Acórdão nº 934/18.6T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução10 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório (…) instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra (…) pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 51.059,51 (cinquenta e um mil, cinquenta e nove euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal, desde 08/11/2013 até efectivo e integral pagamento, os quais nesta data ascendem à importância de € 6.306,20.

O Réu contestou, alegando designadamente que as livranças juntas com a petição inicial são nulas por vício de forma, uma vez que não se encontram preenchidas, pelo que não se mantém a obrigação do avalista; não houve convenção entre as partes, pelo que na sua falta, não assiste ao A. o direito de regresso que invoca; na ação 1129/14 que correu termos entre as mesmas partes foi celebrada transacção, tendo celebrado tal transacção na convicção de que todas as contas entre as partes ficariam saldadas, agindo assim o A. em abuso de direito e com má fé ao instaurar a presente ação e invocou ainda a prescrição do direito do autor. Mais impugnou parte dos factos alegados.

Respondeu o A. em sede de audiência prévia, na qual foi apreciada a excepção da prescrição que foi julgada improcedente.

Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença julgando a ação totalmente procedente.

O R. não se conformou e apresentou o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: I. O presente recurso, de apelação, vem interposto da douta sentença a fls… que julgou parcialmente procedente a ação (improcedente somente na parte dos juros), impugnando-se ainda, por cautela, para o caso de entender que não o podia fazer autonomamente, como o fez, o despacho saneador.

  1. Nos presentes autos, veio o Autor exercer o direito de regresso contra o Réu, alegando ser este co-avalista de uma Livrança que ambas haviam avalizado ao mesmo avalizado, pedindo a condenação deste no valor de metade de tudo quanto pagou por conta da dívida titulada nessa Livrança.

  2. Os factos provados 1.13. e 1.23 não deveriam ter sido como provados ou, pelo menos,aquele tal como o foi.

  3. A prova da existência de aval faz-se, necessariamente, ad probationem ou mesmo ad substancium com a junção aos autos da Livrança e com a declaração de aval e respetiva assinatura do verso do mesmo.

  4. Não se pode fazer prova da prestação do aval por testemunho, exige-se a prova documental via junção da Livrança com a declaração de aval no verso, sendo que apenas foi junta aos autos a cópia da frente da Livrança – visto que nem sequer o original foi junto aos autos -, pelo que, não tendo sido junta prova documental do seu verso, não é legalmente possível concluir que o Réu é avalista da Livrança que o Autor diz ter pago.

  5. Por outro lado, em rigor, deveria dizer-se não que os RR. aceitaram … subscrever uma Livrança, mas sim que os RR., em representação da sociedade, aceitaram subscrever uma Livrança em nome desta.

  6. Pelo que no facto provado 1.13 deveria apenas dar-se como provado que:- Os RR., em representação da sociedade, aceitaram subscrever uma Livrança em nome desta, em branco, que foi anexada ao sobredito contrato de mútuo, autorizando ainda o banco a preencher a mesma, a descontar esse título cambiário e a cobrar os montantes em dívida, mesmo que para isso fosse necessário proceder ao débito das contas de que o Autor e/ou Réu fossem titulares.

  7. E o facto provado 1.23., além de conclusivo e de direito, está incorrectamente aplicado, ao dizer que o R. prestou avais à sociedade, incluindo no contrato de empréstimo referido supra em 1.10. e 1.11.

  8. É que só existem avais em Letras ou Livranças e o A. até apenas juntou cópia da frente da Livrança, sendo que não há aval em outros títulos ou documentos, designadamente em “contrato de empréstimo”.

  9. Assim decidiu por unanimidade o Acórdão deste Tribunal da Relação no processo 3966/11.TBGMR-A.G1, de 16-02-2017, in www.dgsi.pt :- “I- O aval é uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular”.

  10. No mesmo sentido o recente Ac. STJ de 13/11/2018, procº 2272/05.5YYLSB, in www.dgsi.pt :- O aval é o acto pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um signatário (art. 30.º da LULL), garante por algum dos co-obrigados no título, o pagamento da obrigação pecuniária que este incorpora. O aval é uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular.

  11. Devendo ainda dar-se como não provado ou não escrito o facto provado 1.23.

  12. No que concerne à aplicação do direito aos factos, vem dado como provado que:- 1.19. A livrança subscrita pela sociedade “J. J., Lda.”, subjacente ao mútuo descrito em 1.10. e 1.11. (fls. 29 vº) não foi preenchida quanto à data de emissão, vencimento, valor e montante.

  13. Sendo omisso na livrança o valor, uma vez que quanto à omissão da data de vencimento poderia entender-se pagável à vista, a conclusão a extrair é a de que o documento em questão não é um título de crédito válido e, como tal, é insuscetível de produzir efeitos enquanto livrança, o que se repercute em todas as relações cambiárias que, em abstrato, da mesma podem emergir, nela se incluindo o aval ou/e co-aval.

  14. Não obstante, considerou o Tribunal a quo que, por estarmos no domínio as relações imediatas, tal não impede que se considere válida a Livrança, pelo que se entendeu improceder a exceção da nulidade da livrança por vício de forma radicado na falta de preenchimento da mesma, posição com a qual não podemos de todo concordar.

  15. Decidindo, assim, o Tribunal a quo em manifesta oposição à jurisprudência firmada nos tribunais superiores, designadamente no Acórdão do STJ de 24-05-2018, procº 24-05-2018, que por unanimidade decidiu:- III - A livrança em branco desprovida do quantitativo a que respeita – a quantia determinada – não pode produzir efeitos como tal, i.e., como título de natureza cambiária (arts. 75.º, n.º 2 e 76.º da LULL). IV - Não podendo a livrança – rectius, o documento que a titula – ser considerado um título de crédito, um escrito corporizando uma qualquer obrigação validamente constituída, tal vício não pode deixar de se repercutir em todas as relações cambiárias que desse aludido escrito possam emergir, sem excepção, pois, para o aval ou/e co-aval. V - Como tal, não obstante o pagamento pelos autores, na qualidade de respectivos avalistas, do valor que justificaria a ajuizada livrança titular, não havendo ocorrido essa titulação, inviável se apresenta aos mesmos vitoriosamente exigir dos seus co-avalistas, incompletamente vinculados, a importância que, nesse pagamento, excedeu a quota-parte da sua repartida responsabilidade.

  16. No mesmo sentido vai o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30/7/2017, Processo, 29949-15.4T8LSB.L1-8, onde se decidiu “O direito de regresso do avalista sobre os coavalistas pressupõe que o titulo de crédito seja válido, contenha todos os elementos essenciais que a lei não prescinde”.

  17. Pelo que, adotando a jurisprudência dos nosso Tribunais superiores, deverá a exceção da nulidade da Livrança decorrente da falta de preenchimento dos seus elementos essenciais ser julgada procedente e, consequentemente, o Réu ser absolvido do peticionado, por inviável se apresentar ao Autor vitoriosamente exigir do aqui Réu /recorrente, imputado co-avalista, a importância que, nesse pagamento, excedeu a quotaparte da sua repartida responsabilidade.

  18. Pretende ainda o Recorrente que seja reapreciada pela via de recurso, a questão da exceção perentória da prescrição, invocada por si como Réu nos artigos 1º a 17º da sua contestação, que foi julgada improcedente no despacho recorrido.

  19. Nos presentes autos, veio o Autor exigir do R. o pagamento de € 51.059,51, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, com base no exercício do direito de regresso entre coavalistas do mesmo avalizado”.

  20. Na sua contestação, o Réu, ora recorrente, veio invocar a prescrição do direito que o A. se arroga, pugnando que o prazo de prescrição é de 3 anos, que se iniciou em 08/11/2013 (dia em que o A. alega ter pago a totalidade da Livrança ao Banco ...) pelo que, na data da citação do Réu para esta ação que ocorreu em 27/03/2018, já haviam decorridos mais de 3 anos.

  21. No despacho saneador em recurso, a Mª Juíza a quo decidiu que o direito do coavalista sobre os demais coavalistas do mesmo avalizado não está sujeito ao prazo de prescrição de 3 anos, mas antes ao prazo de prescrição ordinária consagrado no artigo 309º do código civil.

  22. Não faz sentido, salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário e seria situação caricata, contraditória e, obviamente ilegal, violadora de elementares princípios de coerência e unidade do sistema jurídico, sufragar-se a diversidade de prazos prescricionais na ação do avalista contra o avalizado ou do beneficiário contra o avalizado ou avalista, que é de 3 anos – cfr. artigo 70º LULL e alagar-se para o prazo de prescrição ordinária de 20 anos (cfr. artigo 309º do código civil) a ação do avalista que paga relativamente aos demais coavalistas.

  23. A integração das lacunas da lei faz-se por analogia e há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei – artigo 10º, nº 2 do c. civil.

  24. Sendo que tal integração, in casu, melhor se fará com a aplicação das regras do artigo 70º LULL e não com as do artigo 309º CC.

  25. Encontrando-se prescrito o direito que o A. pretende fazer valer - cfr. artº 303º do código civil.

  26. O despacho saneador violou ou interpretou erradamente as normas dos artigos 70º, 32º, 36, 75º e 76º da LULL.

TERMOS EM QUE, deve a sentença recorrida ser revogada, julgando-se a acção improcedente, por não provada ou, pelo menos, revogado o despacho saneador e julgada procedente a exceção da prescrição, de acordo com as precedentes conclusões.

A parte contrária contra-alegou, não tendo formulado conclusões (às quais não estava obrigada), tendo...

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