Acórdão nº 4586/17.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução03 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO 1.1. J. C.

intentou contra M. P.

e marido, A. M., e J. M.

e mulher, C. F., acção declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a declaração da ineficácia, relativamente ao Autor, da compra e venda celebrada em 09.10.2012, pela qual a 1ª Ré mulher declarou vender ao 2º Réu marido a fracção A do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº …/19971002-A, freguesia de …, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...

-A, permitindo ao Autor executar aquele património na esfera jurídico-patrimonial dos transmissários, para garantia do pagamento do crédito do Autor sobre os transmitentes.

Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que é titular de direito de crédito sobre a 1ª Ré mulher, resultante de contrato de mútuo que celebraram. Depois de assumir a obrigação de restituir ao Autor o montante mutuado, a 1ª Ré, com o consentimento do 1º Réu marido, declarou vender aos 2ºs Réus fracção autónoma de prédio constituído em propriedade horizontal de que era proprietária com o intuito, partilhado por todos os Réus, de assim impedir a satisfação do crédito do Autor com a garantia patrimonial da 1ª Ré. Para além do mais, nenhum dos Réus teve intenção de realizar a compra e venda nos termos declarados, nem de transferir o imóvel para a titularidade dos 2ºs Réus, não tendo sido pago o preço declarado.

*Contestaram os 1ºs. Réus - M. P.

e A. M.

, invocando que: - o negócio impugnado não foi resolvido nem impugnado pelo Sr. Administrador Judicial nomeado na sequência da declaração de insolvência dos 1ºs Réus; - o valor do crédito reconhecido ao Autor naqueles autos de insolvência é de apenas € 15.500,00, sendo posterior à celebração do acto impugnado; - a 1ª Ré e sua irmã assinaram os contratos de mútuo em apreço convencidas que estavam a fazê-lo em nome da sociedade “X Caffé” de que eram sócias, pelo que são anuláveis as declarações ali exaradas; - o contrato de mútuo é nulo por vício de forma; - os valores mutuados foram entregues a Manuel, pai da 1ª Ré, e destinados à sociedade “X Caffé”; - em 09.10.2012, o crédito titulado pelo Autor não estava vencido; - os 1ºs Réus eram, à data de 09.10.2012, titulares de património suficiente para satisfazer o crédito arrogado pelo Autor.

*Os 2ºs Réus, J. M.

e C. F.

, contestaram por excepção e impugnação.

Por excepção, invocaram: - a ineptidão da p.i., dizendo que o Autor, apesar de formular pedido enquadrado no instituto da impugnação pauliana, argumenta de facto em termos susceptíveis de fundar a nulidade, por simulação, do negócio impugnado; - a sua ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio necessário, pois os contratos de mútuo em que se funda o alegado crédito do Autor encontram-se não apenas subscritos pela Ré contestante, mas ainda pela sua irmã R. P., na condição de mutuária, e por Manuel como fiador. A acção deveria ter sido também dirigida contra estes, tanto mais que o seu património também é garantia patrimonial do crédito do Autor, ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário passivo; - a litispendência por se encontrar pendente a acção comum n.º 7274/15.0T8GMR do Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 3, em que foram demandados os aqui Réus e, bem assim, R. P. e cônjuge, na qual é pedida a declaração de nulidade, entre outros, do mesmo negócio objecto da presente acção; - a nulidade do contrato de mútuo, por vício de forma; - a existência, no património das mutuárias, de bens suficientes para satisfazer o crédito arrogado pelo Autor à data da outorga do acto impugnado.

Impugnaram os fundamentos da acção quanto ao carácter fictício da venda e quanto ao conhecimento do crédito do Autor sobre os 1ºs Réus.

*Respondeu o Autor, sustentando que é vedado aos 1ºs Réus vir invocar na presente acção causas impeditivas ou extintivas do direito de crédito do Autor que não lhe opuseram no âmbito da acção executiva que este propôs contra eles, constituindo verdadeiro abuso de direito fazê-lo depois de terem admitido a sua existência e validade. Impugnou a defesa por excepção dos 1ºs Réus.

Relativamente à contestação dos 2ºs Réus: - recusou a contradição na origem da alegada ineptidão da p.i.; - manteve que a legitimidade se afere pela descrição que os demandantes fazem da relação material controvertida; - negou a litispendência, por serem distintos os pedidos deduzidos nestes autos de impugnação pauliana e nos supra identificados autos de declaração de nulidade do negócio por simulação.

Pediu a condenação dos Réus como litigantes de má-fé, em multa e em indemnização a favor do Autor no valor de € 2.500,00.

*1.2.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho-saneador, definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

No saneador foram julgadas improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial, de ilegitimidade passiva dos Réus J. M. e C. F. e de litispendência.

Realizada a audiência de julgamento, proferiu-se sentença a julgar procedente a acção e a declarar ineficaz, em relação ao Autor, a compra e venda melhor descrita no facto provado número 3, permitindo ao Autor executar a fracção autónoma nela identificada, na esfera jurídico-patrimonial dos 2ºs Réus, para satisfação do crédito a que se reporta o título descrito no facto provado número 1, dado à execução nos termos descritos no facto provado número 5.

Mais foi julgado improcedente o pedido, formulado pelo Autor, de condenação dos Réus como litigantes de má-fé, do qual foram absolvidos.

*1.3.

Inconformados, os Réus J. M.

e C. F.

interpuseram recurso de apelação e formularam, a terminar as suas alegações, as seguintes conclusões: «I- O Autor intentou a presente acção pedindo, a final, o seguinte: “declarar ineficaz, relativamente ao Autor, a compra e venda objecto de impugnação e melhor descrito em 22), permitindo ao Autor executar aquele património na esfera jurídico-patrimonial dos transmissários …”, pedido que corresponderá aos efeitos da procedência da impugnação pauliana, invocando factos nos artigos 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 33.º (parte), 36.º e 37.º da petição inicial susceptíveis de integrar aquele instituto.

II- Já nos artigos 27.º, 31.º, 32.º, 33.º (parte), 34.º, 35.º, 38.º, 39.º, 40.º, 41.º e 42.º da p.i. argumenta a nulidade da escritura de compra e venda e a nulidade do negócio que lhes está subjacente, afirmando existir divergência entre a vontade real e a vontade declarada naqueles negócios e a sua simulação, a que corresponde um instituto jurídico diferente e com efeitos completamente divergentes.

III- Porém, a impugnação pauliana pressupõe a validade do negócio, ao contrário da nulidade, que pressupõe, precisamente uma divergência entre as vontades declaradas e reais.

IV- Deve existir um nexo lógico entre a causa de pedir e o pedido e existe ineptidão se não existir relação causa-efeito entre o pedido e a causa de pedir e ocorrer entre ambos uma contradição intrínseca e substancial insanável.

V- Alegando factos que se podem subsumir à nulidade do negócio, nos termos plasmados no art.º 240.º do CC, verifica-se que esse não é o efeito pretendido pelo Autor, que pretende a manutenção do negócio.

VI- Atentos alguns dos factos alegados, o pedido lógico seria o da nulidade que desfaça os efeitos das declarações de compra e venda e conduza à restituição do imóvel ao património dos alienantes, mas não é isso que o Autor pede.

VII- As causas de pedir e os pedidos são ininteligíveis, existindo uma clara e manifesta contradição entre as causas de pedir, entre as causas de pedir e os pedidos, gerando a ineptidão da p.i. [art.º 186º, n.ºs 1 e 2 al.s a), b) e c) do CPC, VIII- O Autor invoca, como fundamento para a presente acção, a celebração de dois contratos de mútuo, em que foram mutuárias, em ambos, a Ré M. P. e sua irmã R. P. e fiador Manuel.

IX- Contudo, demanda apenas a Ré M. P., “esquecendo-se” de demandar os outros outorgantes daquele alegado contrato de mútuo.

X- Configurada a acção como de impugnação pauliana, como interpretou o tribunal a quo, fará toda a diferença a presença dos demais outorgantes, nomeadamente quanto à existência ou não, de património de todos eles capaz de salvaguardar o valor dos créditos alegados pelo Autor.

XI- No caso concreto, é intrínseca a relação de todos os outorgantes dos contratos de mútuo para efeitos de verificação dos pressupostos da impugnação pauliana, existindo litisconsórcio passivo necessário.

XII- Correm termos no Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 3, os autos de Proc. n.º 7274/15.0T8GMR, em que o Autor demandou os aqui Recorrentes e demais Réus e também a já aludida R. P. e cônjuge, tendo por base os mesmos contratos de mútuo e pedindo como efeito jurídico a nulidade dos negócios.

XIII- Naqueles autos foram os aqui Réus Recorrentes absolvidos da instância, existindo, nessa parte, caso julgado material.

XIV- Em ambas as acções são os mesmos contratos de mútuo que o Autor invoca para o seu direito, é na divergência das vontades que sustenta a sua indignação e apenas difere nos efeitos pretendidos.

XV- Assim, não pode o Autor demandar novamente os Recorrentes, pelo que ocorre excepção peremptória de caso julgado ou, pelo menos, litispendência.

XVI- Como refere Antunes Varela in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed. , pág. 301, “Dá-se a litispendência...quando se instaura um processo, estando pendente, no mesmo ou em tribunal diferente, outro processo entre os mesmos sujeitos, tendo o mesmo objecto, fundado na mesma causa de pedir. A litispendência,..., pressupõe assim a repetição da acção em dois processos diferentes”.

XVII- O despacho saneador não aprecia a questão suscitada pelos Recorrentes da nulidade dos contratos de mútuo, por vício de forma.

XVIII- Os contratos de mútuo são de valor superior a 25.000,00 € e não foi respeitada a forma exigida pelo art.º 1143.º do Código Civil, ou seja, escritura pública ou por documento particular autenticado.

XIX- O contrato de mútuo alegado pelo Autor foi celebrado apenas sob a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT