Acórdão nº 160/18.4T8TMC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução27 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A. J.

e E. P.

intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra: 1. X, Unipessoal Lda.

, 2. J. F.

e mulher A. F.

, 3. Município de X, representado pelo Presidente da Câmara Municipal de X, pedindo a condenação dos Réus: a) a reconhecerem o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano identificado no artº. 1º da petição inicial; b) a encerrarem ou a colocarem fora de serviço e sem laborar a fábrica de embalagem de terra vegetal detida pelos 1º e 2º Réus; c) a pagarem sanção pecuniária compulsória de € 200,00 por cada infracção diária, até cumprimento cabal da decisão; d) a pagarem a título de compensação por danos não patrimoniais a quantia de € 20.000,00.

Para fundamentar a sua pretensão, os AA., além da aquisição derivada do aludido prédio urbano por escritura de doação outorgada pelos seus pais e sogros, alegam, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião) do direito de propriedade sobre o aludido prédio.

Mais alegam que na confrontação sita a norte e nascente da sua casa de habitação, a uma distância de 55 metros desta, os 1º e 2º RR. laboram, diariamente e desde 1999, com uma fábrica de embalagem de terra vegetal, na qual colocaram uma máquina de embalagem de terra vegetal que, através do funcionamento da pá carregadora, do moinho de martelos e tapete rolante, produzia (e produz) um excesso de ruído altamente incomodativo, um barulho ensurdecedor ou perturbador, tornando quase impossível a permanência dos AA. e demais agregado familiar na sua casa de habitação.

As reiteradas queixas apresentadas pelos AA. levaram a que a 3ª Ré ordenasse, em 5/04/2002, uma avaliação ao ruído ambiente pelo Instituto da Soldadura e Qualidade, na qual se concluiu que “o estabelecimento em causa não cumpre os limites legais impostos pelo Regulamento Geral do Ruído, verificando-se a não conformidade com os parâmetros exigíveis”, recomendando que o moinho de martelos fosse selado pela Câmara Municipal ou retirado das instalações da fábrica.

Todavia, a 3ª Ré, além de não ter seguido esta recomendação, nada fez, tendo permitido que os 1º e 2º RR. continuassem a laborar com a fábrica em questão, com o dito moinho de martelos activado e em pleno funcionamento, até com uma maior carga horária.

Os AA. continuaram insistentemente a apresentar queixas à 3ª Ré, e só em Maio de 2012 conseguiram que a Junta de Freguesia de ..., com o conhecimento e concordância da 3ª Ré, deliberasse a construção de um muro para isolamento do ruído e um portão, e apesar de ter sido construído um muro exterior, os 1º e 2º RR. não permitiram que na entrada fosse colocado um portão, o que não impediu que o ruído continuasse bem audível, perceptível e incomodativo na casa de habitação dos Autores.

Referem, ainda, que como a dita fábrica de embalagem de terra vegetal continuou a laborar diariamente por acção dolosa dos 1º e 2º RR. e a produzir excesso de ruído, o A. marido continuou a apresentar queixas e reclamações à 3ª Ré relacionadas com o ruído ensurdecedor e muito perturbador proveniente da fábrica, e só após muitas insistências, é que a 3ª Ré informou o A. que, a expensas dele, podia ordenar uma medição sonora do ruído emitido pela instalação fabril em causa.

Tal medição foi feita no local pela empresa escolhida – … Laboratório de Estudos Ambientais – que elaborou o respectivo relatório de avaliação do ruído ambiente, no qual, tendo em conta o critério da incomodidade, concluiu que “… não se encontram para o período diurno, em conformidade com as exigências regulamentares uma vez que a diferença entre o ruído ambiente e o ruído residual excede os 7 dB (A) não cumprindo com o estipulado no Regulamento Geral do Ruído”.

Após a 3ª Ré ter conhecimento de tal relatório ambiental, em vez de impor aos prevaricadores o cumprimento e o respeito da lei, ao invés, por finais de 2016, deliberou notificar os AA. para que estes apresentassem orçamento da colocação de barreiras acústicas, cujo custo seria suportado pela 3ª Ré, o que os AA. fizeram, tendo contactado duas empresas que elaboraram dois orçamentos para a colocação das ditas barreiras acústicas, que os AA. entregaram em mão ao Presidente da 3ª Ré, ficando a aguardar que esta entidade assumisse os seus compromissos.

Acrescentam que a 3ª Ré dolosamente continua a protelar ou enredar a questão e a adiar a tomada de medidas legais concretas para proteger os vizinhos do ruído que emana da fábrica, contribuindo de uma forma decisiva, neste caso por omissão ou absoluta inacção, para que a vida diária dos AA. e do seu agregado familiar continue um inferno, com a agravante de ser do conhecimento da 3ª Ré que a laboração não está licenciada, nem possui alvará de funcionamento.

Apesar das constantes denúncias, queixas, exposições e reclamações que os AA. têm apresentado às entidades administrativas, policiais e aos próprios RR., os 1º e 2º RR. não se coíbem de pôr a fábrica a trabalhar a qualquer hora do dia, em especial, aos sábados, para além de que nunca realizaram qualquer obra de insonorização ou qualquer outra obra necessária para a minimização da poluição sonora que produzem.

Consideram os AA. que a actividade ruidosa levada a cabo pelos 1º e 2º RR., no interior da fábrica em questão, afecta não apenas o direito dos AA. ao descanso, ao sossego, ao repouso, ao sono, mas também o direito à saúde e à integridade física e psicológica, no quadro dos direitos de personalidade, a que acresce o dano substancial ocasionado pela flagrante inacção da 3ª Ré, ao longo deste largo lapso temporal e em matéria de licenciamento ou de fiscalização de actividades ruidosas, abstendo-se do uso dos mecanismos legais, optando, estranhamente, por comportamentos dilatórios ou atitudes de mera inércia geradoras de uma verdadeira denegação de direitos aos lesados.

Deste modo, concluem os AA. que os RR. devem ser responsabilizados civilmente e de forma solidária serem condenados a pagar-lhes, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, a quantia de € 20,000,00.

O 3º R. apresentou contestação, invocando, na parte que aqui releva, a excepção da incompetência absoluta, em razão da matéria, do Tribunal Judicial para conhecer da presente acção, pois que, em seu entender, compete aos tribunais administrativos dirimir a presente acção, uma vez que os AA. pretendem a condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual e a responsabilidade civil extracontratual do Município trata-se de matéria da competência exclusiva da jurisdição administrativa, nos termos do disposto no artº. 4º, n.º 1, al. f) e k) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (doravante ETAF) – aprovado pela Lei n.º 13/2002 de 19/2, na versão mais recente que lhe foi atribuída pelo DL 214-G/2015 de 2/10 – não constituindo motivo impeditivo para que a acção fosse interposta no Tribunal Administrativo, de acordo com o artº. 4º, nº. 2 do mesmo diploma legal, o facto de serem demandados particulares e uma empresa privada juntamente com o Município.

Conclui o R. Município, no respeitante à excepção de incompetência material, pela sua absolvição da instância.

Os AA. vieram responder, pugnando pela improcedência da excepção e pela competência material dos tribunais judiciais, alegando, em suma, que a perspectiva em que fundamentalmente se estriba a presente acção é a do reconhecimento do direito de propriedade sobre a casa de habitação identificada no artº. 1º da petição inicial e a de tutela dos direitos de personalidade dos AA., afectados de forma reiterada, duradoura e relevante, pelas actividades ruidosas e omissões dolosas dos RR., visualizados, não na óptica do direito do ambiente ou no domínio das relações jurídicas reais de vizinhança, mas na óptica dos direitos fundamentais de personalidade.

Em 5/12/2019 foi proferida decisão a declarar a incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança - Juízo de Competência Genérica de X e, em consequência, a absolver os Réus da instância.

Inconformados com tal decisão, os Autores dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1.

Em síntese, extrai-se da petição inicial que os AA alegaram factos tendentes a...

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