Acórdão nº 4180/18.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução31 de Outubro de 2019
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório M. T., divorciado, residente em …, Alemanha, instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. C.

, divorciada, residente em …, Alemanha, pedindo: a) seja declarado e reconhecido ser o autor o legítimo proprietário dos lotes e da moradia melhor identificados na p.i.; b) seja a ré condenada a reconhecer tal direito e a restituir ao autor e entregar-lhe de imediato tais imóveis, inteiramente livre de coisas (que não as do próprio autor tais como todo o recheio da habitação) e de pessoas, bem como a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia mensal de € 600,00 (seiscentos euros), desde a data em que ocorreu o ilícito desapossamento dos imóveis, retrotraído a Março de 2014, até à efectiva entrega dos mesmos; c) devendo declarar-se a transmissão dos direitos adquiridos pelo negócio de compra e venda dos dois lotes melhor identificados em 7º e 8º supra, titulado pela escritura pública outorgada em 13/07/1987, pela ré para o autor, mercê da ocorrência de mandato sem representação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1180º, 1181º e 258º, todos do C.C.; d) devendo declarar-se a transmissão dos direitos adquiridos pelo negócio de edificação da moradia titulado pelo contrato de empreitada melhor identificado em 11.º e 12.º supra, celebrado em 06/08/1988, pela ré para o autor, em virtude da ocorrência de mandato sem representação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1180º, 1181º e 258º, todos do C.C.; e) nessa decorrência, seja declarado que o autor é o único e exclusivo proprietário dos dois lotes de terreno melhor identificados em 7.º e 8.º supra; f) seja declarado que o autor é o único e exclusivo proprietário da moradia edificada no lote de terreno nº 6, melhor identificada em 11.º a 14.º supra; g) seja ordenado o cancelamento de todos os ónus e encargos, maxime, registais, respeitantes à “originária” aquisição dos imóveis titulados pela ré em execução do mandato sem representação sub judicio; h) ser a ré condenada a pagar juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a data de citação sobre as quantias devidas até efectivo e integral pagamento; i) ser a ré condenada ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 100,00 (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de alienação/transmissão para a esfera jurídica do autor dos direitos adquiridos pela ré em execução do mandato sem representação sub judicio, a computar desde a decisão proferida em 1ª instância (art.º 829º-A do C.C.); j) embora sem conceder, somente aqui se equacionando por mera cautela de patrocínio, a título subsidiário, caso a impetrada (re)transmissão por algum motivo se afigure impossível, seja a ré condenada no pagamento ao autor do equivalente de tais bens imóveis em numerário aos valores actuais do mercado, cuja devida quantificação deverá ser apurada, a final, através da instauração do competente incidente de liquidação de sentença; Para o efeito alegou ter contraído casamento com a ré em 28/12/2000, sob o regime da comunhão de adquiridos, com quem mantinha um relacionamento desde Agosto de 1977, altura em que ainda se encontrava casado em primeiras núpcias, sob o regime da comunhão geral de bens, com M. M., de quem viria a divorciar-se apenas em ../03/1995.

Alegou ainda que, no decurso do ano de 1987, decidiu adquirir dois lotes de terreno com a finalidade de edificar num deles uma moradia para constituir a sua residência sempre que se deslocasse e permanecesse em Portugal. Porém, por pretender evitar que a sua primitiva mulher tivesse direito a metade dos aludidos lotes, o autor pediu à ré que fosse ela a assumir a posição formal de adquirente (criando a aparência de que era esta última quem adquiria os imóveis, quando o único interessado em fazê-lo era ele), tendo acordado ambos que, logo que aquele impedimento cessasse, esta última transferiria para si a propriedade dos preditos lotes, o que ainda não fez até ao momento.

*A ré contestou excepcionando o caso julgado e impugnando a factualidade alegada pelo autor negando ter agido sob o mandato deste último já que quis comprar os lotes e edificar a moradia, fazendo esses bens seus.

Concluiu, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.

*Em 06/11/2018 foi proferido despacho ordenando a notificação do autor para, em 10 dias, “responder à contestação da ré em articulado próprio, embora anómalo, nomeadamente quanto às excepções deduzidas (não obstante o disposto no art. 3º nº 4 do C.P.C., atento o princípio da adequação formal entendemos que se justifica que o autor proceda dessa forma para que as posições para que as posições de todas as partes já sejam conhecidas e estejam formalizadas no processo no momento da eventual realização da audiência prévio, assim se dando cumprimento ao princípio do contraditório aludido no nº 3 do citado art. 3º do C.P.C.).

*O autor apresentou articulado onde respondeu à excepção de caso julgado após consignar que, nos termos do art. 572º c) do C.P.C., apenas esta excepção foi deduzida.

*Em 09/01/2019 foi proferido despacho em que se consignou: “Face à posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, em particular às excepções deduzidas na contestação e uma vez que a audiência prévia é obrigatória neste caso (arts. 592º e 593º nº 1, a contrario sensu), para a sua realização, nomeadamente para os fins previstos no art. 591º nº 1 als. a), b), c), d), f) e g) do C.P.C. (ponderando-se a possibilidade de conhecer imediatamente do mérito da causa), designa-se o dia 28 de Janeiro de 2019, pelas 14,30 horas (devendo previamente observar-se o disposto no art. 151º nº 1 do CPC).

Notifique.”*Procedeu-se a uma audiência prévia, a qual não foi gravada, tendo-se consignado em acta que se procedeu à tentativa de conciliação, a qual não foi possível e: “(…) foi facultada às partes a discussão das questões de facto e de direito a decidir nos presentes autos, com vista à delimitação do litígio, incluindo a possibilidade de ser proferida decisão de mérito nesta fase processual, atentas as posições assumidas por aquelas nos respectivos articulados.

*Discutidas todas as questões e eventuais soluções de direito para a solução do litígio, ambas as partes, após manifestação das suas posições, mantiveram o alegado nos autos.”*Em 11/03/2019 foi proferido despacho saneador nos seguintes termos: “(…) II – Chegado o momento de proferir despacho saneador, cumpre apreciar as questões emergentes dos autos, pelo que irá proferir-se decisão sobre as mesmas, observando-se a precedência lógica determinada pelo art. 608º nº 1 do C.P.C..

***O tribunal é competente.

***III – Cumpre, agora, averiguar da existência de eventuais excepções dilatórias do conhecimento oficioso que obstem ao conhecimento do mérito da causa, antes ainda de nos debruçarmos sobre a excepção de caso julgado expressamente deduzida pela Ré na sua contestação.

Da análise dos pedidos formulados pelo Autor, concluímos que o Autor configura juridicamente a presente acção invocando a existência de um contrato de mandato sem representação celebrado entre si e a Ré.

Como resulta do disposto no art. 1180º do Cód. Civil, no mandato sem representação o mandatário age em nome próprio (não em nome do mandante), adquirindo os direitos e assumindo as obrigações decorrentes dos actos que pratica, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participam nesses actos ou sejam deles destinatários.

Ao contrário do que sucede quando existe representação (art. 258º do Cód. Civil), no mandato sem representação os actos praticados pelo mandatário em vez de produzirem os seus efeitos na esfera jurídica do mandante produzem-nos na esfera jurídica do mandatário (neste sentido Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, pág.541).

Como se referiu, o mandatário adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos actos que celebra, embora seja obrigado posteriormente a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato.

E tem vindo a ser entendido que esta transferência dos direitos adquiridos para o mandante é insusceptível de execução específica (cfr., entre muitos outros, o Acórdão do STJ, de 26/09/2010, Proc. nº 476/99.P1.S1, in www.dgsi.pt).

Voltando, agora, ao caso em apreço, constata-se que o Autor, embora invoque a existência de um mandato sem representação, pretende o reconhecimento do direito de propriedade dos lotes de terreno e da moradia construída num deles, bem como a sua restituição e entrega como corolário do direito de sequela inerente àquele direito de propriedade [cfr. pedidos formulados sob as als. a) e b), duplicados inexplicavelmente sob as als. e) e f)].

Contraditoriamente, porém, verifica-se que o mesmo pretende igualmente que se declare a transmissão dos direitos decorrentes do contrato de compra e venda dos lotes relativamente a estes últimos e à moradia edificada. Ora, analisando em conjunto estes dois grandes núcleos do pedido formulado, não poderá deixar de se concluir que: - os pedidos de reconhecimento do direito de propriedade e de restituição dos bens (característicos de uma acção de reivindicação) estão em flagrante oposição com a causa de pedir (centrada no mandato sem representação), pois como vimos é o mandatário quem adquire os direitos e obrigações sobre a coisa (embora com a obrigação de efectuar a respectiva transferência ulterior) e não o mandante; - aqueles dois núcleos do pedido são absolutamente contraditórios entre si, não sendo naturalmente possível formular uma pretensão de reconhecimento da existência de um direito de propriedade e, cumulativamente (já que não foi estabelecida pelo Autor uma relação de subsidiariedade entre ambos), formular um pedido típico da execução específica (que, como é sabido, se destina a produzir os efeitos da declaração negocial do mandatário, pressupondo assim que este se recuse a transferir o direito adquirido em nome próprio), constitutivo do direito na...

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