Acórdão nº 1695/15.6T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.- M. F., identificado nos autos, instaurou a presente acção de investigação de paternidade contra J. D., também aqui identificado, peticionando que o Tribunal declare ser este o seu pai, e, em consequência, ordene o averbamento paternidade ao seu assento de nascimento dele, bem como o nome dos ascendentes paternos em 2º grau.

Fundamenta alegando, em síntese, que anteriormente à instauração da presente acção, intentou uma outra impugnando a sua perfilhação, a qual correu termos neste Tribunal sob o nº 453/14.0TBBGC, tendo aí, por sentença proferida em 22/01/2015, transitada já em julgado, sido declarado que ele, Autor, não é filho do perfilhante H. F.. Por outro lado, alegou ainda, durante o período da sua concepção, a sua mãe, E. M., manteve relações sexuais com o aqui Réu, J. D., o que seria conhecido no círculo familiar dele, Autor, bem como na vizinhança, o que o faz crer que o Demandado é, efectivamente, o seu pai.

Regularmente citado, veio o Réu apresentar Contestação, na qual excepcionou a caducidade da acção, alegando, em síntese, ter o Autor nascido em 14/04/1979, atingido, portanto, a maioridade em 14/04/1997, razão pela qual já se esgotou o prazo de caducidade de 10 anos para a instauração da acção de investigação de paternidade previsto no nº. 1 do art.º 1817.º, ex vi do art.º 1873º do Código Civil (C.C.), o mesmo se passando, de resto, com o prazo de 3 anos referido no n.º 3 do mesmo preceito legal, uma vez que já a partir de meados de 2010, o Autor abordou-o, a si, Demandado, confessando-lhe saber, pela respectiva mãe, que ele era o seu progenitor. Assim, o direito de acção caducou em meados de 2013, tendo a presente acção sido instaurada 4/11/2015.

Ainda por excepção, agora de abuso de direito, alegou o Demandado que a instauração da presente acção é única e exclusivamente motivada na vontade do Autor obter benefícios patrimoniais face à riqueza considerável que possui, o que é conhecido na cidade de Bragança, sendo do conhecimento do Autor. Demandante.

Impugnou ainda os factos invocados pelo Autor, afirmando não conhecer a sua mãe, nunca tendo tido relações sexuais com ela.

Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido ou, se assim não for entendido, que o reconhecimento da paternidade seja restringido à questão de estado, afastando-se os efeitos patrimoniais que daí decorrem.

Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou na prolação de douta sentença que decidiu: “I. Declarar ser o Réu, J. D., pai biológico do Autor, M. F..

  1. Ordenar o averbamento no assento de nascimento do Autor, M. F., da paternidade deste por parte do Réu, J. D., bem como, e em consequência, do nome dos ascendentes em 2º grau do Demandante, pais do Demandado.

  2. Absolver o Autor, M. F., do pedido deduzido pelo Réu, J. D., quanto à não produção, na esfera jurídica do Demandante, dos efeitos patrimoniais decorrentes da relação de parentesco ora reconhecida judicialmente.”.

Inconformado, traz o Demandado o presente recurso pedindo que, alterada a decisão de facto nos termos que propõe, seja revogação aquela decisão, a ser substituída por outra que, jugando a acção improcedente, o absolva dos pedidos formulados, ou, em última instância, julgue procedente a invocada excepção de abuso do direito, com a consequente restrição da relação de parentesco decorrente da paternidade que eventualmente seja estabelecida e judicialmente reconhecida, aos efeitos pessoais e excluindo-se em absoluto, os efeitos de natureza patrimonial.

Contra-alegou o Autor propugnando para que se mantenha o decidido.

O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

**II.- O Apelante/Réu formulou as seguintes conclusões: 1) - Devem ser modificadas as respostas à factualidade vertida números 2., 3., 10., 11. e 17. dos factos provados e nas alíneas A., B., C. e K. dos factos não provados, por forma a: a) - considerar-se provado que: - desde data anterior a 2010, o Autor soube ou, pelo menos, suspeitou fortemente que o Réu era o seu pai biológico; - já em finais de 2007 ou em 2008, o A. abordou o R. na rua e pediu-lhe "uma palavrinha", para lhe dizer que a sua mãe lhe havia dito ser o Réu o seu pai; - esclarecendo ainda o Autor o Réu que não era por si que o questionava sobre o assunto, mas pelo filho daquele; - por via de exame pericial realizado nos autos, apurou-se que o estudo dos polimorfismos de ADN nuclear efectuado não permite excluir o Réu como pai biológico do Autor; - o A. instaurou a presente Acção unicamente motivado pela obtenção de vantagens financeiras decorrentes do acesso, por via sucessória, ao património abastado do Réu; e b) - considerar-se não provado que: - em altura não concretamente apurada do ano de 1978, a mãe do Demandante, E. M., trabalhou numa campanha para os pais do Demandado; - nos primeiros 120 dias dos 300 dias que precederam o nascimento do Autor, a referida E. M. manteve relações sexuais de cópula completa com o Réu; - em data não concretamente apurada do ano de 2012 ou no ano de 2013, o Autor foi confrontado com rumores no respectivo local de trabalho de que o seu pai não seria o perfilhante, H. F., mas sim, o Réu; - na consoada de 2013, o Autor confrontou a mãe, E. M., com tais rumores, tendo esta confessado que aquele seria, na verdade, filho do Réu e não do aludido H. F.; - por via de exame pericial realizado nos autos, apurou-se ser o Réu, pai do Autor com uma probabilidade de 99,9999999999989%.

2) - A douta sentença recorrida, a manter os seus termos, factos e consequências, colide com os direitos fundamentais que ao R./Recorrente assistem, tendo o Tribunal “a quo" decidido erroneamente, de forma precipitada, evasiva, injustificada e desproporcional à prova produzida.

3) - A factualidade considerada provada pelo Tribunal recorrido e aqui impugnada, além de conclusiva e genérica, encontra-se devidamente contrariada quer por toda a documentação que foi junta aos autos, quer pelos factos vertidos nos articulados, quer pelos depoimentos das Testemunhas arroladas por ambas as partes e em suma, afectam a esfera jurídica do Recorrente, responsabilizando-o de modo absolutamente injustificado, irrazoável e descabido, por uma paternidade nunca assumida, nem admitida, nem veiculada pelos directos interessados, a mãe do A., o R/Recorrente e o próprio A./Recorrido, que nunca dispensou nem solicitou ao R. qualquer trato social de pai/filho, nem abordou o Recorrente nos 10 anos seguintes à sua maioridade.

4) - Acresce que a falta de recolha dos elementos de ADN da mãe do A. é determinante no sentido de afirmar como inconclusivos os resultados das perícias realizadas, encontrando-se por isso, a sentença em contradição e confronto directo com a fundamentação de Direito.

5) - A exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento de facto e de convencer os destinatários sobre a sua correção.

6) - No caso sub judice, as declarações prestadas em sede de Audiência, os documentos juntos pelas partes e as próprias perícias realizadas, não suscitam quaisquer dúvidas quanto à necessidade de se impor decisão diversa da recorrida, quer quanto à matéria de facto, quer em termos de direito, pelo que é manifesto que ocorreu evidente precipitação e erro notório na valoração da prova, que devia ser tida em conta e valorada de forma bem diversa.

7) - Tendo-se demonstrado que o A./Recorrido soube ou suspeitou fortemente, pelo menos desde data anterior a 2010, que o R seria o seu pai biológico, por tal lhe ter sido dito pela sua mãe, tendo por isso mesmo, abordado então, o R./Recorrente e tendo-o confrontado com tal alegação, deve entender-se que o A. teve conhecimento de factos ou circunstâncias que justificavam a investigação desde data anterior a pelo menos, 2010, pelo que a sua inércia até à instauração da presente Acção, apenas em 4/11/2015, fez caducar o seu direito de acção.

8) - Nem se diga que tal direito é imprescritível, uma vez que não é juridicamente tolerável nem admissível tal imprescritibilidade, porquanto o estabelecimento de prazos para a proposição da Acção de Investigação da Paternidade não se afigura desproporcional, não violando os direitos constitucionais ao conhecimento da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivo vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família.

9) - Por isso mesmo, tem sido reconhecida a conformidade constitucional do regime previsto no artº 1817° do CC (na redacção introduzida pela Lei nº 14/2009, de 1/4) respeitante aos prazos de caducidade da acção de investigação de paternidade; quer da sujeição dessa acção a prazos de caducidade, quer dos prazos concretamente fixados na lei para esse efeito.

10) - Constitui entendimento pacífico do Tribunal Constitucional que o legislador ordinário goza de liberdade para submeter as acções de investigação e de impugnação da paternidade a um prazo preclusivo, desde que acautelado o conteúdo essencial dos direitos fundamentais em causa, cabendo-lhe fixar, dentro dos limites constitucionais admitidos pelo respeito pelo princípio da proporcionalidade, o concreto limite temporal de duração desse prazo.

11) - A relação paterno-familiar estabelecida, a confiança e a paz familiar seriam necessariamente postas em crise, se...

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