Acórdão nº 5768/17.6T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de X I- Relatório J. A. e T. M., residentes no Lugar …, freguesia de ...

, do concelho de X, vieram intentar a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra: 1.

X - EMPRESA DE ÁGUA E SANEAMENTO DE …, S.A., NIPC ..., com sede em X; e 2.

MUNICÍPIO Y, pessoa colectiva de direito público; Formulam os seguintes pedidos:

  1. Ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre a metade da água proveniente da mina existente na gleba denominada Leiras do Poço ..., que faz parte do prédio rústico denominado «Campo ...», hoje denominado Quinta ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...

    /19961126 e inscrito na matriz sob o artigo ...

    ; b) Ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos autores sob as águas sobrantes ou escorros da outra metade da água proveniente da aludida mina, que abastece a Escola Primária e o fontanário público da freguesia de ...

    ; c) Ser declarado e reconhecido o direito de servidão de presa sobre a mina supra descrita sobre o artigo 1.º e as caixas, depósitos e tubos supra descritos sob os artigos 15.º a 18.º, bem como o direito de servidão de aqueduto sobre os tubos e depósitos supra descritos sob os artigos 13.º a 18.º, a onerarem o prédio supra descrito sob o artigo 1.º e outros prédios de terceiros e a favor dos prédios dos autores supra descritos sob os artigo 9.º e 10.º; d) Serem as rés condenadas a reconhecer aqueles direitos dos autores e a absterem-se da prática de quaisquer actos que atentem contra os mesmos; e) Ser a 1.ª Ré condenada a repor a aludida mina na situação anterior às obras supra descritas sob os artigos 30.º e 31.º, de modo que a divisão das águas seja feita entre os comproprietários, os autores e o MUNICÍPIO Y, na mina e junto às antigas escolas da freguesia de ...

    , nos termos supra descritos sob os artigos 13.º a 18.º, e as águas dos autores cheguem ao seu destino, isto é, os prédios supra descritos sob os artigo 9.º e 10.º; f) Ser a 1.ª Ré condenada a entregar aos autores uma cópia da chave da porta que instalou na mina, de modo que estes, todos os dias do ano, a qualquer hora do dia e da noite, possam aceder ao seu interior para verificar o seu estado de conservação e limpeza e fiscalizarem o modo como está a ser feita a captação e divisão das águas.

    Para tanto alegam, em síntese, que a 1.ª Ré, com vista a incorporar a água propriedade do 2.º Réu no sistema de abastecimento de água, em Outubro de 2015, sem consentimento e contra a vontade dos Autores, comproprietários das referidas águas, executaram obras no interior da mina, tendo a água deixado de chegar ao seu destino, encontrando-se ainda, em virtude daquelas, privados das águas sobrantes; a Ré colocou ainda uma porta na mina, não disponibilizando chave, o que impede o acesso dos Autores para conservação, limpeza e fiscalização.

    Citados os Réus vieram CONTESTAR: a) a Ré X, admitindo a compropriedade alegada das águas da mina, conclui pela improcedência, alegando, em síntese que a água pertença do Município foi integrada no abastecimento público, tendo sido necessária a realização de obras para divisão e captação, com vista a assegurar a qualidade e segurança da água. Acrescenta que foi dado conhecimento das obras aos Autores, que as aceitaram, apenas tendo recusado assinar um documento de acordo, por não ter sido entregue chave da mina, acrescentando que tal não pode acontecer por razões de saúde pública, sendo um abuso de direito dos Autores esta exigência.

  2. o Réu MUNICÍPIO conclui pela ineptidão da petição inicial, por falta de fundamento do chamamento à demanda do Réu, que deverá ser absolvido e a improcedência do pedido, reconhecendo que os Réus são proprietários das águas sobrantes de metade da água.

    Os autos chegaram à fase de saneamento e condensação, onde foi declarada improcedente a excepção invocada.

    Teve lugar a Audiência de Julgamento.

    A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência: a) condenou os Réus no reconhecimento do direito de propriedade dos Autores sobre a metade da água e sobre as águas sobrantes ou escorros da outra metade da água, proveniente da mina existente na denominada Leiras do Poço ..., que faz parte do prédio rústico denominado «Campo ...», hoje denominado Quinta ..., sito no Lugar de ..., da freguesia de ... do concelho da ..., descrito na Conservatória de Registo predial da ... sob o número ... de ..., e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e que serve os prédios dos Autores descritos em 6) dos factos provados; b) absolveu os Réus do demais peticionado.

    Mais fixou as Custas pelas partes, na proporção do decaimento, fixando em 80% a responsabilidade dos Autores e 20% dos Réus (artigo 527º,1 do CPC).

    Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1.

    Ao abrigo do art. 644º,1,a do CPC, vem o presente recurso interposto da douta sentença de 28 de Março de 2019, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando os RR. no reconhecimento do direito de propriedade dos AA. sobre a METADE DA ÁGUA e sobre as ÁGUAS SOBRANTES OU ESCORROS da outra metade da água, proveniente da mina existente no prédio denominado “Leiras ...”, hoje denominado Quinta ..., situado no Lugar de ..., da freguesia de ... do concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º ... de ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e que serve os prédios dos AA. descritos em 6) dos factos provados, e absolveu os RR. do demais peticionado; 2.

    Com recurso à reapreciação da prova gravada, os AA. impugnam a decisão da matéria de facto do ponto 16 dos factos julgados provados e da alínea a) dos factos julgados não provados.

    1. Fundam a discordância nos seguintes meios de prova:

  3. Declarações de parte de T. M., gravadas em 17/01/2019, das 10:51:51 às 10:07:30, de onde resulta que a Ré X iniciou as obras sem o conhecimento e contra a vontade da A., que não foi ouvida sobre as mesmas, que com elas não concordou, que não sabe se garantem a divisão equitativa da água, uma vez que lhe foi coarctado pela Ré o acesso à mina, e que desde então, no Verão, tem menos água; b) Depoimento das testemunhas H. M., gravado em 17/01/2019, das 10:08:11 às 12:33:56, e L. M., gravado em 17/01/2019, das 12:37:51 às 13:06:47, que confirmaram que a Ré X iniciou as obras sem o conhecimento e contra a vontade dos AA., que não foram ouvidas sobre as mesmas, que com elas não concordaram; 4.

    Nos termos do princípio da repartição do ónus da prova contido no art. 342º do Código Civil, era sobre as RR. que recaía o ónus da prova de que a Ré X realizou as obras com o conhecimento, aceitação e acordo dos Autores (art. 342º,2 do Código Civil); 5.

    A Ré não produziu uma única prova sobre tais factos; 6.

    Destarte, está este Venerando Tribunal ad quem em condições de alterar a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: Ponto 16): NÃO PROVADO.

    Alínea a): PROVADO QUE “a Ré X realizou as obras no interior da mina sem o conhecimento, consentimento e contra a vontade dos Autores”.

    1. A existência do direito á água, seja um direito de propriedade seja uma servidão de águas, é pressuposto do direito de a represar, conduzir e derivar; 8.

      O direito de tapagem do prédio denominado “Leiras ...”, hoje denominado Quinta ..., situado no Lugar de ..., da freguesia de ... do concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o n.º ... de ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., onde se situa a mina da água de que os AA. são proprietários de metade e dos escorros ou sobras da restante metade, que assiste à Ré, MUNICÍPIO Y, (art.º 1356º do Código Civil), está limitado pelo encargo das servidões que o oneram; 9.

      A situação que emerge dos factos provados não corresponde a uma colisão de direitos, estando sim em causa uma limitação às utilidades que o prédio proporciona às RR. X e MUNICÍPIO Y, enquanto proprietária e exploradora dos recursos hídricos do município, respectivamente, que vêm os poderes correspondentes aos seus direitos comprimidos por um outro direito real, com eles compatível.

    2. Não faz sentido as referências constantes da douta sentença recorrida à Lei n.º 54/2005, de 15 de Novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, pois não se provou que o prédio supra referido na conclusão 8.ª, pertença ao domínio público, pois as pessoas colectivas de direito público (como os Municípios), também detêm património particular, isto é, bens do domínio particular; 11.

      Os requisitos de que dependem a dominialidade pública, quer de prédios, quer de águas, são [a] o uso directo e imediato do mesmo pelo público, [b] a imemorialidade desse uso e [c] a afectação a utilidade pública e, in casu, estes requisitos não foram alegados pelas RR. e nem dos factos provados é possível extrair a sua verificação; 12.

      Tão pouco foi alegado ou provado que a Ré, MUNICÍPIO Y, tenha decidido a afectação ao domínio público, através de acto administrativo (tácito ou expresso), antes pelo contrário, pois a própria Ré, MUNICÍPIO Y, por deliberação tomada na reunião Ordinária da Câmara Municipal do dia 29 de Março de 1985, cedeu as águas sobrantes, que não eram consumidas nas escolas primárias de ... nem no fontenário público, aos Autores; 13.

      No caso dos Autos, estamos perante uma situação de condomínio de águas, sendo os consortes, os AA. e a Ré MUNICÍPIO Y, aplicando-se o disposto nos arts. 1398.º e ss. do Código Civil e, analogicamente, as disposições sobre o condomínio dos arts. 1414º e ss. do Código Civil.

    3. Sendo pretensão das RR. realizar obras inovadoras na mina, deveriam ter convocado uma assembleia de condóminos (art.º 1432.º do Código Civil), sendo que careciam da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria...

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