Acórdão nº 46229/18.6YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Junho de 2019

Data27 Junho 2019

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório Z. C. e Associados, Sociedade de Advogados, RL, apresentou requerimento de injunção contra Águas ..., S.A.

pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 10.919,79, sendo € 9.836,80 de capital, € 980,99 de juros de mora e € 102,00 de taxa de justiça paga.

Para tanto alegou que celebrou com Águas B, S.A., actualmente Águas ..., S.A., um contrato de mandato judicial e que a requerida não pagou os honorários e despesas apresentadas por nota de 18/10/2016. Esclareceu que, em 29/10/2008, a requerida outorgou uma procuração a favor da requerente com a qual esta patrocinou aquela no processo nº 917/08.4BEBRG em que a requerida foi ré e A. C., S.A. e outros autores. Nesta acção pedia-se a condenação da ré no pagamento de uma indemnização de € 545.512,17 no âmbito da “Empreitada de Execução de Condutas de Adutoras de Estações Elevatórias e Reservatórios de Abastecimento de Água – Sistema da Queimada – AA 01/2004”. Nestes autos foi apresentada contestação, mas a aqui autora desistiu do pedido antes do julgamento.

*A requerida apresentou oposição deduzindo excepção de prescrição e impugnando a matéria alegada.

*Face à oposição a injunção o processo foi distribuído como acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato.

Foi proferido despacho convidando a ré a pronunciar-se, querendo, acerca da excepção de prescrição e convidando a autora a juntar a nota de honorários a fim de, designadamente, o tribunal verificar a sua competência para a decisão da causa.

*A autora veio juntar a nota de honorários e esclareceu que os mesmos dizem respeito ao proc. 917/08.4 que correu termos no T.A.F. de Braga, à data competente porque a ré tinha o seu domicílio em Guimarães e é aplicável o disposto no art. 76º do C.P.C..

A ré apresentou requerimento de “RESPOSTA ao articulado apresentado pela Autora”.

*Foi realizada uma tentativa de conciliação, a qual não se mostrou possível.

Foram admitidos os requerimentos probatórios e foi designada data para audiência de julgamento.

*Antes da data designada para julgamento a ré apresentou requerimento deduzindo excepção de incompetência absoluta. Para tanto alegou que competirá aos tribunais administrativos dirimir o litígio em curso ao abrigo do disposto no art. 4º nº 1 e) do E.T.A.F. atenta a sua qualidade de pessoa colectiva de natureza pública e o facto de o contrato que constitui o fundamento da acção estar sujeito ao procedimento da contratação pública.

A autora pronunciou-se pugnando pela intempestividade da arguição, por entender que a mesma deveria constar já da oposição nos termos do art. 573º, nº 1 do C.P.C.. De qualquer forma, defendeu que a excepção deveria ser desatendida posto que, até à data da entrada em funcionamento da ré, foi para a sociedade “Águas B, S.A.”, entretanto integrada na ré, que a autora veio a prestar os serviços que fundamentam a demanda, sendo que a causa de pedir da acção não é um contrato de natureza administrativa, dado que a mandante não actuou revestida de um poder público, tratando-se sim de uma relação jurídica de direito privado.

*Foi proferida decisão que reproduzimos na íntegra: “Nestes autos de acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato que “Z. C. e Associados, Sociedade de Advogados, RL”, NIPC …, moveu contra “Águas ..., S.A.”, NIPC …, veio a ré, por requerimento de fls. 113 e ss., suscitar a incompetência absoluta deste tribunal, para o que alegou que competirá aos tribunais administrativos dirimir o litígio em curso atenta a sua qualidade de pessoa colectiva de natureza pública e o facto de o contrato que constitui o fundamento da acção estar sujeito ao procedimento da contratação pública.

Em resposta, a autora pugnou pela intempestividade da arguição, por entender que a mesma deveria constar já da oposição, nos termos do art. 573.º, n.º 1, do CPC.

De qualquer forma, defendeu que sempre a excepção deveria ser desatendida posto que, até à data da entrada em funcionamento da ré, foi para a sociedade “Águas B, S.A.”, entretanto integrada na ré, que a autora veio a prestar os serviços que fundamentam a demanda, sendo que a causa de pedir da acção não é um contrato de natureza administrativa, dado que a mandante não actuou revestida de um poder público, tratando-se sim de uma relação jurídica de direito privado.

Cumpre decidir, desde já se adiantando ser tempestiva a arguição da incompetência.

De facto, se bem que o n.º 1 do art. 573.º do CPC estipule que “Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”, prevê-se, no n.º 2 do citado preceito, que, depois da contestação possam ser deduzidas as excepções que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente.

Ora, a incompetência absoluta é exactamente excepção de conhecimento oficioso, que pode ser apreciada até ao trânsito em julgado da sentença proferida sobre o fundo da causa (cfr. art. 97.º do CPC), do que decorre que seja admissível a sua arguição até ao referido momento limite de conhecimento e após a dedução da contestação, donde se mostre tempestiva a sua arguição.

Resta verificar da competência material deste tribunal.

Como é sabido, a competência dos tribunais judiciais é residual.

De facto, estabelece o art. 64.° do CPC que “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

Temos assim que a competência dos tribunais judiciais se fixará no confronto com a competência das demais ordens jurisdicionais, sendo que, no caso, impõe-se verificar da competência da jurisdição administrativa para o conhecimento do litígio.

Dispõe, a propósito, a Constituição da República Portuguesa, no seu art. 212.°, n.º 3, que “compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir litígios emergentes de relações administrativas e fiscais”.

Em conformidade, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, preceitua que “os tribunais de jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.º deste Estatuto” (cfr. art. 1.º, nº 1).

É, pois, o art. 4.° do ETAF o preceito que delimita em última instância o âmbito da jurisdição administrativa.

Ao caso em concreto, das várias alíneas do n.º 1, há que considerar as que respeitam aos contratos, nomeadamente, a alínea e), que estabelece competir à jurisdição administrativa a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a “Validade de actos pré-contratuais e interpretação, validade e execução de contratos administrativos ou de quaisquer outros contratos celebrados nos termos da legislação sobre contratação pública, por pessoas colectivas de direito público ou outras entidades adjudicantes.” O preceito em análise sofreu uma alteração introduzida pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, aí se estipulando anteriormente que à jurisdição administrativa competia as “Questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público”.

Em relação à anterior redacção do preceito, diziam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira (in “Código de Processo dos Tribunais Administrativos e Ficais e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Anotados”, Vol. I, 2004, em comentário ao aludido art. 4°, n° 1, al. e) do E.T.A.F., págs. 48 a 53): “A opção tomada nesta alínea e), que constitui a grande revolução do Código na matéria, traduziu-se na adição à jurisdição dos tribunais administrativos do conhecimento dos litígios relativos a contratos precedidos ou precedíveis de um procedimento administrativo de adjudicação, independentemente das qualidades das partes nele intervenientes - de intervir aí uma ou duas pessoas colectivas de direito público ou apenas particulares - e independentemente de, pela sua natureza e regime (ou seja, pela disciplina da própria privado (civil, comercial, etc.). […] O que é relevante (...) para determinar o âmbito “contratual” da jurisdição administrativa, continua a ser a natureza jurídica do procedimento que antecedeu - ou que devia ou podia ter antecedido - a sua celebração, e não a própria natureza do contrato. Se se trata de um procedimento administrativo, a jurisdição competente para conhecer da interpretação, validade de execução (incluindo a modificação, responsabilidade e extinção) do próprio contrato celebrado na sua sequência - independentemente de ele ser um contrato administrativo ou de direito privado - é a jurisdição administrativa. E independentemente também de se tratar (de actos pré-contratuais ou) de contratos de uma pessoa colectiva de direito público ou de um sujeito privado que esteja submetido, por lei específica, a deveres pré-contratuais de natureza administrativa - como sucede, por exemplo, nomeadamente por força da transposição de normas comunitárias...

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