Acórdão nº 3455/07.9TBGMR-A.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Em 07-08-2007, a exequente (…) SA, instaurou, no Tribunal de Guimarães, com base numa livrança, execução para pagamento da quantia de 5.368,24€, contra o executado (…) (e esposa), seu subscritor.

Este foi citado nela, em 16-12-2017.

Na sequência, em 24-01-2018, beneficiando de apoio judiciário, deduziu embargos de executado, por apenso.

Pediu, neles, que sejam julgadas procedentes as excepções e, em consequência julgada extinta a instância executiva com os devidos efeitos.

Alegou, para tal, resumindo, que o requerimento executivo é inepto (por dele não se aferir a legitimidade do exequente e nele não se referirem factos que sustentem o pedido).

O valor aposto na livrança é exorbitante (pois estão prescritos os juros vencidos no período de cinco anos que antecedeu 2013).

Encontrando-se doente, não se recorda de ter subscrito qualquer livrança, muito menos esta (dado o tempo decorrido).

Assentando o preenchimento da mesma num pretenso contrato, o certo é que este foi elaborado e redigido pela exequente, a qual definiu os dizeres dele constantes para ser apresentado a todos aqueles que com ela negociassem um crédito daquele tipo.

Em nenhum momento lhe foi conferida a possibilidade de intervir na respectiva negociação ou de modificar qualquer das suas cláusulas. Interveio apenas aquando da assinatura “dos referidos documentos”, tendo-se limitado a apô-la nos locais que lhe foram indicados para esse efeito, sendo que tal contrato é composto por um vasto clausulado escrito em letras muito minúsculas, pouco ou nada perceptíveis, que comporta um exigente conhecimento de conceitos técnico-jurídicos.

Contudo, quer antes, quer aquando da sua assinatura, ou mesmo depois, a exequente não lhe entregou qualquer documento “relacionado com aqueles escritos”, não lhe comunicou qualquer das cláusulas que os integram e também não lhe prestou qualquer informação sobre esse assunto, sequer lhos leu ou explicou.

Acresce que, no momento da suposta subscrição da livrança não foi aposto qualquer valor, nem foi indicada qualquer data de emissão ou vencimento, desconhecendo também em que condições, mormente vencimento e valores, podia ser preenchida, bem como o propósito da sua alegada assinatura.

A livrança foi, assim, preenchida após ter sido assinada em branco (item 17), e sem consentimento, muito menos válido, do embargante, limitando-se a embargada, na pessoa do seu funcionário/representante, “após assinaturas”, a referir que, dentro de dias, lhe seria enviada toda a documentação.

Nunca, designadamente, aquela o esclareceu do real significado e implicações dos dizeres apostos na cláusula 14ª, ponto 3, das Condições Gerais do Contrato (relativa a autorização para preenchimento da livrança e respectivas condições), como era sua obrigação, nos termos do Decreto-Lei nº 446/85 (maxime artºs 1.º e 5.º, n.ºs 1 e 2), de modo a formar e a ter a sua vontade livre e esclarecida no momento da subscrição ou adesão, o que acarreta a exclusão de tais cláusulas (art. 8.º, do aludido DL n.º 446/85).

Assim, o título dado à execução, além de assentar numa relação viciada, foi assinado em branco mas abusivamente preenchido, nunca o embargante a tendo autorizado a fazê-lo, designadamente quanto ao valor e data de vencimento.

Indicou prova testemunhal, requereu depoimento e declarações de parte e pediu a notificação da parte para juntar diversos documentos e prestar informações.

Foram recebidos os embargos.

Uma vez notificada, a exequente/embargada contestou, impugnando toda a factualidade, designadamente por falsa, refutando a ineptidão (por a livrança, enquanto título executivo, atentos os princípios que regem as relações cartulares, ser suficiente e dispensar qualquer referência à relação jurídica subjacente, embora nela se identifique o respectivo contrato) e a prescrição (pois que o requerimento executivo deu entrada em 14-08-2007 e a sua data de vencimento era 15-02-2007).

Quanto ao dito contrato, alegou, que, entre o exequente e o executado e a esposa deste, foi celebrado, em 29-08-2001, o acordo intitulado contrato de financiamento para aquisição de bens de consumo duradouro (contrato n.º 123311, cujo teor consta, por cópia, do doc. n.º 1 junto (fls. 18 vº e 19) e original a fls. 83, mediante o qual lhes concedeu um empréstimo, no montante de 5.461.800$00 (€27.243,34), para aquisição de um veículo, obrigando-se eles a pagar-lhe 72 prestações.

Ambos o assinaram.

Foi, ainda, convencionado e nele consta que o embargante teria que assinar uma livrança – o que fez na data de outorga do contrato - e autorizar, em caso de não cumprimento do mesmo, o mutuante a preenchê-la pelo valor devido, em caso de incumprimento – cláusula 14ª nº 3.

Foi, pois, no pleno conhecimento de todos estes factos que o Embargante/Executado assinou o referido contrato de financiamento e a aludida livrança em branco, que, aliás, está unida ao contrato de mutuo e do qual faz parte integrante, sendo que, na parte superior do respectivo destacável (cfr. cópia junta ora a fls. 21), estão transcritos os dizeres da clausula 14ª, nº 3, da convenção de preenchimento inserta nas Condições Gerais do Contrato.

Salientou que o embargante, afinal, não põe em causa que subscreveu a livrança, a qual contém todos os requisitos essenciais (artºs 28º, 75º e 78º, da LULL), ficando vinculado como tal ao seu pagamento (tal como a co-executada).

O embargante autorizou o preenchimento da livrança, nos termos em que a embargada o fez, bem como a sua imediata apresentação a pagamento na hipótese de incumprimento do contrato.

Conforme refere a alínea 3, do n.º 14, das Condições Gerais do Contrato de financiamento: “Os mutuários… sem necessidade de novo consentimento, autorizam expressamente a Crédito ... a preencher e completar os títulos de crédito que este(s) lhe entregar(em), devidamente subscritos pelos mutuários mas não integralmente preenchidos, nomeadamente quanto a data, local de pagamento e valor, o qual corresponderá ao saldo em dívida de capital, juros e demais encargos e despesas emergentes do contrato, podendo a Crédito ... fazer de tais títulos o uso que entender, na defesa do seu crédito”.

Tal possibilidade de preenchimento posterior, assim autorizada, corresponde, aliás, à prática bancária.

Como o embargante/executado apenas pagou 58 das 72 prestações mensais previstas, não obstante as diversas interpelações para o efeito, o contrato foi resolvido (conforme comunicação, por carta registada, datada de 02-02-2007, dirigida ao embargante e esposa, dando-lhes conta disso, do valor das obrigações vencidas, de que as mesmas se encontravam tituladas pela livrança por eles subscrita e de que, na falta de pagamento, seria instaurada execução (cfr. cópia junta a fls. 23).

Assim, o valor da livrança 1.056.227$00 (€5.268,44) e a respectiva data de vencimento foram-lhes devidamente comunicados e o seu preenchimento foi feito respeitando a lei e as condições contratadas, inexistindo preenchimento abusivo (cláusulas 9ª e 14ª), não havendo preenchimento abusivo.

Quanto à alegada falta de explicação do clausulado e de entrega do mesmo, salienta (retoricamente) o que entende serem incongruências da alegação do embargante sobre isso ao dizer ora que não se recorda ora que se recorda de tais omissões, e defende que a aposição da assinatura pelo embargante no contrato e livrança é uma forma de manifestar a vontade de se vincular nos termos que constam desse documento, sabendo ele da dívida que deu origem à livrança dada à execução e na sequência de cujo contrato ela foi entregue ao exequente, estando mencionado nela o respectivo número.

De resto, os executados, durante o tempo em que cumpriram o contrato (pagaram 58 das 72 prestações), nenhuma dúvida tiveram sobre a existência e conhecimento do contrato, tão pouco sobre isso contactaram a exequente, não entregaram o veículo, pelo que agem em abuso de direito, pretendeno apenas eximir-se da sua obrigação e litigando de má-fé.

Concluiu que os embargos devem ser julgados improcedentes.

Indicou prova testemunhal e juntou os documentos alusivos ao contrato, a livrança e a carta/comunicação.

Notificado, o embargante respondeu que “desconhece a veracidade, autoria, letra e assinatura dos documentos n.ºs 2 e 3 – o contrato e a livrança –, o que equivale a impugnação para os devidos efeitos legais, impugnando ainda os demais documentos juntos na contestação, não só por desconhecer a veracidade da letra e teor mas também quanto aos efeitos e consequente prova que com os mesmos a exequente pretende fazer”, bem como o alegado sobre a litigância de má fé, defendendo que esta deve ser julgada improcedente.

Subsequentemente, por decisão de 21-03-2018, foi dispensada a audiência prévia, fixado o valor da causa e proferido saneador, no qual, além do mais, foram julgadas improcedentes a ineptidão e a prescrição (da obrigação cambiária e dos juros) e, considerando que o estado dos autos – “atentos os factos já firmados pelo acordo das partes e o teor do título executivo e demais documentos juntos” – permitia decisão de mérito, foi esta logo proferida, julgando-se improcedentes os embargos e a arguida litigância de má-fé.

O embargante não se conformou e apelou a esta Relação, que, por Acórdão de 04-10-2018 (fls. 50 a 73), julgou procedente tal recurso e, dando-lhe provimento, revogou aquela decisão na parte do saneador que conhecera logo do mérito e determinou o prosseguimento para audiência final nos termos do artº 596º.

Baixados os autos, foi dispensada, ao abrigo do artº 597º, a identificação do objecto do litígio, bem como a enunciação dos temas da prova, resolvidos os requerimentos de prova e marcada a audiência de discussão e julgamento.

Esta realizou-se, nos termos e com as formalidades descritas na acta respectiva (fls. 85 a 87), no seu decurso tendo sido tomadas declarações de parte ao embargante e o depoimento de quatro testemunhas arroladas pelo embargado.

Após, com data de...

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