e competente para o efeito a Instância Central Cível de X, para onde, após trânsito deste despacho, ordenou-se a remessa dos autos.

Remetidos os autos ao Juízo Central Cível de X, por despacho proferido em 06/02/2019, ordenou-se a notificação das partes, nos termos dos arts. 3º, n.º 3 e 6º do CPC, para se pronunciarem sobre a exceção da incompetência absoluta material do Tribunal Cível para conhecer da pretensão formulada pela Autora.

Apenas a Autora se pronunciou, o que fez por requerimento entrado em juízo em 13/02/2019, em que propugna pela não verificação daquela exceção, sustentando, nuclearmente, que a causa de pedir é à responsabilidade civil extracontratual das Rés e os danos que daí advieram para a Autora; que na relação jurídica constituída não intervém, a título principal ou acessória, qualquer entidade pública ou privada dotada ou investida de poderes públicos; que a Autora e Rés são entidades privadas e foi na esfera do direito comum que a relação material controvertida foi configurada e estruturada; que os pedidos que formulou de reconhecimento do seu direito de concessão dos transportes urbanos da área de X e de condenação das Rés no reconhecimento desse direito são meramente instrumentais em relação aos pedidos por perdas e danos que formula nas alíneas c), d) e e) do petitório e que tais pedidos não emergem, sequer têm subjacente, uma relação jurídica administrativa.

Em 28/02/2019 proferiu-se despacho, conhecendo da exceção da incompetência absoluta, em razão da matéria, dos tribunais judiciais para conhecer dos autos, julgando essa exceção procedente e, em consequência, absolvendo as Rés da instância, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva: “Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nas normas citadas e ainda nos art.ºs 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2 e 577º, al. a), do NCPC, declaro este tribunal incompetente em razão da matéria e, em consequência, absolvo os réus da instância.

Custas pela autora (cfr. art.º 527º, do citado diploma legal)”.

Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: I – O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida nos autos que, sem se pronunciar sobre o mérito da causa, declarou o Tribunal incompetente em razão da matéria, nos termos do disposto nos artigos 278º, nº 1, alínea a), 576º, nºs 1 e 2, e 577º, alínea a), do CPC.

II – A competência do tribunal é determinada em face dos termos da ação, ou seja, do pedido e da causa de pedir que o suporta.

III – Dos oitenta e seis artigos que compõem o articulado inicial, a recorrente referiu-se ao contrato de concessão em apenas quatro desses artigos (itens 9, 10, 11 e 12), ocupando vinte e três artigos com a descrição dos factos ilícitos que imputa às Rés (itens 19 a 42) e dezanove artigos com os prejuízos daí decorrentes (itens 43 a 62).

IV – Da conjugação da causa de pedir com os pedidos formulados, conclui-se que uma e outros radicam, essencial ou principalmente, na responsabilidade civil extracontratual das Rés (por ato ilícito) e os danos que daí sobrevieram para a Autora, responsabilidade civil essa que a recorrente fundamentou no disposto nos artigos 483º e 486º do CC (vd. item 78 do articulado inicial).

V – Autora e Rés são duas entidades privadas e foi na esfera do direito comum que a relação material controvertida foi configurada e estruturada.

VI – Na relação jurídica assim constituída não intervém, principal ou acessoriamente, uma entidade pública ou uma entidade privada dotada ou investida de poderes públicos.

VII – Os pedidos formulados sob as alíneas a) e b) do petitório são meramente acessórios ou instrumentais em relação aos pedidos de indemnização por perdas e danos formulados sob as alíneas c), d) e e) do petitório, só tendo sido formulados para que estes pedidos não ficassem mancos.

VIII – A apreciação, no caso dos autos, do contrato de concessão não importa qualquer labor interpretativo pelo tribunal recorrido, nem lhe impõe o conhecimento de normas de direito público ou administrativo.

IX – O litígio não emerge de qualquer relação jurídica administrativa, mas de uma relação jurídica de direito privado, regulada por normas e princípios do direito comum (direito civil), que não deixa de o ser pelo facto do direito que a Autora quer ver tutelado emergir de um contrato de direito administrativo.

X – A apreciação judicial da relação jurídica em causa está arredada, pela sua natureza, da jurisdição administrativa, não estando aqui preenchida a previsão das alíneas a), e) e o), do nº 1 do artigo 4º do ETAF, citadas pelo tribunal recorrido, não tendo aplicação, de igual modo, a jurisprudência emanada dos doutos arestos por ele também citados.

XI – A regra da competência dos tribunais judiciais segue o princípio da residualidade, isto é, são da sua competência as causas não legalmente atribuídas à competência dos tribunais de outra ordem jurisdicional – cfr. artigo 66º do CPC e 40º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26.08).

XII – É, assim, o tribunal comum – in casu, o Juízo Central Cível de X – o materialmente competente para conhecer e decidir a presente ação.

XIII – A douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou, por errada ou má interpretação, o disposto nos artigos 4º, nº 1, alíneas a), e) e o), do ETAF e nos artigos 66º do CPC e 40º, nº 1, da Lei 62/2013, de 26.08.

NESTES TERMOS e nos melhores de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, revogando-se, na sequência, a douta sentença recorrida e substituindo-a por uma outra decisão que declare a competência em razão da matéria do Juízo Central Cível de X para conhecer e decidir a presente ação, com as legais consequências.

*Não foram apresentadas contra-alegações.

*Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

*II- FUNDAMENTOS O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º...

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