Acórdão nº 768/17.5T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução19 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

  1. RELATÓRIO.

Recorrente: (…) Recorridos: (…) (..), residente na Rua (…) n.º (…), Ponte de Lima, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra (..) e (…) residentes no Lugar de (…) Ponte de Lima, e (…) e (…), residentes no Lugar (…), Ponte de Lima, pedindo que: a- se declare a nulidade da transmissão de quotas efetuada entre os 1ºs Réus e os 2ºs Réus, a que se refere o documento 2 e os artigos 7º, 9º e 10º da petição inicial; b- se declare a restituição das quotas, na medida do interesse da Autora, ao património dos 1ºs Réus, podendo a Autora executá-las no património dos 2ºs Réus.

Para tanto alega, em síntese, que por documento particular outorgado pelos 1ºs Réus em 12/11/2011, estes declararam-se devedores da Autora da quantia de 10.000,00 euros, acrescida de juros; Essa quantia permanece em dívida; Os 1ºs Réus não têm quaisquer bens registados em seu nome; Em 24/10/2012, os 1ºs Réus transmitiram, a título gratuito, aos 2ºs Réus as quotas que detinham na sociedade (…) Lda.; Os 1ºs Réus procederam de tal modo com o intuito, conseguido, de não cumprir as suas obrigações, que bem conheciam, apenas pretendendo dar uma aparência aos credores de que não possuíam meios para as cumprir; São os 1ºs Rés que continuam a administrar e a gerir a sociedade (…) e a receber os frutos resultantes da atividade dessa sociedade, sendo o 1º Réu-marido o seu gerente de facto.

Os 2ºs Réus contestaram, defendendo por exceção e por impugnação.

Invocaram a exceção da caducidade do direito da Autora a impugnar o ato de transmissão das quotas, alegando que tendo esse ato tido lugar em 23/10/2012, esse direito estava caduco quando foram citados para os termos da presente ação em 23/10/2017; Suscitaram a inconstitucionalidade da pretensão da Autora por violação do princípio da proporcionalidade, sustentando que a anulação do negócio que aquela visa alcançar, e cujo valor ascende a 111.000,00 euros, excede em dez vezes o valor do crédito que pretende acautelar; Aceitaram terem celebrado com os 1ºs Réus a escritura de cessão de quotas, mas impugnaram que essa cessão tivesse sido realizada a título gratuito, alegando que pagaram pela respetiva aquisição a quantia de 111.000,00 euros; Impugnaram parte da restante factualidade alegada pela Autora.

Concluem pedindo que se julgue a ação improcedente e sejam absolvidos do pedido.

Também os 1ºs Réus contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocaram a exceção da falta de patrocínio, sustentando que a Autora não se encontra patrocinada por advogado, apesar desse patrocínio ser obrigatório; Invocaram a exceção da caducidade do direito da Autora a impugnar o negócio, alegando encontrarem-se decorridos mais de cinco anos sobre a data da celebração do ato impugnado; Invocaram a exceção da nulidade do crédito invocado pela Autora, sustentando que o crédito por esta invocado respeita a um empréstimo efetuado às empresas “... – Sociedade de Construções e Imobiliária, Lda.” e “... – Construções e Armações de Ferro, Lda.” para atender a compromissos destas e que a declaração de dívida junta aos autos como doc. 1 encontra-se subscrita pelos mesmos na qualidade de “avalistas”, mas que esse aval é nulo, posto que tal garantia é sempre comercial e apenas pode ser prestada em títulos de crédito; Excecionaram sustentando que tinham à data da celebração do ato impugnado, e continuam a ter, património suficiente para satisfazer o pretenso crédito a que a Autora se arroga titular até porque, desde 24/03/2017, são os únicos sócios da “...”, data em que readquiriram as quotas que tinham transmitido aos 2ºs Réus em 2012, aquisição esta que foi registada em 24/03/2017; Impugnaram a quase totalidade da factualidade aduzida pela Autora.

Concluem pedindo que por via da procedência das exceções que invocam sejam absolvidos da instância ou do pedido e, subsidiariamente, que se julgue a ação improcedente e se absolva aqueles do pedido.

Em 02/03/2018, a Autora juntou aos autos procuração forense a favor da sua mandatária, em que declara ratificar os atos por esta praticados.

Por despacho proferido em 12/04/2018, ordenou-se a notificação da Autora, nos termos do art. 3º do CPC, para se pronunciar, querendo, quanto à exceção perentória da caducidade invocada pelos Réus.

A Autora acatou esse convite a fls. 71 a 73, concluindo pela improcedência dessa exceção.

Ordenou-se o registo da ação.

Por despacho de 02/01/2019, ordenou-se a impressão e a junção aos autos de certidão permanente da sociedade “...” e a notificação da Autora para se pronunciar, no prazo de dez dias, sobre a utilidade de prosseguir com a lide, tendo em conta que os 1ºs Réus são, desde 24/03/2017, novamente os únicos sócios dessa sociedade.

Notificada desse despacho e certidão, a Autora não se pronunciou.

Por sentença proferida em 07/02/2019 julgou-se extinta a instância por inutilidade originária da lide, constando essa sentença do seguinte teor: “Uma vez que, antes da instauração do presente processo, mais propriamente em 24.03.2017, os RR.

J. M.

e mulher, M. M.

, e A. S.

e mulher, M. G.

, desfizeram o negócio de cessão das quotas da “... – Casas .... Lda.”, tendo os 1.ºs RR. passando a ser, novamente, os únicos sócios da aludida sociedade, assim se cumprindo o pretendido pela A.

R. M.

, inexiste razão de ser para a subsistência destes autos.

Pelo exposto, e nos termos do art.º 277.º, al. e), do C.P.C., julgo extinta a presente instância por falta de interesse em agir da A. geradora de inutilidade originária da lide.

*Custas pela A.

*Fixo o valor da ação em 10.000,00 € - art.º 297.º, n.º 1, do C.P.C.” Inconformada com o assim decidido, veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões: a. O interesse em agir da Recorrente, no âmbito de uma impugnação pauliana, tem de ser aferido atendendo aos requisitos previstos no art.º 610.º, do Cód. Civil.

  1. Neste caso concreto, o interesse em agir da Recorrente, no que à declaração de ineficácia do ato a impugnar diz respeito, afere-se pela verificação da condição de tal ato – à data da sua prática – ser apto a impossibilitar ou agravar a impossibilidade de a credora, aqui Recorrente, ver o seu crédito satisfeito.

  2. Tal interesse em agir não pode ser verificado à data da propositura da ação pauliana e concorre para tal o facto de o legislador estabelecer expressamente um prazo de caducidade.

  3. O Tribunal a quo está ainda vinculado a atender, na definição da existência de interesse em agir, ao efeito que a Recorrente pretende acautelar com o recurso à ação e ao pedido formulado e não apenas à condição de reingresso do bem no património dos 1.ºs Recorridos.

  4. Tal raciocínio significaria que, no âmbito das sociedade comerciais, seria lícita por parte dos titulares de quotas (devedores) a alienação fraudulenta de participações sociais, com o propósito de prejudicar os credores, desde que, ainda que depois de a sociedade comercial se encontrar esvaziada de qualquer valor, essas participações sociais retornassem ao património dos devedores, escapando assim tal ato ao crivo do credor e se eximindo na totalidade o adquirente de má fé.

  5. Não é pois, este o propósito que se visa acautelar através da impugnação pauliana, nem a lei estabelece como requisito de procedência da mesma que o bem alienado se encontre ainda ausente do património do devedor e presente no património do adquirente de má fé.

  6. Nos casos em que o bem alienado já não se encontre no património dos adquirentes, a impugnação pauliana terá o escopo de possibilitar ao credor exigir dos adquirentes o pagamento da dívida que com o ato a impugnar prejudicaram.

  7. Neste sentido, a Sentença proferida, repisa-se, desconsiderou in totum o pedido formulado contra os adquirentes aqui 2.ºs Recorridos.

  8. Mais, o Tribunal a quo estava, pelo menos, obrigado a, nos termos do art.º 590.º, n.º 2, do Cód. de Proc. Civil, convidar a Recorrente ao aperfeiçoamento da Petição Inicial se entendesse não ser clara a possibilidade de procedência da mesma ou o interesse da Recorrente, ainda que claramente expresso em relação a 1.ºs e 2.ºs Recorridos e decorrência própria do tipo de ação intentada.

  9. À Recorrente não foi sequer dada a faculdade de se pronunciar quanto à invocada exceção que veio a dar lugar à sentença proferida.

  10. Razões pelas quais deve a Sentença proferida ser revogada, prosseguindo o processo os seus ulteriores trâmites.

    Os 1ºs Réus, J. M. e M. M. contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação, formulando as conclusões que se seguem: 1ª- Estabelece o artigo 610º do Cód. Civil que “Os atos que envolvam diminuição da garantia patrimonial do crédito e não sejam de natureza pessoal podem ser impugnados pelo credor, se concorrerem as circunstâncias seguintes:

  11. Ser o crédito anterior ao ato ou, sendo posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; b) Resultar do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou agravamento dessa impossibilidade”.

    1. No presente caso, - a Autora intentou esta ação de impugnação pauliana em 19/10/2017, argumentando ser credora dos 1ºs RR desde 12/11/2011 e peticionando que fosse declarada a nulidade da transmissão de quotas que os 1ºs RR detinham na sociedade comercial ... – CASAS ..., Lda., a favor dos 2.ºs RR., realizada em 24/10/2012, do qual resultava a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade; - os Réus, citados apenas em 01/12/2017, na sua contestação, alegaram, entres outros, que adquiriram as quotas que haviam transmitido em 24/10/2012 e as quotas dos outros sócios iniciais, sendo, desde 24/03/2017 os únicos sócios da sociedade comercial ... – CASAS ... LDA.», detendo, o Réu J. M., uma quota no valor nominal de 91.500,00€ e a Ré M. M., três quotas no valor nominal de 19.500,00€ cada uma, tendo sido esta aquisição das quotas...

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