Acórdão nº 1176/08.4TBPTL–L.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMARGARIDA SOUSA
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: Por apenso ao processo de insolvência em que é Insolvente veio a X, S. A., cessionária do crédito do Reclamante Banco ..., S.A. intentar ação contra C. P., administradora de insolvência, e a MASSA INSOLVENTE DE J. J., representada pela referida administradora de Insolvência, pedindo a condenação da primeira ao pagamento da quantia de € 63.600,00, acrescida dos respetivos juros moratórios à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito, alegou, em síntese, que a Ré C. P. procedeu à venda dos bens imóveis hipotecados ao Banco ..., S.A., apreendidos no processo de insolvência, pelo valor global de € 12.500,00, por manifesta preterição do disposto no artigo 164.º do CIRE relativamente à totalidade dos bens imóveis hipotecados (tendo atribuído à fração “AG” o valor de € 12.000,00 e à fração “L” o valor de € 500,00), sucedendo que os bens imóveis hipotecados tinham um valor de mercado de € 84.500,00 e um valor de venda forçada/judicial de € 76.100,00, o que significa que, se o Banco ..., S.A. tivesse sido notificado do valor de aquisição de € 12.500,00, podia ter proposto um valor de adjudicação dos bens imóveis hipotecados por € 76.100,00, o que não sucedeu pelo facto de não ter sido notificado pela Ré C. P. e, como tal, defende, o Banco ..., S.A. e agora a X, S.A., deixou de ter a possibilidade de adquirir os bens imóveis hipotecados e não conseguiu evitar a venda dos mesmos, tendo, por isso, a Autora X, S.A. sofrido um prejuízo patrimonial de € 63.600,00 (sessenta e três mil e seiscentos euros).

Nas suas contestações, a Réu C. P. e a Interveniente Principal Y invocaram a exceção de prescrição da exigibilidade do crédito de que a Autora se arroga titular.

Pronunciando-se sobre a arguida exceção, veio a Autora pugnar pela não verificação da prescrição.

No despacho saneador, foi julgada procedente por provada a exceção perentória de prescrição e, consequentemente, absolvidas as Rés dos pedidos.

Inconformada com a referida decisão interpôs a Autora recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1.0 presente recurso vem interposto da Douta Sentença que julgou procedente, por provada, a exceção perentória de prescrição e absolveu as rés do pedido, com fundamento que o Banco ... (ou a Autora) teve conhecimento do encerramento da liquidação do ativo e da venda dos bens imóveis a 3 de junho de 2014 e, desde então, deparou-se com todos os pressupostos necessário ao exercício do direito de ação de responsabilidade civil.

  1. No entanto, o direito da Autora não se encontra prescrito uma vez que, a contar-se o prazo desde 3 de junho de 2014, o mesmo interrompeu-se ou, caso assim não se entenda, o prazo prescricional apenas começou a correr a partir de 22 de setembro de 2017.

  2. A prescrição assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas e visa tutelar o interesse do devedor, penitenciando a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante um período de tempo razoável para o legislador.

    4.0 regime geral do instituto da prescrição encontra-se previsto nos artigos 300.° e seguintes do Código Civil, onde se estipula um conjunto de prazos de prescrição para determinadas situações jurídicas.

  3. A ação de responsabilidade civil intentada contra a administradora de insolvência nomeada no processo de insolvência n." 1176/08.4TBPTL, encontra-se regulada no artigo 59.° do CIRE.

    6.0 n.º 5 do referido artigo 59.° do CIRE dispõe que a responsabilidade do administrador de insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.

    7.0 Tribunal a quo entende que o BANCO ..., S.A. (ou a Autora) teve conhecimento em 3 de junho de 2014 do direito que lhe competia, designadamente dos atos praticados pela Administradora de Insolvência e respetivos danos, pelo que tinha o prazo de dois anos para intentar a competente ação de responsabilidade civil, o que não fez.

    8.0 n.º 1 do artigo 323.° do Código Civil dispõe que o prazo de prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

  4. Nos termos do n.º 2 do artigo 323.° do CIRE, se a citação ou notificação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

  5. Após ter sido notificado do despacho de 3 de junho de 2014, que deu por encerradas as operações de liquidação do ativo, o Banco ... arguiu a nulidade da venda dos bens imóveis hipotecados por requerimento datado de 17 de junho de 2014, pondo em causa a validade do ato jurídico praticado pela Senhora Administradora de Insolvência.

    l1.No requerimento de 17 de junho de 2014, o Banco ..., S.A. requereu a notificação judicial da Senhora Administradora de Insolvência, designadamente, para demonstrar nos autos o cumprimento do disposto no n." 2 do artigo 164.° do CIRE, o que foi ordenado por despacho datado de 12 de agosto de 2014.

  6. Por requerimento datado de 21 de agosto de 2014, a Senhora Administradora de Insolvência comprovou alegadamente o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 164.° do CIRE, tendo junto dois e-mails que, no entanto, correspondiam a uma proposta de aquisição para cada metade indivisa dos bens imóveis e não da totalidade.

  7. Através do requerimento de arguição de nulidade, o Banco ..., S.A. (e, agora, a Autora) demonstrou a sua intenção de exercício do direito, uma vez que impugnou a validade de um ato jurídico praticado pela Administradora de Insolvência no exercício das suas funções.

    14.0 n.º 1 do artigo 323.° do CC exige a notificação judicial de um ato que exprima, ainda que indiretamente, a intenção de exercício do direito, sendo que, a Senhora Administradora de Insolvência foi notificada judicialmente para informar se deu cumprimento ao disposto no artigo 164.°, n.º 2 do CIRE na sequência do pedido de arguição de nulidade apresentado pelo Banco ....

    15.0 pedido de arguição de nulidade exprime, ainda que indiretamente, a intenção do exercício do direito do Banco ..., uma vez que se coloca em causa um ato jurídico praticado pela Administradora de Insolvência no âmbito das suas funções, em violação do disposto na lei, nomeadamente do artigo 164.°, n.º 2 do CIRE.

  8. Se considerarmos que o prazo de prescrição previsto no n.º 5 do artigo 59.° do CIRE começou a correr após 3 de junho de 2014, ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 323.° do CC, esse prazo de prescrição interrompeu-se a 22 de junho de 2014, ou seja, cinco dias após ter sido intentado o requerimento de arguição de nulidade onde se requer a notificação da Administradora de Insolvência.

  9. Nos termos do n.º 1 do artigo 327.° do CC, se a interrupção resultar de citação, notificação ou ato equiparado, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

  10. Por acórdão proferido a 22 de setembro de 2017, foi julgado improcedente o recurso interposto pelo Banco ..., S.A. e definitivamente decidida a improcedência do pedido de nulidade da venda dos bens imóveis hipotecados, pelo que, a partir de então, começou a correr um novo prazo de prescrição de dois anos, nos termos do n.º 5 do artigo 59.º do CIRE.

  11. Considerando que a presente ação declarativa deu entrada em juízo a 25 de julho de 2018, não há dúvidas que ainda não havia decorrido o referido prazo de dois anos para o exercício do direito do Banco ... (e, agora, da Autora X, S.A.), razão pela qual o direito da Autora não se encontra prescrito.

    Sem prescindir, 20.Caso se entenda que não há fundamento para a interrupção do prazo de prescrição, nos termos supra descritos, o que somente por mera cautela de patrocínio se concede, não podemos sufragar do entendimento do Tribunal a quo que considera que o prazo de prescrição de dois anos começou a contar-se após 3 de junho de 2014.

  12. No caso em apreço, estamos perante uma ação de responsabilidade civil intentada contra a administradora de insolvência...

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